Mais 152 egípcios condenados por se terem manifestado contra o regime

Regime reage aos primeiros protestos com alguma dimensão desde que os militares derrubaram Morsi com nova vaga de detenções. Guerra aberta entre o Governo e os jornalistas.

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Protesto contra a repressão em Londres durante a visita de Sissi, no final do ano passado Justin Tallis/AFP

Jornalistas, escritores, comediantes, médicos, activistas, manifestantes ou pessoas que passaram na rua errada à hora errada, não é preciso muito para se ser detido no Egipto. A maioria acaba por ser libertada sem acusação após alguns dias, outros são condenados a penas duras em poucas semanas. Este fim-de-semana, 152 pessoas foram condenadas a penas entre os dois e os cinco anos de prisão por se terem manifestado contra o Governo.

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Jornalistas, escritores, comediantes, médicos, activistas, manifestantes ou pessoas que passaram na rua errada à hora errada, não é preciso muito para se ser detido no Egipto. A maioria acaba por ser libertada sem acusação após alguns dias, outros são condenados a penas duras em poucas semanas. Este fim-de-semana, 152 pessoas foram condenadas a penas entre os dois e os cinco anos de prisão por se terem manifestado contra o Governo.

Os protestos de Abril juntaram milhares que contestavam a decisão de entregar à Arábia Saudita a soberania de duas ilhas disputadas no mar Vermelho – uma forma de agradecer à monarquia do Golfo a ajuda milionária que dá aos militares egípcios. Desde então, o regime lançou-se numa guerra contra os media, que incluiu um raide ao Sindicato dos Jornalistas no Cairo, e proibiu a saída do país de activistas dos direitos humanos.

Segundo advogados de direitos humanos citados pela Associated Press, depois das manifestações de Abril chegaram a ser detidas 1300 pessoas (incluindo 47 jornalistas); menos de 300 foram formalmente acusadas. Entre os 152 agora condenados, a maioria com idades entre os 20 e os 25, muitos foram detidos em ruas junto ao Sindicato dos Jornalistas, onde os manifestantes se concentraram, ou em cafés da capital.

Estes foram os primeiros protestos com alguma dimensão desde a chegada ao poder do Presidente Abdel Fattah Sissi, que liderou o golpe contra Mohamed Morsi (primeiro chefe de Estado democraticamente eleito do país) e a Irmandade Muçulmana, em 2013, e se fez eleger no ano seguinte. A transferência das ilhas foi o pretexto para o regresso às ruas contra a repressão e a falta de poder de compra, um regresso quase impossível com o actual regime.

Em Janeiro, em antecipação do quinto aniversário da revolta que depôs Hosni Mubarak, em 2011, a polícia lançou uma vaga de detenções de activistas ou jovens com perfil de potenciais manifestantes, fez buscas em 5000 apartamentos e cafés frequentados por intelectuais e artistas. Um colaborador da Amnistia Internacional falou na altura de “ataque de nervos” do Governo face ao receio de protestos.

Agora, ao protesto de 15 de Abril, seguiu-se outra vaga de repressão preventiva: com novas manifestações marcadas para dia 25 de Abril, as forças de segurança passaram os dias anteriores a deter “quaisquer jovens que acreditassem ter a intenção de se juntar às manifestações ou simplesmente estivessem na área onde os protestos iam ter lugar”, denunciou o advogado Mohamed Abdelaziz, director da Fundação de Defesa de Direitos Humanos Al-Haqanya, que representa 20 dos detidos. “Todos estes processos são fundados em detenções arbitrárias”, acusou Mokhtar Abdelaziz, da Associação Liberdade de Pensamento e de Expressão.

Nem uma racha

“Estamos em estado de choque”, disse à AFP o advogado Mohamed Abdelaziz, director da Fundação de Defesa de Direitos Humanos Al-Haqanya. Apesar das penas duras, os últimos condenados só estavam acusados de participar em manifestações ilegais – poucos meses depois de chegarem em poder, em 2013, os generais aprovaram uma lei a proibir os protestos não autorizados, a dificultar a obtenção de autorizações para organizar protestos e a dar ampla margem à polícia para dispersar concentrações.

Mas também não é preciso muito para enfrentar acusações ainda mais graves. As condenações do fim-de-semana acontecem dias depois da detenção de cinco jovens que integram um grupo de comediantes conhecidos pelos vídeos que publicam nas redes sociais a ridicularizar o Governo e Sissi. Desta vez, uma canção sobre a desvalorização da lira egípcia e a transferência das ilhas aos sauditas chegou para que fossem detidos por suspeitas de “promoção de ideais que incitam a cometer actos terroristas” e “incitação à participação em manifestações que perturbam a ordem pública”.

“É como uma barragem velha e o Estado está preocupado, pensa que não pode permitir nem uma racha, com medo de abrir a porta a uma inundação”, disse à AP o advogado Gamal Eid. Sissi esmagou a Irmandade Muçulmana e a oposição secular, mas isso não tranquiliza o poder. “Eles estão a reagir de forma completamente despropositada”, comentou o analista Michael W. Hanna.

Tão preocupado está o Governo que decidiu proibir que os media noticiassem os casos dos detidos em protestos contra a transferência das ilhas, iniciando assim uma guerra com os jornalistas. No início do mês, dois jornalistas muito críticos da decisão iniciaram uma concentração no interior do Sindicato dos Jornalistas, onde as forças de segurança nunca tinham entrado nos seus 75 anos de existência – mesmo com o actual nível de repressão, os sindicados são considerados a salvo da política.

Desta vez o inesperado aconteceu e a polícia entrou no sindicato e prendeu os dois jornalistas, acusando-os de envolvimento em protestos ilegais contra o Estado e de “usarem notícias falsas” para incitarem os manifestantes “a confrontarem as forças policiais e a atacarem instalações públicas vitais”. Depois deste raide, os principais jornais do país, incluindo as publicações consideradas pró-Governo, pediram a demissão do ministro do Interior, Magdy Abdel-Ghater.

Terrorismo e oposição

Em 2015, o Egipto já tinha sido o segundo país a prender mais jornalistas, com 23 detidos, só atrás da China, que deteve 25. “Desde então, a situação só piorou”, diz Sherif Mansour, do Comité para a Protecção dos Jornalistas. Há uma semana, um tribunal pediu a pena de morte contra seis pessoas, três dos quais jornalistas, incluindo dois da Al-Jazira, por “passarem segredos de Estado ao Qatar”.

“Prender jornalistas, condenar repórteres à morte, tratar os media como inimigos do Estado é totalmente contra-produtivo”, disse na terça-feira a embaixadora dos Estados Unidos na ONU durante um debate no Conselho de Segurança, presidido pelo ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros, Sameh Shoukry. “O nosso objectivo comum de lutar contra a ideologia terrorista não pode nunca ser usado como desculpa para eliminar a oposição política”, acrescentou Samantha Power.

No final do debate, o ministro egípcio disse aos jornalistas que o seu Governo “respeita a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa”. Shoukry defendeu ainda que é preciso “não misturar a luta contra o terrorismo com outras questões”, precisamente aquilo que o actual regime mais faz para justificar a repressão dos opositores e críticos.

Apesar de ter os seus principais membros na prisão, o Movimento 6 de Abril, instrumental na contestação que levou à revolta de 2011, saudou os protestos do mês passado como “a demolição da barreira do medo”. A contestação voltou à rua, sim, mas durou pouco, e sem nenhum grupo com condições para desafiar o regime, o mais provável é que demore até que o episódio se repita.