Como nos dias da Revolução, tudo preso à capital
Foram seis as ocasiões em que Benfica e Sporting chegaram à última jornada ainda num ombro a ombro pelo título. Em 1973-74, os "leões" saíram por cima.
Convocar o crédito vintage de um respeitável saldo de 4-2 em duelos com o Benfica, no que respeita a dramáticas decisões de fim de campanha, bastaria para redobrar o ânimo entre os seguidores de Jesus para um dos mais electrizantes despiques entre os rivais de Lisboa, mas, 43 anos depois do último grande duelo ao photo finish, as probabilidades alteraram-se.
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Convocar o crédito vintage de um respeitável saldo de 4-2 em duelos com o Benfica, no que respeita a dramáticas decisões de fim de campanha, bastaria para redobrar o ânimo entre os seguidores de Jesus para um dos mais electrizantes despiques entre os rivais de Lisboa, mas, 43 anos depois do último grande duelo ao photo finish, as probabilidades alteraram-se.
Com a chegada da Revolução dos Cravos e a intromissão do FC Porto nestas questões dos vencedores de campeonatos nacionais, assistiu-se ao extinguir da chama de outros tempos, só agora recuperada e alimentada pelo ressurgimento do Sporting ao longo de uma campanha feroz, que se anunciou explosiva desde a hora da mudança de Jorge Jesus para Alvalade.
A vantagem estatística neste despique tão particular pertence aos "leões", diz-nos a história, pois nas seis ocasiões em que chegou à última ronda com o vizinho da Luz à perna saiu quase invariavelmente a rir, numa relação de dois para um, tendência confirmada no último grande embate, precisamente o de 1973-74.
Apesar de tudo, somado o optimismo gerado desde o primeiro golpe, desferido com a contratação do treinador bicampeão a que se seguiram as primeiras batalhas ganhas nos confrontos directos, podem agora levantar-se dúvidas mais sérias quanto ao desfecho desta época. Sobretudo quando se exige a superação de uma barreira psicológica erguida pela história dos campeonatos, em que só por uma vez se produziu uma reviravolta, com o perseguidor a suplantar o líder.
Uma autêntica raridade que nem sequer teve como protagonistas directos os gigantes da segunda circular. O Sporting desempenhou, é certo, papel decisivo nessa época de 1954-55, mas por ter impedido o Belenenses de cortar a meta na frente, entregando de mão beijada ao Benfica o mesmo troféu que agora procura tirar do bico da águia.
Sensação de dupla derrota
Volvidos 43 anos, é o Sporting a depender de terceiros (está a dois pontos de distância, mas tem vantagem em caso de igualdade na tabela), isto caso supere o duro teste de Braga. Mesmo sem alimentar demasiadas expectativas para o Benfica-Nacional, no Estádio da Luz, Carlos Pereira gostava de poder alimentar a fé num desfecho semelhante ao que viveu de forma intensa em 1974, ainda no rescaldo do 25 de Abril, de leão ao peito.
"Tal como nessa época, este tem sido um campeonato muito disputado e extremamente competitivo", sublinha o antigo defesa e campeão dessa temporada, em declarações ao PÚBLICO, sem esconder a dureza de poder vir a falhar um título numa altura em que o Sporting ressurge em força.
"Falhar este título com a equipa a exibir tanta qualidade seria como uma dupla derrota. Claro que primeiro é preciso vencer em Braga. Mas, tal como sucedeu no Dragão, perante um FC Porto ferido no orgulho, o Sporting mostrou que está à altura do repto, dando uma resposta impressionante", acrescenta.
Sempre ligado à realidade, a convocar um pragmatismo raro em horas emocionalmente tão fortes, Carlos Pereira lamenta profundamente, mas não vê "como o Benfica poderá enjeitar uma ocasião destas para se sagrar campeão", especialmente depois de o Sporting ter sido o melhor nos duelos entre os três "grandes". "Perderam-se alguns pontos proibidos, com equipas às quais é forçoso vencer e isso está agora a reflectir-se".
"Uma mala muito grande"
Em 1974, a vantagem estava do lado dos "leões", que não deram a mínima hipótese, apesar de um quadro de alguma apreensão e que não teve nada a ver com a turbulência política desses dias.
"Encerrávamos a temporada no Barreiro e o jogo esteve na iminência de não ser realizado. O estádio estava completamente a abarrotar, com os adeptos quase em cima do campo e muitos mais sem hipótese de assistir ao jogo. Houve mesmo invasão", recorda, sem descurar um detalhe ainda hoje a merecer manchetes. "O Barreirense arriscava a despromoção e, a somar a esse facto, chegava uma mala da Luz. Mas uma mala mesmo muito grande. Tudo junto, os nossos adversários estavam dispostos a fazer das tripas coração", atesta, recuperando alguns testemunhos que verificaram esta história.
"Houve jogadores do Barreirense que mais tarde jogaram comigo e me confirmaram que havia, de facto, uma grande mala. Mas o Sporting estava inabalável, muito confiante e tinha um ponta-de-lança que resolvia jogos. Ainda hoje o recorde de melhor marcador, com os 46 golos dessa época, pertence ao Yazalde", prossegue.
Seja como for, no entender do antigo defesa leonino, a época do Sporting será, no mínimo, recordada pelo selo de qualidade que também em 1974 estava bem patente na equipa de Alvalade. "Foi um ano fantástico. Fomos campeões e vencemos a Taça de Portugal depois de termos ido às meias-finais da Taça das Taças", recupera, numa viagem histórica também por outros motivos.
"No dia 25 de Abril estávamos no muro de Berlim. Estávamos tão compenetrados na competição que nem tivemos logo a percepção exacta do que se estava a passar em Portugal. A viagem de regresso teve que ser feita por Madrid, de onde seguimos de autocarro para Portugal. Face às circunstâncias e à turbulência daqueles dias, crescia a apreensão, até porque não conseguíamos falar com as nossas famílias. Mas, quando chegámos a Elvas, percebemos que a situação não era tão grave como imaginávamos".