O medo de cair
Quando nos morre um pai a nossa própria morte entra-nos pelos olhos adentro. Percebemos que podemos cair. Mas quando nos nasce um filho percebemos que temos medo de morrer. Porque passa a ser possível doermo-nos num corpo que não é o nosso
No parque há uma mulher sentada no banco do jardim. Observa um miúdo que atira pedacinhos de pão a um bando de pombos. Explica-lhe como deve fazer, mas o miúdo está mais interessado em correr e em assustar os pombos para os fazer voar. Não corras, olha que ainda cais, diz-lhe a mãe. O miúdo ignora e continua a correr. A dada altura desequilibra-se, deixa cair o saco do pão e a mãe, num gesto reflexo, estica os dois braços e grita-lhe: ai, que tu cais! Não caiu.
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No parque há uma mulher sentada no banco do jardim. Observa um miúdo que atira pedacinhos de pão a um bando de pombos. Explica-lhe como deve fazer, mas o miúdo está mais interessado em correr e em assustar os pombos para os fazer voar. Não corras, olha que ainda cais, diz-lhe a mãe. O miúdo ignora e continua a correr. A dada altura desequilibra-se, deixa cair o saco do pão e a mãe, num gesto reflexo, estica os dois braços e grita-lhe: ai, que tu cais! Não caiu.
Quando nos morre um pai a nossa própria morte entra-nos pelos olhos adentro. Percebemos que podemos cair a qualquer momento. Como se tomássemos consciência do frágil equilíbrio que é a nossa existência, onde a única coisa garantida é a queda iminente.
Mas quando nos nasce um filho percebemos que temos medo de morrer. Porque passa a ser possível doermo-nos num corpo que não é o nosso. Porque passa a ser possível morrer mais do que uma vez. E mais do que as nossas quedas, passamos a temer as deles.
Quando nos nasce um filho achamos que a perfeição, aquela que não temos, vai ser possível. Porque se os nossos filhos forem perfeitos nunca cairão. Quando nos nasce um filho achamos que vamos ser melhores pais do que os nossos foram. Obviamente. Que vamos educar criaturas que serão absolutamente felizes, a transbordar de recordações perfeitas. Claro que não vamos. Vamos cair e esfolar-nos na mesma.
Fica quieto, não corras. Olha que cais. Ou corre apenas onde o mundo for forrado a tapete de pneu reciclado. Assim, não te aleijas. E eu também não. Num mundo cheio de "rankings", cheio de algoritmos e manuais sobre como ser feliz, num mundo cheio de filtros nas fotografias, para limpar as falhas da vida, talvez a nossa maior imperfeição seja o medo de sermos imperfeitos. O medo de cairmos. De vivermos de joelhos e cotovelos esfolados. Olha que cais, gritamos. Mas se não cairmos nunca teremos consciência do peso da nossa existência. E sem essa consciência não conseguimos andar pelas próprias pernas. Muito menos, voar.