Investigadores querem “observatório” para vigiar alimentação dos portugueses

Mais de cinco mil portugueses estão a ser pesados, medidos e inquiridos sobre hábitos alimentares e sobre o peso da crise à mesa. Mas especialistas querem ir mais longe.

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O último grande inquérito à alimentação dos portugueses é de 1980 Enric Vives-Rubio

Alguma vez deixou de consumir uma refeição por falta de dinheiro? Ou deixou de comer para alimentar os filhos? Costuma consumir fruta descascada ou com casca? Com que frequência consumiu refrigerantes no último mês? Recorre a produtos biológicos? Estes são exemplos das questões com que estão a ser confrontadas as 5200 pessoas abrangidas pelo Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física (INAF), em curso desde Outubro passado e cujos primeiros resultados deverão ser divulgados após Setembro de 2016.

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O estudo científico que, pela primeira vez desde 1980, irá avaliar os hábitos alimentares e a condição física de mais de cinco mil portugueses entre os três meses e os 84 anos de idade é discutido nesta quinta-feira, na Faculdade de Medicina da Faculdade do Porto, por mais de uma centena de investigadores nacionais e internacionais. O encontro pretende ser o pontapé de saída na criação de um Sistema de Vigilância Alimentar, Nutricional e de Actividade Física dos portugueses, capaz de monitorizar de forma continuada os comportamentos alimentares da população.

“Este sistema ou observatório é fulcral e importantíssimo e até um instrumento de poupança para o país, porque permitiria monitorizar no terreno o impacto das medidas de saúde pública”, defendeu ao PÚBLICO Pedro Graça, director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, da Direcção-Geral da Saúde (DGS).

“Sabemos hoje que a alimentação inadequada é o principal determinante da saúde dos portugueses, nas doenças cardiovasculares, oncológicas ou diabetes. Quaisquer medidas que possam influenciar positivamente a alimentação permitirão ganhos e poupanças substanciais”, sublinha ainda o nutricionista, para enfatizar a importância da recolha continuada daquele tipo de informação na tomada das decisões políticas em termos de saúde pública.

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“No caso de querermos incentivar o consumo de um alimento porque há uma deficiência na população de determinado nutriente, ou se quisermos impor algumas restrições à circulação de um determinado produto, só podemos fazê-lo tendo por base uma informação de qualidade sobre os comportamentos alimentares da população. Não podemos sugerir um maior consumo de fruta, porque há um défice das vitaminas que a fruta fornece, se não soubermos se esse défice é real ou não.”

Ao avaliar o impacto das medidas de saúde pública em termos alimentares, a monitorização continuada permitiria de igual modo “redireccionar estratégias se a meio do caminho se percebesse que as medidas adoptadas não estavam a surtir efeito”. E, num país em que a dieta mediterrânica perde terreno e o sedentarismo ocupa cada vez mais espaço, com o excesso de peso a afectar mais de 30% das crianças, dificilmente se percebe que tenham decorrido 30 anos desde o último grande inquérito aos comportamentos alimentares da população. “É um hiato de tempo enorme, desde então estamos de olhos vendados”, atira o responsável da DGS.

Não é só mais um estudo

“O inquérito em curso baseia-se em entrevistas pessoais, por nutricionistas treinados para o efeito, usando um software criado para o efeito, que vai ficar para futuras recolhas de informação e que está uniformizado com as normas europeias”, explicou, por seu turno, Carla Lopes, a investigadora responsável pelo INAF, que é financiado por fundos europeus e está a ser desenvolvido por um consórcio que integra as universidades do Porto e de Lisboa, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e a Universidade de Oslo, na Noruega.

Não é só mais um estudo, portanto. “Há estudos pontuais, realizados em determinadas regiões e que utilizam diferentes instrumentos diferentes. Este inquérito tem uma escala nacional, ilhas incluídas, e permite comparar dados europeus”, explica Carla Lopes. Mais importante: “Na actividade física, o último grande estudo tem dez anos. No caso da obesidade, existe um sistema de controlo da obesidade nas crianças em idade escolar, mas para algumas faixas etárias não há informação, como seja nos adultos, nos idosos e mesmo nas crianças abaixo dos cinco anos.”

Além de abordar questões tão diversas como a forma de conservação dos alimentos na casa dos portugueses e o impacto das dificuldades socioeconómicas na alimentação, os responsáveis do estudo vão, por exemplo, medir o perímetro abdominal dos inquiridos e perguntar quantas horas passam as crianças a ver televisão ou ao computador e quem é que sobe as escadas em vez de usar o elevador.

“Estaremos, assim, a criar um sistema único e integrado para melhor responder às necessidades de planeamento em saúde e noutras áreas, além de garantirmos os indicadores de saúde que o país precisa de dar à Europa”, acrescenta a responsável pelo inquérito.

O ideal seria que o inquérito se fizesse a cada cinco anos. “Se houver vontade política para que o sistema de vigilância avance, a ideia seria, nos intervalos de tempo, aproveitar os instrumentos e a estrutura criada para recolher informação junto de grupos específicos, como mulheres em fase de aleitamento ou grávidas ou pessoas sem-abrigo ou com patologias como alergias alimentares”.