Gestor do Compete afastado pelo Governo vai processar o Estado

Vinhas da Silva soube pela comunicação social que ia sair do lugar de presidente. Agora, recusa deixar o cargo até que o ministro da Economia o demita, apesar de o seu substituto já ter sido nomeado e estar em funções.

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Gestor pediu ao ministro da Economia, Caldeira Cabral, que lhe entregasse o despacho de exoneração Daniel Rocha

Um organismo público, dois presidentes. É nesta situação atípica que se encontra o Programa Operacional Competitividade e Inovação (Compete), responsável por gerir 6,2 mil milhões de euros de fundos estruturais do Portugal 2020. Num gabinete está Rui Vinhas da Silva, nomeado pelo anterior Governo PSD/CDS em Janeiro de 2015, e noutro está Jaime Andrez, que o actual Executivo designou como seu substituto na semana passada. O primeiro recusa-se a abandonar o lugar até que o ministro da Economia o notifique da exoneração e está a preparar uma acção judicial contra o Estado para reclamar uma indemnização pelo fim antecipado do mandato e compensações por danos morais.

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Um organismo público, dois presidentes. É nesta situação atípica que se encontra o Programa Operacional Competitividade e Inovação (Compete), responsável por gerir 6,2 mil milhões de euros de fundos estruturais do Portugal 2020. Num gabinete está Rui Vinhas da Silva, nomeado pelo anterior Governo PSD/CDS em Janeiro de 2015, e noutro está Jaime Andrez, que o actual Executivo designou como seu substituto na semana passada. O primeiro recusa-se a abandonar o lugar até que o ministro da Economia o notifique da exoneração e está a preparar uma acção judicial contra o Estado para reclamar uma indemnização pelo fim antecipado do mandato e compensações por danos morais.

O Governo já tinha, há meses, vontade de mudar a equipa de gestão do Compete, mas Vinhas da Silva só soube dessa intenção a 29 de Abril último, quando o PÚBLICO noticiou o seu afastamento. Quem o garante é o seu advogado, para quem remeteu todas as explicações sobre o caso: “Teve conhecimento pela comunicação social e só três dias depois foi chamado pelo ministro da Economia que lhe comunicou verbalmente a decisão”. Paulo Graça explicou que, no decorrer dessa conversa, o gestor exigiu “um despacho de exoneração”.

Nos dias que se seguiram e até quarta-feira, Vinhas da Silva apresentou-se ao trabalho. Tudo indica que o continuará a fazer até que o afastamento lhe seja comunicado “por escrito e com as devidas justificações”, continuou o advogado. Isto apesar de o seu substituto, que era até então vogal do Compete, já ter sido nomeado a 5 de Maio e ter assumido funções nesse dia. A designação de Jaime Andrez foi, aliás, oficializada na quarta-feira, num despacho publicado em Diário da República, onde também constavam os dois novos vogais (Fernando Lopes Alfaiate e Alexandra Vilela, que foi reconduzida). No site do organismo, são já estes os nomes que compõem a comissão directiva.

Ao que o PÚBLICO apurou, Vinhas da Silva, professor universitário, tem comparecido ao serviço, o que está a gerar mal-estar interno, mas não se apresenta em reuniões, nem toma decisões enquanto presidente do Compete. O seu advogado adiantou que já foi pedida à Presidência do Conselho de Ministros e ao ministro da Economia, Caldeira Cabral, “que emitam uma certidão sobre o hipotético acto de exoneração” e que o gestor “só abandonará o cargo quando for notificado”. “Se o fizer antes, podem alegar que há fundamentos para o demitir”, acrescentou.

“O professor Vinhas da Silva foi nomeado na sequência de um parecer da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap), não tem nenhum padrinho de natureza política. Tem uma carreira brilhante no estrangeiro, é considerado um perito na sua área. Fez um contrato de gestão subscrito por quatro ministros com a garantia de permanecer por três anos no cargo. Se há um contrato, tem de haver uma tomada de posição do Estado, precedida de audiência prévia, sobre a sua exoneração”, considera Paulo Graça.

Caso chega aos tribunais

Os gestores dos programas operacionais como o Compete regem-se pelo Estatuto do Gestor Público, que prevê que possam ser demitidos se tiverem uma avaliação de desempenho negativa ou incorrerem em violação grave da lei e dos estatutos ou em incumprimento das regras sobre incompatibilidades ou do dever de sigilo profissional. Nestes casos, o afastamento cabe ao órgão de nomeação, o Conselho de Ministros, requerendo audiência prévia e uma fundamentação da decisão. Em caso de demissão, não há direito a “qualquer subvenção ou compensação”.

Esse pagamento só está previsto num outro artigo do estatuto, quando a dissolução das equipas de gestão ou a demissão acontecem por “mera conveniência”, um regime que permite ao governo em funções afastar “livremente” os administradores deste tipo de entidades. Mas, nestes casos, se estiverem há pelo menos um ano em funções, têm direito a uma indemnização “correspondente ao vencimento de base que aufeririam até ao final do respectivo mandato, com o limite de 12 meses”.

Porém, na situação particular dos programas operacionais, há outro enquadramento legal a ter em conta: o Decreto-lei 137/2014, em que se refere que “os membros das comissões directivas são livremente exonerados, por resolução do Conselho de Ministros”. E é neste ponto que parece haver dúvidas sobre a forma como o Governo procedeu. O executivo entende que a resolução de 5 de Maio que nomeia a nova gestão do Compete exonera automaticamente a anterior. Já o advogado de Vinhas da Silva entende que a exoneração também tem de ser oficializada em Conselho de Ministros.

Paulo Veiga e Moura, especialista em direito administrativo, não tem dúvidas: "Para oficializar a demissão, o Governo tem de primeiro exonerar a anterior equipa de gestão e a seguir nomear a nova". O advogado explicou que é preciso haver "dois actos administrativos distintos", sendo que o da demissão "tem de ser comunicado ao próprio", uma vez que "a resolução do Conselho de Ministros que nomeia os novos gestores não é, só por si, uma exoneração dos anteriores". 

Vinhas da Silva irá agora exigir "a indemnização a que tem direito”, ou seja, o equivalente a um ano de trabalho, assim como uma compensação por “danos não patrimoniais” porque “não se humilha uma pessoa desta forma”, assegurou Paulo Graça. O advogado, que referiu que o valor global da indemnização a pedir ainda não está fechado, frisou que “os contribuintes vão ser chamados a pagar por isto porque está demonstrado que o Estado incumpriu a lei e não respeitou a pessoa em causa”. Se o executivo alegar que não cumpriu os objectivos ou incorreu nas violações previstas no Estatuto do Gestor Público, esses fundamentos “também serão contestados judicialmente”, garantiu.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Economia sobre este caso e, nomeadamente, sobre o pagamento de uma eventual indemnização a Vinhas da Silva, mas fonte oficial não explicou. A tutela de Caldeira Cabral enviou um esclarecimento por escrito em que refere que “no âmbito da aposta do Governo na execução célere e eficaz de Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, bem como na optimização e articulação no seu uso, entendeu-se ser agora oportuno proceder a uma renovação da estrutura directiva da Autoridade de Gestão do Compete 2020”. E acrescentou que, “nesse sentido, o Dr. Jaime Andrez, actual vogal do Compete 2020, foi convidado para o lugar de presidente da comissão directiva deste órgão”. Já este último responsável preferiu não fazer comentários sobre a situação. Na quarta-feira, a Cresap divulgou os pareceres que emitiu em relação ao currículo dos três novos gestores deste organismo público, considerando que são adequados para o cargo. Com Luísa Pinto