Fernanda Câncio espera de uma justiça “cúmplice de crimes” que “reponha a verdade”
A jornalista, ex-namorada de José Sócrates, escolheu expor-se no caso que a opõe há mais de um ano a alguns jornais. Um longo e detalhado esclarecimento é publicado esta quarta-feira numa edição antecipada da revista Visão.
A jornalista Fernanda Câncio diz-se alvo de uma campanha de calúnias desde o dia em que José Sócrates, seu ex-namorado do tempo em que era primeiro-minitro, foi detido. A detenção de Sócrates e de Carlos Santos Silva, a 21 de Novembro de 2014, “foi um enorme choque”, expõe a jornalista, num longo artigo, escrito em nome próprio, que faz a capa da revista Visão, numa edição antecipada para esta quarta-feira. A este esclarecimento público dá o título Sócrates, o ‘Processo Marquês’ e eu.
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A jornalista Fernanda Câncio diz-se alvo de uma campanha de calúnias desde o dia em que José Sócrates, seu ex-namorado do tempo em que era primeiro-minitro, foi detido. A detenção de Sócrates e de Carlos Santos Silva, a 21 de Novembro de 2014, “foi um enorme choque”, expõe a jornalista, num longo artigo, escrito em nome próprio, que faz a capa da revista Visão, numa edição antecipada para esta quarta-feira. A este esclarecimento público dá o título Sócrates, o ‘Processo Marquês’ e eu.
Perante o que diz ser a recusa do Ministério Público (MP) de travar “as repetidas violações do segredo de justiça” e as “imputações falsas”, repondo a verdade dos factos na forma em que constam dos autos e não da forma em que foram interpretados pelo Correio da Manhã, Fernanda Câncio considera ter chegado o momento de se defender. Mas confessa ser “com imensa repugnância e tristeza” que se vê “forçada” a prestar esclarecimentos, “sem esperar milagres” e talvez mesmo não esperando nada, ao fim de um ano e cinco meses de “acusações falsas”. Dar voz à sua posição, para ela, “chega”.
A jornalista e grande repórter do Diário de Notícias diz-se alvo de uma guerra travada contra si desde o dia da detenção dos dois principais arguidos do processo operação Marquês, mas especialmente desde Outubro de 2015, quando chegou ao fim o segredo interno do processo mas se manteve “o regime do segredo de justiça, na sua vertente externa” – por essa razão, Fernanda Câncio não teve acesso ao requerimento do Correio da Manhã que tinha por objectivo que ela própria fosse constituída arguida.
Fez o pedido ao MP, “para se poder defender” do que, no seu entender, o jornal diário “tornou uma acusação pública”, mas o pedido foi-lhe recusado. E contesta: “O país saber do requerimento por via de quem o fez e publicitou [o Correio da Manhã] não viola o segredo; eu conhecê-lo para me defender já viola.”
Depois de consultarem os autos, onde constam as escutas telefónicas, os dois jornalistas constituídos assistentes consideraram haver “fortes indícios” de que Fernanda Câncio teria conhecimento de que Sócrates “tinha avultadas quantias de dinheiro disponíveis” e que estas não seriam compatíveis com a sua condição de ex-primeiro-ministro, já que, enquanto tal, não poderia ter poupado e adquirido tais montantes.
Concretamente, os jornalistas lançam a suspeita sobre Fernanda Câncio e sobre a primeira mulher de José Sócrates, Sofia Fava, de que estas podiam “ter participado activamente na ocultação” de dinheiro obtido pelo ex-primeiro-ministro através “do crime de fraude fiscal” e evocam a possibilidade de a jornalista em particular ter “beneficiado indirectamente” de quantias resultantes dessa fraude.
A posição do Ministério Público
A jornalista e cronista acusa a Justiça de ser “cúmplice de crimes”, depois de ter recebido a garantia de um inspector-geral tributário (um dos investigadores no inquérito) de que não constava do processo, por exemplo, a acusação que a então namorada de Sócrates “usava também o dinheiro de Santos Silva”, como escreveu o Correio da Manhã. “Perante a minha exigência de que o MP repusesse a verdade, [o inspector-geral tributário] lamentou não poder fazer nada.” E acrescenta: “O que cabe ao MP, pelos vistos, é manter a dúvida, de forma a que eu vá sendo queimada em praça pública.”
Foi-lhe dito que o problema estava na lei que permite a constituição de jornalistas como assistentes. E foi-lhe sugerido que recorresse aos tribunais. Em resumo, diz Fernanda Câncio: “Se me quero defender do que me estão a fazer com a cumplicidade da Justiça, recorro à Justiça.” Foi o que fez, esclarece, antes de afirmar que não tem “muita esperança no resultado”.
Neste testemunho pessoal publicado na Visão, Câncio expõe pormenores e excertos das escutas incluídas no processo que serviram para fundamentar suspeitas sobre ela, além de relembrar uma manchete do Correio da Manhã em que era mencionada uma conversa telefónica entre a mulher de Carlos Santos Silva e Fernanda Câncio, durante a qual a mulher de Carlos Santos Silva teria revelado a Câncio “os milhões” que estavam na conta de Sócrates, e que a jornalista diz ser falsa, porque “nunca existiu”.
O jornal ignorou o desmentido de Fernanda Câncio e sublinhou que as referidas escutas tinham sido validadas por um juiz – o que Fernanda Câncio não contesta. O que contesta é mesmo a existência de escutas que sustentem a acusação do jornal. “Mas onde estão as [escutas] que suportam aquilo que o Correio da Manhã afirma?”
Será "maldade pura"?
O jornal invoca a existência de “fortes indícios” para afirmar que Câncio “tinha um conhecimento profundo dos negócios de José Sócrates, bem como dos [seus] gastos pessoais e que evidenciavam a existência dessas avultadas quantias de dinheiro” e das ligações a Carlos Santos Silva. Responde a jornalista que “se fizesse ideia da relação pecuniária entre os dois, teria feito perguntas por considerar a situação, no mínimo, eticamente reprovável”.
E acrescenta que nunca foi questionada por nenhum dos órgãos de comunicação social que a “tentaram implicar” no caso. Sobre os motivos por que o Correio da Manhã, jornal e TV, e o semanário Sol nunca lhe perguntaram “nada”, como diz, tem ela mesma uma explicação, que é exactamente oposta à dos órgãos de comunicação em causa: “Tendo acesso a todo o processo, sabem que eu nada sabia sobre a relação pecuniária entre Carlos Santos Silva e José Sócrates.” E acrescenta que aquilo que consideram como “forte indício” lhe foi “ocultado”.
Antes de enumerar uma a uma as temáticas usadas nas “fundadas suspeitas” que constarão dos autos, segundo o Correio da Manhã, diz que não pode ser acusada por uma mensagem sms em que escreve: “Não há assim tantos ex pm com massa e casa em Paris” – ou pelas férias que passou a convite de Sócrates não sabendo que seriam pagas por Carlos Santos Silva; ou ainda pelo computador que Sócrates lhe ofereceu e que para a compra do qual Câncio teve de aceder aos elementos do cartão de crédito, tendo tal motivado a convicção dos jornalistas do Correio da Manhã e da CMTV de que Fernanda Câncio saberia “da origem ilícita dos fundos a que José Sócrates tinha acesso”.
Não entende pois, como diz, por que motivo está a ser “acusada e caluniada”. Será “maldade pura”?, solta entre outras interrogações. E recusa-se a acreditar que estas acções estejam relacionadas com a forma como critica o “modo de actuação destes media”.