Uma Europa contra o fascismo
Destruir a UE seria a melhor ajuda que os fascistas poderiam ter.
O dia da Europa, que foi anteontem, começou quando um diplomata francês, Robert Schuman, explicou que “como não fizemos a Europa, tivemos de novo a guerra” e sugeriu que para não repetir o erro os velhos rivais europeus juntassem a sua produção de carvão e aço.
Aquilo a que ele se referia por “não ter feito a Europa”, simplificadamente, chama-se o fascismo. O fascismo representou o colapso da promessa de democracia, estado de direito e prosperidade partilhada que deveria sustentar este continente. É fácil esquecermos, porém, que o fascismo se alimentava de frustrações bem reais: a cobrança vingativa de dívidas de guerra à Alemanha, por exemplo, ou a ineficácia burocrática da instituição que os políticos tinham inventado para trazer alguma ordem pacífica ao continente e ao mundo, a Sociedade das Nações. Toda a gente tinha razões para estar zangada com a Sociedade das Nações, mas quando os fascistas conseguiram acabar com ela não foi para a substituir por algo melhor. (Por isso, a primeira missão dos aliados após derrotar o fascismo consistiu em refazê-la na Organização das Nações Unidas, outra entidade internacional frustrante, burocrática — e absolutamente necessária.)
A União Europeia que existe hoje é também uma criação institucional contra o fascismo. Não por acaso o outro grande inventor deste projeto, Altiero Spinelli — que deveria ser tão comemorado como Schuman — era um jovem comunista que foi preso por Mussolini. Desterrado para uma ilha, ali escreveu com uns poucos camaradas antifascistas o Manifesto por uma Europa Unida e Livre no qual sugeriu, pela primeira vez, a criação de um Parlamento Europeu e de uma democracia à escala continental. Hoje precisamos de mais Spinelli na Europa: mais democracia, idealismo e emoção do que gabinetes, tecnocracia e papelada.
Apesar de todas as frustrações com o estado atual da União, nem por um segundo aplaudo a caricatura anti-UE que tem servido de base, principalmente nos últimos dias, a um regozijo inconsciente com um suposto “fim da Europa”. Regozijo injustificado também: não é o euro, nem Schengen, nem a crise dos refugiados que poderão acabar com o projeto europeu. É, de novo, o colapso da democracia, estado de direito e prosperidade partilhada promovido pelos demagogos e autoritários.
Basta olhar para os principais interessados no fim do projeto europeu: Farage, Le Pen, Orbán e Kaczinsky. Basta ver o tipo de atores políticos que emergiram nos últimos anos e meses pelo mundo fora: de Putin a Erdogan, de Trump a Cunha e Bolsonaro, passando pelo novo presidente das Filipinas, que defende as milícias, os massacres e as violações. O fascismo está aí de novo, com novos nomes e caras. E voltará a tentar perverter o jogo democrático para benefício dos seus interesses históricos, que são os do poder, do egoísmo e do ódio — emoções fortes, e fáceis de despertar.
Destruir a UE seria a melhor ajuda que os fascistas poderiam ter. Como deveríamos ter feito entre as guerras, as frustrações justificadas pelo projeto europeu deverão servir para que lutemos para o transformar democraticamente, e não para o enterrar.
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O dia da Europa, que foi anteontem, começou quando um diplomata francês, Robert Schuman, explicou que “como não fizemos a Europa, tivemos de novo a guerra” e sugeriu que para não repetir o erro os velhos rivais europeus juntassem a sua produção de carvão e aço.
Aquilo a que ele se referia por “não ter feito a Europa”, simplificadamente, chama-se o fascismo. O fascismo representou o colapso da promessa de democracia, estado de direito e prosperidade partilhada que deveria sustentar este continente. É fácil esquecermos, porém, que o fascismo se alimentava de frustrações bem reais: a cobrança vingativa de dívidas de guerra à Alemanha, por exemplo, ou a ineficácia burocrática da instituição que os políticos tinham inventado para trazer alguma ordem pacífica ao continente e ao mundo, a Sociedade das Nações. Toda a gente tinha razões para estar zangada com a Sociedade das Nações, mas quando os fascistas conseguiram acabar com ela não foi para a substituir por algo melhor. (Por isso, a primeira missão dos aliados após derrotar o fascismo consistiu em refazê-la na Organização das Nações Unidas, outra entidade internacional frustrante, burocrática — e absolutamente necessária.)
A União Europeia que existe hoje é também uma criação institucional contra o fascismo. Não por acaso o outro grande inventor deste projeto, Altiero Spinelli — que deveria ser tão comemorado como Schuman — era um jovem comunista que foi preso por Mussolini. Desterrado para uma ilha, ali escreveu com uns poucos camaradas antifascistas o Manifesto por uma Europa Unida e Livre no qual sugeriu, pela primeira vez, a criação de um Parlamento Europeu e de uma democracia à escala continental. Hoje precisamos de mais Spinelli na Europa: mais democracia, idealismo e emoção do que gabinetes, tecnocracia e papelada.
Apesar de todas as frustrações com o estado atual da União, nem por um segundo aplaudo a caricatura anti-UE que tem servido de base, principalmente nos últimos dias, a um regozijo inconsciente com um suposto “fim da Europa”. Regozijo injustificado também: não é o euro, nem Schengen, nem a crise dos refugiados que poderão acabar com o projeto europeu. É, de novo, o colapso da democracia, estado de direito e prosperidade partilhada promovido pelos demagogos e autoritários.
Basta olhar para os principais interessados no fim do projeto europeu: Farage, Le Pen, Orbán e Kaczinsky. Basta ver o tipo de atores políticos que emergiram nos últimos anos e meses pelo mundo fora: de Putin a Erdogan, de Trump a Cunha e Bolsonaro, passando pelo novo presidente das Filipinas, que defende as milícias, os massacres e as violações. O fascismo está aí de novo, com novos nomes e caras. E voltará a tentar perverter o jogo democrático para benefício dos seus interesses históricos, que são os do poder, do egoísmo e do ódio — emoções fortes, e fáceis de despertar.
Destruir a UE seria a melhor ajuda que os fascistas poderiam ter. Como deveríamos ter feito entre as guerras, as frustrações justificadas pelo projeto europeu deverão servir para que lutemos para o transformar democraticamente, e não para o enterrar.