Eleição do Presidente “justiceiro” ameaça equilíbrio no mar do Sul da China
O novo chefe de Estado filipino foi ambíguo em relação à política externa que pretende adoptar num dos países mais relevantes na Ásia. A China não escondeu que preferia Rodrigo Duterte.
À eleição de Rodrigo Duterte como Presidente das Filipinas não faltaram as menções aos “esquadrões da morte” que o antigo autarca prometeu para combater o crime ou ao desejo que manifestou em ter sido o primeiro a violar uma freira australiana que foi morta durante um motim numa prisão. Mas a subida ao poder deste político controverso e populista pode ter implicações profundas no complexo xadrez regional no mar do Sul da China.
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À eleição de Rodrigo Duterte como Presidente das Filipinas não faltaram as menções aos “esquadrões da morte” que o antigo autarca prometeu para combater o crime ou ao desejo que manifestou em ter sido o primeiro a violar uma freira australiana que foi morta durante um motim numa prisão. Mas a subida ao poder deste político controverso e populista pode ter implicações profundas no complexo xadrez regional no mar do Sul da China.
Acima de tudo, da política externa de Duterte pode esperar-se praticamente qualquer cenário. “As relações externas foram uma grande lacuna no programa eleitoral de Duterte até agora, e ele e a sua equipa têm ainda de definir publicamente a sua abordagem em relação ao mar do Sul da China”, disse ao Washington Post o director do Instituto de Assuntos Marítimos e Direito do Mar da Universidade das Filipinas, Jay Batongbacal.
A fazer crer na campanha eleitoral, a política do ex-autarca para a região resume-se a uma viagem de jet-ski até ao recife de Scarborough (disputado com a China), onde disse querer deixar uma bandeira filipina. Mas Duterte manifestou igualmente disposição para encetar negociações directas com Pequim para resolver as disputas territoriais entre os dois países.
Uma iniciativa deste género marca uma viragem na forma como as Filipinas se tem posicionado no quadro regional. O ainda Presidente Benigno Aquino aproximou o país de Washington, ao mesmo tempo que adoptou uma postura dura em relação à China, que chegou mesmo a comparar à Alemanha nazi. Desde 2013 que corre no Tribunal Permanente de Arbitragem em Haia um processo a pedido de Manila para averiguar a sustentação jurídica das reivindicações chinesas referentes às ilhas Spratly (disputadas por vários países da região), cujo veredicto deve ser conhecido entre Maio e Junho.
O mar do Sul da China – que em Manila é conhecido como mar Filipino Ocidental – corresponde a cerca de 80% da zona económica exclusiva das Filipinas. São comuns as incursões da guarda costeira chinesa, que expulsa embarcações de pesca filipinas.
Arena de confronto
Nos últimos anos, pretensões territoriais contrárias entre a China e vários dos seus vizinhos têm sido encaradas como uma nova arena de confronto potencial entre Washington e Pequim. A China é acusada de construir ilhas artificiais e portos e de instalar mísseis em alguns dos territórios disputados para criar uma soberania de facto.
Ao mesmo tempo, o Presidente dos EUA, Barack Obama, assumiu desde o início do seu mandato o Pacífico como a grande prioridade da sua política externa. Washington tem um longo historial de alianças na região – embora também de guerras – e afirma-se como garante da segurança militar de vários países. Um deles é precisamente as Filipinas, antiga colónia norte-americana, cuja aliança remonta ao fim da II Guerra Mundial. Durante várias décadas, o país abrigou duas das maiores bases militares norte-americanas na Ásia.
Mas a história das relações entre os EUA e as Filipinas não é estranha a oscilações. No início dos anos 1990, Manila ordenou a retirada das bases militares norte-americanas do país. A assertividade chinesa reaproximou os dois aliados e no final de Abril foi assinado um acordo que permite aos EUA a utilização e construção de instalações em cinco bases militares filipinas durante dez anos.
China satisfeita
A estratégia de Washington para desafiar as reivindicações chinesas também tem sido baseada no consenso entre os dez membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla inglesa). A disponibilidade de Duterte para negociar directamente com Pequim – e até ceder às exigências territoriais caso sejam garantidas contrapartidas como a construção de infraestruturas no país – ameaçam derrubar a coesão regional.
“Uma ruptura das fileiras pelas Filipinas poderia afectar os esforços para contrariar a China. É necessário estar unidos nesta questão”, disse o professor do Centro de Estudos Asiáticos da Universidade da Malásia, Faisal Syam Hazis, citado pela AFP.
A China não escondeu a sua preferência pela eleição de Duterte, embora o verdadeiro repúdio fosse sempre dirigido pela imprensa estatal na direcção de Mar Roxas, o candidato escolhido por Aquino. Um editorial na edição anglófona do Global Times (uma publicação do oficial Diário do Povo) saudava a eleição do novo Presidente e preconizava que “se há alguma coisa que pode vir a ser mudada com Duterte, será a diplomacia”.
Os equilíbrios regionais não parecem ocupar as preocupações do Presidente eleito das Filipinas – e é o próprio que faz questão de o afirmar, questionado pela AFP: “Não se trata de reconfortar os outros países. Devo a partir de agora preocupar-me com o conforto dos filipinos antes do dos outros, no estrangeiro.”