Com impeachment, PT de Lula e Dilma volta ser um pequeno líder no tabuleiro político
O segundo Governo de Dilma tornou-se um peso para o Partido dos Trabalhadores, há 13 anos no poder. Um problema: o seu candidato mais forte para 2018 chama-se Lula da Silva.
Com a destituição de Dilma Rousseff, os 13 anos do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder também chegarão – amargamente – ao fim. O capítulo que se fecha agora começou há uma década e meia, quando Luiz Inácio Lula da Silva, cansado de perder eleições presidenciais, deu o tiro de partida para a expansão política do PT, forjando alianças mais ao centro, com sectores da sociedade e com partidos que não eram de esquerda.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Com a destituição de Dilma Rousseff, os 13 anos do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder também chegarão – amargamente – ao fim. O capítulo que se fecha agora começou há uma década e meia, quando Luiz Inácio Lula da Silva, cansado de perder eleições presidenciais, deu o tiro de partida para a expansão política do PT, forjando alianças mais ao centro, com sectores da sociedade e com partidos que não eram de esquerda.
“A esquerda no Brasil é talvez um quarto da população, entre 20 a 35%. Para governar, você precisa de 51% e precisa de ter maioria no parlamento”, nota Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação no segundo Governo de Dilma Rousseff, entre Abril e Setembro do ano passado, e professor de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo (USP). “O PT consegue essa expansão. Agora, no impeachment, perdeu toda essa expansão. Quem votou contra o impeachment foram partidos de esquerda e alguns partidos fiéis, mesmo conservadores.”
Mesmo para quem se opõe ao impeachment, Dilma foi vítima do isolamento que ela própria criou à sua volta. “A sua maior dificuldade é de relacionamento. É uma tecnocrata que foi indicada para a Presidência da República porque o Lula acreditava na sua capacidade de gestão. Quando se tem 30 e tantos ministros, fora os presidentes das duas câmaras do Congresso e os presidentes de cada comissão parlamentar, quando se tem de lidar com empresários e o sistema judicial, o Presidente da República tem de saber lidar com pelo menos 200 líderes importantes. Ela não foi capaz de fazer isso”, avalia Renato Janine. “Ela indispôs-se com muita gente porque confundiu autoridade com poder. Em vez do soft power, mais manso, aplicou o hard power, mais pesado. Há parlamentares que votaram contra ela por ódio, porque não eram recebidos nem respeitados pelo Governo. Política para ela é algo que é difícil porque necessariamente rompe com o modo de ser dela. Que não é conversar, negociar, agradar. É muito centralizador, autoritário. Não é uma pessoa que sorri com frequência. Chegou uma hora que isso criou o isolamento dela. Inclusive em relação ao próprio PT.”
Indicada por Lula como sua sucessora em 2010, a escolha de Dilma causou surpresa no PT. “Eles aceitaram-na muito mais por ser uma indicação de Lula do que por um eventual prestígio de que ela dispusesse no partido. E Lula a indicou, como qualquer líder carismático, para que ela fosse uma ‘criatura’ dele, actuando sempre sob o seu controlo”, observa o historiador Daniel Aarão Reis, um fundador do PT que se tornou um crítico do partido. O PT teria preferido o regresso de Lula em 2014 a uma recandidatura de Dilma, nota o historiador, mas o partido pareceu satisfeito com a guinada “à esquerda” da candidata, sobretudo na segunda volta da campanha eleitoral. No entanto, uma vez reeleita, a prática do seu Governo afastou-se do discurso de campanha, o que, a par da profundidade da crise económica, desencadeou “críticas, cada vez mais abertas” de membros do PT, “descontentes com os rumos que tomava a política económica e com as maneiras, sempre arrogantes, adoptadas por Dilma”, diz Daniel Aarão Reis.
“O PT estava numa rota de colisão com Dilma neste segundo governo”, resume Jean Tible, professor de ciência política na USP. “Ela estava desconstruindo a narrativa básica do PT, de que queria melhorar a vida do povo brasileiro – sobretudo os trabalhadores e os pobres.”
Mas quando a ameaça do impeachment se tornou iminente, o partido reagrupou-se em torno de Dilma, em nome da salvação do projecto de poder do PT. Nas últimas semanas, desde que o processo foi aprovado na Câmara dos Deputados, Dilma adoptou uma série de políticas progressistas aguardadas por boa parte do seu eleitorado, que estava descontente com o facto de a Presidente não aplicar o programa prometido na campanha. Entre as principais medidas estão o aumento do valor do Bolsa Família, a demarcação de terras indígenas (protecção de territórios atribuídos a índios), ampliação da licença de paternidade e o direito de funcionários públicos transsexuais escolherem o nome pelo qual preferem ser identificados no local de trabalho.
Essas políticas só parecem ter sido possíveis a partir do momento em que os partidos conservadores e de direita que integravam a base de apoio parlamentar do Governo abandonaram Dilma para votar a favor do impeachment. E, se é tarde para manter o Governo, pelo menos é uma forma de reconectar com uma parcela do eleitorado que se tinha desiludido com Dilma – e que poderá ser crucial na mobilização social pós-impeachment. Com o afastamento de Dilma e a narrativa de que se trata de um acto ilegítimo e de um golpe, “o PT pode sair dessa armadilha que era ter um Governo executando medidas anti-populares”, nota Jean Tible.
“Sem o ónus do Governo, o PT pode competir em 2018 com uma dignidade maior. Acho difícil o PT ganhar em 2018 olhando a partir de agora. Mas, pelo menos, pode recuperar parte da sua força”, diz Renato Janine.
Sondagens recentes mostram que o PT teria um candidato forte para 2018. O seu nome? Lula da Silva. “Ninguém sabe, nem o próprio Lula, se ele vai ser candidato ou não. Primeiro, por causa da situação do país. Segundo, resta saber se ele vai estar em liberdade”, diz Jean Tible. Há uma semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal que abra um inquérito penal contra Lula, argumentando que uma rede de corrupção tão ampla como a que existiu na empresa estatal Petrobras não poderia ter funcionado tanto tempo sem que Lula, então Presidente, participasse dela. “Só que essa é uma leitura política, não uma prova jurídica”, nota Jean Tible.
“O PT voltou à sua posição de líder pequeno no tabuleiro”, diz Renato Janine. “Mesmo que passe dois anos na oposição, deve dar-se por feliz se chegar à segunda volta” das eleições em 2018.