Cavaquinho: quatro cordas à conquista do mundo
O cavaquinho é isso mesmo: um instrumento de proximidade e partilha em que vale a pena acreditar.
O pequeno tetracórdio que dá prelo nome de cavaquinho andou nas andanças marítimas dos Portugueses e assim chegou ao Havai e à Indonésia, ganhando novos nomes e outras sonoridades. No Havai passou a chamar-se “ukulele”, que significa qualquer coisa como “pulga saltitante”, por ter um ritmo intenso e envolvente. A verdade é que onde chega fica e aí cria raízes que passam de gerações para gerações, poucos sabendo que origem deste instrumento popular está o “braguinha” que veio do norte de Portugal chegando depois à Madeira, a Cabo Verde e ao Brasil, onde deixou descendência sólida que o tempo e a vida se encarregaram de fortalecer.
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O pequeno tetracórdio que dá prelo nome de cavaquinho andou nas andanças marítimas dos Portugueses e assim chegou ao Havai e à Indonésia, ganhando novos nomes e outras sonoridades. No Havai passou a chamar-se “ukulele”, que significa qualquer coisa como “pulga saltitante”, por ter um ritmo intenso e envolvente. A verdade é que onde chega fica e aí cria raízes que passam de gerações para gerações, poucos sabendo que origem deste instrumento popular está o “braguinha” que veio do norte de Portugal chegando depois à Madeira, a Cabo Verde e ao Brasil, onde deixou descendência sólida que o tempo e a vida se encarregaram de fortalecer.
Quando Júlio Pereira gravou em 1981 o LP Cavaquinho obteve um merecido êxito comercial e junto da crítica e desencadeou um profícuo debate que levou muita gente a interessar-se pelo cavaquinho e a integrá-lo no esforço de redescoberta e reinvenção da música popular portuguesa. Em 2012, Júlio Pereira gravou Cavaquinho.PT, com textos do historiador João Luís Oliva e da musicóloga egípcia Salwa-Castelo Branco e, apesar de se estar em contexto de crise, vendeu cerca de quatro mil exemplares.
Entretanto, o músico e compositor canalizou energias para a criação da Associação Museu Cavaquinho, que tem sido a estrutura de apoio a tudo o que envolve o tetracórdio nascido no norte de Portugal e da itinerância das exposição que já esteve em 10 cidades portuguesas e que irá estar patente noutras, por ser a melhor maneira de públicos de diversas idades terem contacto visual com o instrumento e com a sua singular sonoridade. Para Júlio Pereira, a prioridade central é garantir a sustentabilidade da muito pequena equipa que mantém a associação-museu em funcionamento. É esta ideia quer tem transmitido a todas as entidades com quem tem conversado sobre o assunto, com destaque para o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que lhe manifestou o seu grande apreço pelo projecto e pelo modo como ele promove Portugal, a sua música e a sua cultura popular.
Em Portugal, o interesse pelo instrumento expande-se, havendo quase 2500 pessoas que o tocam e em vários casos constroem, desde o Minho ao Alentejo, passando pela Madeira, onde desde o último ano lectivo começou a ser ensinado o método de execução do cavaquinho. Os construtores são, na maior parte dos casos, violeiros que passaram a interessar-se por este pequeno instrumento e pelo mercado crescente que lhe está associado. Júlio Pereira é o primeiro a afirmar que cada vez há mais pessoas a tocarem bem o cavaquinho e a interessarem-se por ele no quadro de uma cultura que fortalece a nossa riqueza patrimonial. É precisamente essa perspectiva que dá asas largas ao tetracórdio para voar mais alto e chegar mais longe, tirando partido do interesse que desenvolveu em várias partes do mundo. Agora é urgente fazer chegar esse interesse às crianças e aos jovens, seja com gravações seja com narrativas sobre a vida e andanças do cavaquinho pelo mundo. A componente pedagógica é fundamental para que quem gosta do instrumento possa usá-lo com competência e conhecimento efectivo.
“Que razões para um ancestral, pequeno e singelo-quase rudimentar-instrumento tradicional de quatro cordas ser hoje, a uma escala global, personagem relevante de expressões artísticas contemporâneas?” – pergunta João Luís Oliva num excelente texto incluído no CD-livro Cavaquinho.PT, de Júlio Pereira”. E responde: “É que, de facto, num mundo de músicas e de músicas do mundo, a força que têm o Brasil ou o atlantismo cabo-verdiano é inseparável da presença acústica do cavaquinho brasileiro ou de Cabo Verde; e o americano “ukulele” do Havai, neto migrante do tetracórdio português (…) é actual protagonista de um poderoso movimento musical no mundo”. Assim, ficam franqueadas as portas para outros voos e descobertas em que Júlio Pereira, líder da pequena grande banda que se move em torno do instrumento, acredita, sabendo que esta convicção envolve o mercado, vários tipos de público e a capacidade que o Portugal do fado e do cante alentejano consagrados pela UNESCO tem de se afirmar e fazer respeitar no mundo.
É surpreendente a observação no mapa das cidades e regiões do país onde o cavaquinho se implanta e expande, ganhando sempre novos intérpretes, porque nos revela que não há limites nem fronteiras para a curiosidade e para a paixão da descoberta. Portugal tem meios e deve ter vontade de sobra para saber apoiar esta criatividade que nos mostra a criatividade do que criamos quando queremos fazer mais e melhor, dando a ver o que somos e do que gostamos. O cavaquinho tem crescido e viajado, partilhando a bagagem e o sonho com os Portugueses que se fizeram e fazem ao mar, à distância e ao mundo e convertendo a sua sedutora exiguidade num factor que fortalece os afectos e quem os assume como um via de diálogo e de estimulante proximidade. O cavaquinho é isso mesmo: um instrumento de proximidade e partilha em que vale a pena acreditar. Quem acredita no que vale a pena nunca fecha portas e vai sempre abrindo o coração. Júlio Pereira é um estimulante exemplo dessa crença profunda e só precisa que ela lhe dê agora tempo e espaço para continuar a cumprir a sua obra como grande instrumentista e compositor, procurando os apoios que merece para que o seu cavaquinho nunca desista de voar. E de tocar.
Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores