ArcoLisboa, uma feira de arte atenta ao que está perto, mas que também olha para fora
De 26 a 29 de Maio, a Cordoaria Nacional recebe a primeira ArcoLisboa, uma “feira-boutique” que beneficia do que se faz em Madrid há 35 anos. O tamanho é bem diferente, mas a maneira de trabalhar não.
Uma “feira-boutique” que quer levar a arte contemporânea a “transcender os seus redutos habituais”, vencendo, neste caso, os limites impostos pelas paredes da Cordoaria Nacional, onde decorre de 26 a 29 de Maio (abre a 25, mas só para profissionais). Assim apresentou Carlos Urroz a ArcoLisboa esta segunda-feira, numa conferência de imprensa em que o director desta primeira edição da feira teve a seu lado a galerista Cristina Guerra e a presidente da EGEAC, a empresa que se ocupa dos equipamentos culturais da capital, um dos parceiros.
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Uma “feira-boutique” que quer levar a arte contemporânea a “transcender os seus redutos habituais”, vencendo, neste caso, os limites impostos pelas paredes da Cordoaria Nacional, onde decorre de 26 a 29 de Maio (abre a 25, mas só para profissionais). Assim apresentou Carlos Urroz a ArcoLisboa esta segunda-feira, numa conferência de imprensa em que o director desta primeira edição da feira teve a seu lado a galerista Cristina Guerra e a presidente da EGEAC, a empresa que se ocupa dos equipamentos culturais da capital, um dos parceiros.
“Feira-boutique” por causa da sua dimensão – são 45 galerias de oito países, bem menos do que as mais de 200 da iniciativa-mãe em Madrid – e localização, o edifício histórico da antiga fábrica da Marinha que equipava os navios portugueses. A organizadora é a IFEMA, a mesma de Madrid, mas o formato é “completamente diferente”. E o que muda não é só o tamanho.
Sem escolher um país-tema – a ArcoMadrid 2016 também não o teve, excepcionalmente, por estar a festejar o 35.º aniversário e se ter voltado para a sua própria história –, a ArcoLisboa vai centrar-se nos artistas. Cada uma das galerias participantes é convidada a destacar um nome do seu portfólio, embora possa expor muitos outros. Entre as portuguesas (são 18), o visitante vai poder encontrar João Maria Gusmão+Pedro Piava (Graça Brandão), Nadia Kaabi-Linke (Cristina Guerra Contemporary Art), Pedro Cabrita Reis (João Esteves de Oliveira), Ignasi Aballí (Pedro Oliveira), Francisco Tropa (Quadrado Azul), Dan Graham (Filomena Soares) ou Gonçalo Barreiros (Vera Cortês Art Agency). Entre as estrangeiras, as propostas passam por Carlos Bunga (Christopher Grimes Gallery, Santa Monica), Nicolas Robbio (Vermelho, São Paulo), Manuela Marques (Anne Barrault, Paris), Jorge Riveros (Leon Tovar, Nova Iorque) e John Castles (Nueveochenta, Bogotá). “De futuro, a dinâmica pode mudar, mas por agora esta organização de pegar num artista por galeria parece-nos homogénea, interessante”, diz Carlos Urroz, que há já seis anos também dirige a ArcoMadrid, e que dela traz muita experiência acumulada.
A ideia, explicou ainda, é que as galerias possam mostrar a arte que se fez ontem, mas também a dos “clássicos”, desde o começo do século XX. Um exemplo? A Leandro Navarro, de Madrid, vai destacar Joaquín Torres García, artista que morreu em 1949.
A arte é para se ver
Lê-se no dossier de imprensa que a ArcoLisboa trará à cidade mais de cem convidados de 27 países, entre coleccionadores, directores de museus e fundações, comissários e outros profissionais do mundo da arte. Esta “embaixada” internacional é prática comum na feira de Madrid e um instrumento fundamental na internacionalização de artistas, galeristas e curadores portugueses, explica Urroz: “Vamos estar muito atentos às dinâmicas locais e ao mercado mais próximo, mas queremos também olhar para fora.”
Yolanda Romero (Banco de España), Andrea Bellini (Centro de Arte Contemporânea de Genebra), João Fernandes (Museu Rainha Sofia), Adriano Pedrosa (Museu de Arte de São Paulo – MASP) e coleccionadores como Frédéric de Goldschmidt (Bélgica), Julia Mullié (Holanda) ou Carlos Rasón (Espanha) representam algumas das entidades estrangeiras presentes e vão andar pela feira, cruzando-se com vários agentes do sector numa edição que dedica boa parte do seu tempo a conferências e conversas mais informais.
O programa Fórum inclui vários encontros em que se vai reflectir sobre a criação nacional e o mercado da arte, juntando profissionais portugueses e internacionais em sessões abertas ao público. Este Fórum tem um segmento dedicado ao coleccionismo – estarão lá Goldschmidt ou os portugueses Miguel Leal Rios e Armando Cabral – e outro às instituições, em que participarão Penelope Curtis (Museu Gulbenkian), Pedro Lapa (Museu Colecção Berardo), Suzanne Cotter (Museu de Serralves), o curador francês Vincent Honoré ou o artista português André Romão.
Associado à ArcoLisboa, feira que conta com um orçamento de um milhão de euros, estará também uma diversificada oferta de exposições. Para além das que já estavam patentes no Museu do Chiado ou na Gulbenkian, há ainda Eduardo Batarda visto por Julião Sarmento (Pavilhão Branco do Museu da Cidade) e a hipótese de espreitar o ferry Trafaria Praia, de Joana Vasconcelos.
“Hoje em dia, uma feira de arte é muito mais do que um molho de galeristas reunidos no mesmo sítio a venderem as suas coisas. Já não se fazem feiras como as que se faziam na FIL, completamente obsoletas”, diz ao PÚBLICO Cristina Guerra, uma das mais experientes galeristas portuguesas. “Tudo o que acontece à volta dela, os eventos paralelos em que se discute a arte, o mercado e o que todos podemos fazer por ele são fundamentais. E ajudam os portugueses, que ainda não perceberam bem, a definir o que é isto de uma feira de arte.”
Minutos antes, a galerista, que também faz parte do comité de selecção da feira, falara da ArcoLisboa como uma oportunidade “para trazer para Portugal a divulgação da arte portuguesa”. Seria de esperar que tal não fosse preciso, mas quando não há, explicou, um museu de arte contemporânea que mostre em permanência o que os artistas portugueses fazem, uma feira pode superar-se como agente de difusão. “Nós não temos um museu de arte contemporânea a funcionar como deve ser – a arte contemporânea que se faz hoje cá está confinada às galerias, e a que se fez passa por exposições pontuais. Se eu quiser dizer a um estrangeiro que visita Lisboa onde é que pode ir ver arte portuguesa do século XX, tenho de consultar o programa da Gulbenkian para ver o que é que lá está hoje...” É uma “falha gravíssima”, sublinha. “Estamos atrasados, continuamos atrasados. As colecções têm de estar à vista.” Nem um histórico como Amadeo de Souza-Cardoso escapa a este diagnóstico de invisibilidade: “Quando o Amadeo vier de Paris [a obra do pintor está exposta no Grand Palais até 18 de Julho], vai para a Gulbenkian e depois? Onde é que fica? Quando é que o vemos outra vez?”
Urroz acredita que um museu para a arte contemporânea portuguesa – nem o director da feira nem Cristina Guerra parecem dispostos a olhar para o Museu do Chiado nem para o de Serralves como tal – pode contribuir para uma dinamização, mas defende que, para haver mudanças, é preciso “uma atitude global”, que passa por apoios continuados aos artistas e aos galeristas.
Cristina Guerra gostaria que esta feira ajudasse o sector a ganhar dinamismo, a tornar-se “mais consequente”, e a Península Ibérica a comportar-se como um bloco capaz de funcionar no mercado de arte global, de se afirmar estrategicamente, promovendo as alianças que consegue estabelecer com a América que fala castelhano e com a África que fala português. E isto sem esquecer o Brasil. Algo que até aqui não tem acontecido.
“Normalmente, as feiras de arte em Portugal começam e acabam logo. E são más. Sem esforço e sem vontade nada se faz. É preciso profissionalismo. [Agora] temos de ter consciência de que não podemos voltar a falhar”, diz Cristina Guerra.
Já a pensar em 2017
O director garante que esta não será a primeira e última edição da feira. Sem adiantar pormenores, diz que já há planos para a edição 2017, ano em que, sublinhou a presidente da EGEAC, Joana Gomes Cardoso, Lisboa será a Capital Ibero-Americana da Cultura.
Para Urroz, o maior risco que a feira corre este ano é o da apatia: “Se as pessoas continuam desinteressadas de tudo, a arte não será excepção. Mas acreditamos que, com a economia um pouco melhor, conseguiremos cativar coleccionadores e empresas, e até levar a que algum visitante faça a sua primeira compra na Cordoaria.”
Em edições futuras, não afasta a possibilidade de haver uma presença significativa da África de expressão portuguesa, e o facto de o tecido de galerias ser ainda “incipiente” nesses países não impede que se trabalhe. “Quando a ArcoMadrid começou a trabalhar com a América Latina, as coisas estavam muito longe de ser o que são hoje. É preciso começar por algum lado.”
Durante a ArcoMadrid deste ano, Juana de Aizpuru, sua fundadora e membro do comité organizador da de Lisboa, manifestava ao PÚBLICO a sua apreensão em relação ao tamanho da feira: “Uma feira de 40 galerias não pode ser nunca uma feira de peso”, dizia.
Urroz lembra apenas que a edição de 2016 é o primeiro ensaio e que no futuro poderão explorar-se outros caminhos: “Teremos de fazer uma avaliação no final desta edição e depois ir corrigindo o que eventualmente não correu tão bem noutras edições, testando estratégias novas. Foi assim em Madrid. É assim há 35 anos.”