Ensino "gratuito de luxo" em colégio de jesuítas
Na periferia de Coimbra, o Colégio da Imaculada Conceição tem 733 alunos financiados pelo Estado em contrato de associação. Tem estado na frente da contestação às mudanças deste regime.
Hugo Ferreira anda no 12.º ano e desde o 5.º que frequenta o Colégio Apostólico da Imaculada Conceição (CAIC), em Cernache, na periferia de Coimbra. Diz que o colégio "tem um projecto educativo diferente das outras escolas", que se traduz num "ensino gratuito que é de luxo". Está especialmente preocupado com a questão dos contratos de associação, porque, assegura, caso o CAIC deixe de receber a verba do Estado, os colegas não têm possibilidade de pagar propinas para o frequentar.
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Hugo Ferreira anda no 12.º ano e desde o 5.º que frequenta o Colégio Apostólico da Imaculada Conceição (CAIC), em Cernache, na periferia de Coimbra. Diz que o colégio "tem um projecto educativo diferente das outras escolas", que se traduz num "ensino gratuito que é de luxo". Está especialmente preocupado com a questão dos contratos de associação, porque, assegura, caso o CAIC deixe de receber a verba do Estado, os colegas não têm possibilidade de pagar propinas para o frequentar.
"Uma ideia que se tem passado é que são colégios para meninos ricos", diz, uma noção que encontra contraditório nos números avançados pelo responsável da instituição. O director, António José Franco, refere que, dos 733 alunos do CAIC abrangidos pelos contratos de associação, 196 beneficiam de acção social escolar, o que significa que mais de um quarto dos alunos recebe esse apoio. Logo, "a questão de ser um colégio de meninos ricos não se encaixa", diz o director que, enquanto mostra as instalações ao PÚBLICO, vai cumprimentando os estudantes pelo nome. "A grande maioria dos alunos não suportaria pagar propinas", garante.
Deolinda Rasteiro, da associação de pais do colégio, confirma e acrescenta: "[Nas reuniões] é clara a preocupação de alguns pais que vêm falar connosco e dizem que nunca poderiam pagar o que quer que fosse." Mãe de uma estudante do sétimo ano explica que o projecto educativo do CAIC vai "muito além das matérias dadas" e salienta a componente dos valores e a forma como a comunidade escolar participa na educação dos filhos.
A ser concretizada a ameaça do Ministério da Educação — de impedir a abertura de turmas de início de ciclo nos colégios com contratos de associação nos casos em que existam alternativas para receber esses alunos nas escolas públicas —, terá um profundo impacto no colégio de Cernache a curto prazo. A opinião é unânime entre direcção, pais, professores e alunos.
Rombo de 20%
Fazendo as contas às turmas em início de ciclo (ou seja, 5.º, 7.º e 10.º ano), António José Franco estima que, só no próximo ano lectivo, seriam financiadas menos cinco turmas, o que significa "um rombo" de cerca de 20%. No ano seguinte "a estas cinco vão-se juntar outras cinco", prevê, frisando que tal situação "inviabiliza a grande maioria das escolas a curto prazo". O director do estabelecimento, com contrato de associação desde 1978, acredita que haja alguns pais dispostos a pagar, mas considera que este "seria um número reduzido".
Um estudo de 2011 encomendado pela ex-ministra Isabel Alçada concluiu que este estabelecimento, principalmente no ensino secundário, faz concorrência a escolas públicas da zona. O levantamento refere que a maioria da população escolar do CAIC vem dos concelhos de Coimbra e Condeixa, que têm escolas secundárias a 12 e 6 quilómetros, respectivamente, ambas com taxas de ocupação inferiores a 60%. Essa percentagem diz respeito a salas vagas e não a professores, assinala António José Franco, referindo que os impostos terão sempre de suportar a contratação dos 40% em falta. Não parece "lógico que, para preencher uma escola que esteja vazia, se vá administrativamente tirar alunos de uma escola que está cheia", diz.
No total, a instituição tem 855 alunos distribuídos por 32 turmas. Dessas, 26 são em contrato de associação, o que significa que o número de estudantes abrangido por esse regime é de 733, tendo-se fixado em 80,5 mil euros o financiamento do Estado para cada uma destas turmas, neste ano lectivo. As restantes seis turmas são dos ensinos profissional e vocacional.
O colégio da Companhia de Jesus também se arrisca a perder alunos devido às novas regras de matrícula aprovadas pelo Ministério da Educação que restringem a frequência destes estabelecimentos aos estudantes que residam na mesma área geográfica. Para António José Franco, as pessoas não devem estar condicionadas a estudar na escola da área de residência onde vivem. "Se são de um sítio privilegiado, andarão sempre numa escola privilegiada, se são de um sítio com mais dificuldades económicas, haverá sempre alunos com mais dificuldades económicas", argumenta.
Com uma mata e um lago, tendo na origem uma quinta romântica do século XIX, o espaço da CAIC não se enquadra no que se espera encontrar numa escola pública convencional. Nas paredes dos corredores estão troféus de desporto escolar, o cadeado de esferovite com que o colégio foi fechado simbolicamente no tempo do anterior executivo (o CAIC costuma integrar a frente de protesto contra as mudanças nos contratos de associação), fotografias das turmas que por lá passaram e a placa que assinala o registo no Guiness do "maior encontro de cavaquinhos", que conseguiu reunir 501 músicos em Junho do ano passado.
Cláudia Bacalhau é coordenadora do ensino especial no CAIC e é lá que lecciona desde 2007. "De repente, todos nós ficamos sem saber para onde ir", desabafa a docente de Miranda do Corvo. Com residência a mais de 20 quilómetros de Cernache, a professora explica que uma das principais preocupações é o filho, que está a um ano de entrar no 1.º ciclo e que contava matricular no colégio. Mas essa não é a única preocupação: "São muitas pessoas envolvidas, há casas com três trabalhadores aqui, há casais de professores."