Esquerda concorda em facilitar acesso dos cidadãos à iniciativa legislativa, mas sem banalizar
Propostas para reduzir assinaturas necessárias para as iniciativas legislativas de cidadãos são discutidas esta sexta-feira, mas baixam à comissão para acertos.
Há pelo menos um ponto em que os partidos concordam: é preciso facilitar o acesso dos cidadãos à iniciativa legislativa, flexibilizando as regras. Mas é também necessário “não banalizar”. Por isso, as sete propostas que estão no Parlamento para mudar algumas regras burocráticas e reduzir o número de assinaturas necessárias para entregar iniciativas legislativas de cidadão e iniciativas populares de referendo são discutidas esta sexta-feira, em plenário, mas baixam à comissão sem votação, no mínimo por 30 dias, para se fazerem acertos, confirmaram ao PÚBLICO os partidos de esquerda.
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Há pelo menos um ponto em que os partidos concordam: é preciso facilitar o acesso dos cidadãos à iniciativa legislativa, flexibilizando as regras. Mas é também necessário “não banalizar”. Por isso, as sete propostas que estão no Parlamento para mudar algumas regras burocráticas e reduzir o número de assinaturas necessárias para entregar iniciativas legislativas de cidadão e iniciativas populares de referendo são discutidas esta sexta-feira, em plenário, mas baixam à comissão sem votação, no mínimo por 30 dias, para se fazerem acertos, confirmaram ao PÚBLICO os partidos de esquerda.
Os sete projectos de lei e um de deliberação apresentados por todos os partidos e que são discutidos esta sexta-feira foram suscitados por uma petição que pede precisamente a simplificação dos requisitos legais para a apresentação destes dois tipos de iniciativas. Ivo Manuel Barroso, um dos peticionários a par do ex-deputado centrista José Ribeiro e Castro e do cineasta António-Pedro Vasconcelos, congratula-se com as iniciativas dos partidos porque respondem à generalidade dos pedidos da petição. Mas lamenta que o enfoque tenha sido sobre a iniciativa legislativa de cidadãos e que a iniciativa popular de referendo seja menosprezada. Para esta última, apenas o PSD apresentou uma proposta.
A questão que divide a direita e a esquerda é precisamente o número mínimo de assinaturas que deve ter uma iniciativa legislativa de cidadãos (ILC) para que possa ser aceite na Assembleia da República. Actualmente a lei impõe 35 mil. O PSD propõe uma redução para 28 mil, o CDS pede 25 mil, o PS coloca a fasquia nos 20 mil. Já PEV, PCP e Bloco insistem nos números que apresentaram em ocasiões anteriores e que foram chumbados: propõem, respectivamente, 5500, 5000 e 4000. Os sociais-democratas propõem também que, para se apresentar uma iniciativa popular de referendo, bastem 60 mil proponentes – uma redução de 20% dos actuais 75 mil.
Bloco, PCP e PEV dizem que as exigências actuais de assinaturas são “absurdas” e “desproporcionadas” e que acabam por “obstaculizar, desincentivar e minimizar o exercício efectivo” do direito de intervir dos cidadãos e do princípio da democracia participativa. Por comparação, é mais fácil fundar um partido ou alguém candidatar-se à Presidência da República, actos para os quais bastam 7500 subscritores. Já o PS, ao querer que se baixe de 35 mil para 20 mil, diz que “a redução é significativa, mas mantém uma diferença e um patamar mais exigente” do que, por exemplo, o direito de petição, afirma Pedro Delgado Alves. Tanto PSD e CDS, mais conservadores, admitindo que a fasquia das assinaturas tem sido um “constrangimento”, defendem que este direito não deve, no entanto, ser “banalizado” nem “desvirtuado” por facilidades excessivas.
Entrega electrónica a prazo
A maior parte dos partidos tomou bem nota das propostas dos peticionários e há outras ideias de alteração para desburocratizar o regime das ILC. A proposta para que se acabe com a exigência de as assinaturas serem acompanhadas pelo número de eleitor é feita por CDS, PS e Bloco, passando a indicar-se a idade ou a data de nascimento de cada subscritor (como forma de aferir se são ou não eleitores). Os mesmos três partidos e o PEV querem que seja possível entregar a documentação não só em papel (como agora), mas também em suporte electrónico e que possa também aceitar-se a assinatura electrónica – possível através do cartão de cidadão. Tanto o PCP como o PSD propõe alterações ao regime das ILC apenas na questão das assinaturas mínimas necessárias.
O projecto de deliberação do CDS-PP propõe a criação de um grupo de trabalho para estudar a implementação de um mecanismo de entrega electrónica das ILC, procurando saber como agem os parlamentos dos outros países. Porque ao propor-se que a entrega possa ser feita electronicamente é preciso garantir a segurança e fiabilidade do sistema informático. Por exemplo, no caso das iniciativas europeias, estas são inscritas num site próprio criado pelo Parlamento Europeu, e o sistema informático faz o controlo automático por estar ligado às bases de dados dos Estados-membros, permitindo validar a identidade dos subscritores.
O projecto de lei do PS propõe que a submissão da ILC seja feita através de uma plataforma electrónica disponibilizada pela Assembleia da República que garanta a validação dos dados dos subscritores – nome completo, data de nascimento e número do bilhete de identidade ou cartão de cidadão -, mas como não há data para a criação e funcionamento dessa plataforma, o promotor da petição, Ivo Barroso, avisa que isso poderá demorar muito tempo e obrigar a que as iniciativas tenham que continuar a ser entregues em papel. Ao PÚBLICO, o socialista Pedro Delgado Alves argumenta com a falta de orçamento do Parlamento para colocar já a funcionar tal plataforma, pelo que deverá ser preciso esperar até 2017 para que isso esteja em vigor. Em princípio, a Comissão Nacional de Protecção de Dados terá que se pronunciar sobre o assunto.
Quando os cidadãos (tentaram ou) ajudaram a legislar
Os casos de iniciativas legislativas de cidadãos que foram admitidas e discutidas na Assembleia da República.
Abate de Animais
Em Maio de 2015 entrou no Parlamento uma iniciativa legislativa de cidadãos, subscrita por 43.009 eleitores, que proíbe o abate de animais pelas autarquias, cria uma política de controlo de animais errantes e estabelece condições para a criação e venda de animais de companhia. Os autores fizeram um requerimento para que não caducasse com o fim da legislatura e passou pelo plenário sem votação, em Novembro, e desceu à comissão de Ambiente onde ainda está em discussão conjunta com um projecto de lei do PCP para a criação de uma rede de centros de recolha oficial de animais.
Direito a nascer
Em 2015, em cinco meses, a plataforma Pelo Direito a Nascer conseguiu que o Parlamento aprovasse um conjunto de alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez que obrigavam a grávida a diversas consultas de acompanhamento com psicólogo e assistente social e de planeamento familiar, que acabaram com subsídios, licenças e isenções de taxas moderadoras e exigiam uma série de burocracias no processo de aborto. A esquerda acabou por revogar, ainda no final de 2015, estas regras, que tinham sido propostas por 48.115 eleitores.
Protecção da água
A iniciativa entregue em 2013 e subscrita por 43.603 pessoas, estabelecia o direito fundamental à água e ao saneamento, assim como os direitos comuns à água e à sua propriedade pública, hierarquizava as utilizações daquele recurso e impedia a privatização dos sistemas de abastecimento. Demorou um ano e oito meses até ser chumbada no plenário pela direita.
Contra a precariedade
Sofreu um processo legislativo trabalhoso o desta proposta feita por 35.008 eleitores – de que a então presidente do Parlamento pediu a verificação das assinaturas – entre propostas na comissão e votações sucessivas do texto de substituição. Mas parte da sua essência acabou por chegar a lei – a proposta previa mecanismos de combate ao falso trabalho independente, com mais fiscalização, e limites temporais para os contratos a termo. Foi acompanhada por diversos projectos de lei do PCP e Bloco e um projecto de resolução do PSD.
Competências dos arquitectos
Foi um recorde: demorou três anos e dez meses para o processo chegar ao fim, mas com sucesso. Em Novembro de 2005, 36.783 cidadãos subscreveram um projecto de lei que pretendia que fossem reservadas aos arquitectos as competências para subscrever projectos de arquitectura já que ainda vigorava um decreto-lei de 1973 que permitia que também engenheiros civis, agentes técnicos de engenharia e minas, construtores civis e outros profissionais sem qualificações específicas o fizessem. Com a sua aprovação, criou-se um regime jurídico que estabelece a qualificação profissional exigível para cada uma das fases da obra, desde a elaboração do projecto à fiscalização e direcção.