Congresso do partido único da Coreia do Norte entre os aplausos e as reformas
Há 36 anos que o congresso do partido do regime não reunia. Kim deve cimentar a sua posição, mas pode abrir caminho a tímidas reformas económicas.
O Partido dos Trabalhadores da Coreia inicia esta sexta-feira o sétimo congresso da sua história. Um acontecimento destes seria pouco mais do que rotina num outro país socialista, mas, como em quase tudo naquele que é um dos países mais fechados do planeta, reveste-se de um interesse acrescido.
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O Partido dos Trabalhadores da Coreia inicia esta sexta-feira o sétimo congresso da sua história. Um acontecimento destes seria pouco mais do que rotina num outro país socialista, mas, como em quase tudo naquele que é um dos países mais fechados do planeta, reveste-se de um interesse acrescido.
Nos últimos dias, foram chegando a Pyongyang os milhares de delegados de todo o país para o congresso. Nas ruas da capital, Pyongyang, viam-se grandes grupos de pessoas que ensaiavam coreografias demonstrativas de apoio e lealdade ao partido e ao seu líder supremo, descreve o correspondente da agência Reuters. No edifício da Casa da Cultura 25 de Abril — data evocativa da fundação do Exército — foram penduradas bandeiras do partido e cartazes com as caras de Kim Il-sung e Kim Jong-il, avô e pai do actual líder da Coreia do Norte.
Nenhum observador ou analista se atreve a ser taxativo quanto ao que se pode esperar do congresso — o primeiro a ser realizado em 36 anos e para o qual foram convidados 130 jornalistas estrangeiros, mas nenhuma delegação de outros governos. Há quem refira que esta pode ser uma oportunidade para o líder, Kim Jong-un, cinco anos depois de herdar o poder, anunciar o lançamento de reformas económicas de grande escala. Mas demasiadas esperanças têm uma alta probabilidade de sair goradas e o congresso pode acabar por não ser mais do que uma grande sessão de aplausos e vivas ao terceiro dirigente da dinastia Kim.
Vivas e aplausos ao neto do fundador da República Democrática da Coreia não vão decerto faltar — esta é uma previsão com um risco muito reduzido de falhar. Nos últimos dias, o jornal oficial do partido único, o Rodong Sinmun (jornal dos trabalhadores), já consagrou o jovem Kim como o “Grande sol do século XXI”. Nas semanas que antecederam o congresso foi declarada uma "campanha de 70 dias de lealdade", em que se multiplicaram as já de si comuns manifestações de apoio a Kim. Por todo o país, as representações partidárias regionais elegeram os delegados que vão participar na reunião do partido que deverá durar quatro dias e, segundo o New York Times, foram aprovadas moções que confirmam Kim como líder do partido.
"Tudo indica que que o primeiro congresso desde 1980 será essencialmente uma coroação de Kim Jong-un. É algo análogo ao congresso de 1980, que marcou a ascensão formal de Kim Jong-il", disse o professor da Universidade Griffith da Austrália, Andrew O'Neill, citado pelo Japan Times.
A Coreia do Norte parte para o sétimo congresso confiante na sua ambição declarada de ser uma potência nuclear. A 6 de Janeiro, o país realizou o seu quarto ensaio nuclear, seguido em Fevereiro pelo lançamento de um foguetão e de testes de mísseis de curto e médio alcance. A Coreia do Sul receia que Pyongyang aproveite a reunião magna do partido para avançar para um novo teste.
As iniciativas militares da Coreia do Norte prometem estar na agenda do congresso. “O facto de terem conseguido lançar um míssil e terem posto alguma coisa no espaço, são grandes sucessos para Kim Jong-un”, disse ao Los Angeles Times o editor do site North Korea Leadership Watch, Michael Madden. Em 2012, uma revisão constitucional proclamou a Coreia do Norte como um “estado nuclear” que, desde então, realizou dois ensaios bem-sucedidos, ambos com o actual líder.
Do songun ao byungjin
Segundo o Governo de Pyongyang, o desenvolvimento de armamento nuclear serve para desencorajar potenciais invasões do país por parte da Coreia do Sul e do seu principal aliado e garante da segurança, os Estados Unidos. Mais do que isso, o nuclear integra a política de Estado da Coreia do Norte. Um ano depois de ascender a líder, Kim Jong-un adoptou a política conhecida como byungjin — que proclama a defesa nuclear e o desenvolvimento económico como os pilares da governação. Durante o consulado do pai, o país viveu sob o signo do songun, que enfatizava o papel do Exército.
Uma visão optimista do desenrolar do congresso prevê que, após os louvores ao sucesso nuclear, as conclusões dêem alguma pista de que o país possa seguir o caminho das reformas económicas. “Aquilo que é importante não é saber se a força de dissuasão nuclear norte-coreana é uma realidade, ou mesmo se Kim acredita nela, mas sim saber se ele irá fazer desse postulado o fundamento filosófico de uma mudança de política”, disse à AFP o analista do Centro para a Segurança e Cooperação Internacional da Califórnia, Robert Carlin.
Uma conclusão nesse sentido seria apresentada “numa linguagem muito opaca”, avisa Madden, mas esse seria o traço “crucial” do congresso. “Maio de 2016 poderia ser uma boa ocasião para Kim Jong-un liderar o seu país no sentido de uma reforma gradual e real, uma transição que mudaria a Coreia do Norte da mesma forma como aconteceu com a China ou o Vietname”, escrevia o analista Ruediger Frank em Novembro, no site 38 North.
A opção pela via das reformas económicas podia também ajudar a conter a degradação da imagem internacional da Coreia do Norte. A recente actividade militar de Pyongyang despertou condenações a nível global e nem mesmo a China, tradicional aliada do regime de Kim, ficou impassível. Pequim pediu moderação ao seu vizinho e apoiou a resolução das Nações Unidas, que reforça as sanções económicas.
“Se a ênfase for dirigida para o nível de vida e para o desenvolvimento pacífico, mais do que para a auto-satisfação nuclear ou para as ameaças, os media oficiais chineses irão interpretá-lo como um sinal de moderação”, observa o especialista da Universidade de Leeds, Adam Cathcart, citado pela AFP.
E há ainda a questão da fome no país, que apesar de não estar ao nível da chamada “marcha árdua” dos anos de 1990, quando milhões de pessoas morreram, continua a ser um dos grandes problemas da Coreia do Norte. Segundo o Programa Alimentar Mundial, cerca de 70% da população sofre de insegurança alimentar e há mais de dez milhões de pessoas subnutridas. Posto de forma muito simples pela Economist, depois do congresso, Kim “pode focar a sua atenção em alimentar o seu povo e diminuir a sua pobreza”.