Abre-se o túnel do Marão, quebra-se a “barreira psicológica”

É uma obra pública grandiosa em tudo, desde o custo ao tempo que demorou a executar. Em Trás-os-Montes, espera-se que o maior túnel da Península ibérica compense o atraso.

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É a última vez que Ricardo Carvalho regressa a casa sem passar pelo túnel do Marão. Este estudante da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) já está habituado a percorrer de autocarro, a cada fim-de-semana, a distância que vai de Vila Real a Paços de Ferreira, mas está entusiasmado com a promessa de uma viagem cerca de 20 minutos mais rápida. “Vou ganhar tempo”, diz, esperançado. Mas o que realmente o entusiasma é a possibilidade de, a partir da madrugada de domingo, quando a infra-estrutura abrir ao tráfego, poder fazer o percurso no seu próprio carro.

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É a última vez que Ricardo Carvalho regressa a casa sem passar pelo túnel do Marão. Este estudante da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) já está habituado a percorrer de autocarro, a cada fim-de-semana, a distância que vai de Vila Real a Paços de Ferreira, mas está entusiasmado com a promessa de uma viagem cerca de 20 minutos mais rápida. “Vou ganhar tempo”, diz, esperançado. Mas o que realmente o entusiasma é a possibilidade de, a partir da madrugada de domingo, quando a infra-estrutura abrir ao tráfego, poder fazer o percurso no seu próprio carro.

Fez essa viagem ao volante uma vez, “muito devagar”, porque o IP4 - a via mais rápida de ligação de Trás-os-Montes ao litoral - “mete algum respeito”. Nunca mais teve coragem para o fazer, por mais que o carro próprio desse “bastante jeito” no dia-a-dia em Vila Real. Quando o túnel abrir, Ricardo Carvalho poderá fazer a viagem integralmente pela A4, com maior segurança.

Nos últimos 20 anos, morreram 136 pessoas em acidentes de viação no IP4, algumas delas em resultado de um traçado sinuoso e das condições meteorológicas difíceis no percurso, sobretudo no Inverno, quando o nevoeiro limita a visibilidade nas zonas situadas a maior altitude. Por vezes é a neve a criar dificuldades acrescidas.

A maior segurança com que será possível fazer a viagem é uma das vantagens apontadas pelos futuros utilizadores do túnel, que o primeiro-ministro António Costa inaugura esta tarde. O conforto do novo percurso, em comparação com o tortuoso IP4 e a poupança no tempo de viagem, estimada em 20 minutos, são outras das mais-valias apontadas e que levam o presidente da associação empresarial de Vila Real (Nervir), Luís Tão, a considerar que, a partir de hoje, “começa a desenhar-se um novo mapa de Portugal”. “Para nós transmontanos, o Marão era uma fronteira enorme”, sublinha.

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Túnel inclui duas galerias e é o maior da Península Ibérica Nélson Garrido

António Fontaínhas Fernandes, reitor da UTAD, chama-lhe “barreira psicológica”. Foi assim, desde sempre. A montanha protegeu a região, mas também a isolou. E ainda que o IP4 tenha ajudado, desde o final dos anos 1980, a criar uma primeira brecha nessa “muralha”, as características do traçado dificultavam ainda mais o atravessamento do Marão. O túnel “vai romper completamente com esta situação”, antecipa o líder da universidade transmontana, esperando que Vila Real ganhe novos argumentos para se tornar uma cidade atraente para a localização de empresas e fixar pessoas – que é “aquilo de que a região mais precisa”. Dá, por isso, um exemplo: depois de aberto o túnel, o parque de ciência e tecnologia Regia Douro Park vai ficar a 45 minutos do aeroporto Sá Carneiro, no Porto, integralmente em auto-estrada. É essa proximidade reforçada com infra-estruturas como ainda o terminal de cruzeiros de Matosinhos ou o porto de Leixões que “entusiasma” as empresas de Vila Real, especialmente as que têm uma vocação exportadora, assegura o líder da associação dos empresários locais.

Carros pagam 1,95 euros

A cerca de 120 quilómetros de distância, em Bragança, Eduardo Malhão, presidente da associação homóloga Nerba, faz uma previsão semelhante: o túnel terá “um impacto económico considerável”, não só na indústria, como também no comércio e no turismo, que poderão ser beneficiados com a maior proximidade ao litoral.

Ainda assim, Malhão antecipa que nem todas as empresas do nordeste transmontano vão utilizar a nova infra-estrutura, por causa do preço das portagens. O atravessamento do túnel do Marão custará 1,95 euros para os automóveis e 4,90 euros para os veículos pesados. O percurso completo da A4, entre a fronteira de Quintanilha, no concelho de Bragança, e o Porto custará 7,30 euros para os veículos de classe 1 e 18,25 euros para os veículos de classe 4.

Este custo tem levado, nos últimos dias, diferentes entidades a pedirem a abolição de portagens na auto-estrada transmontana, um pedido feito, por exemplo, pela Comissão de Utentes da A4, o partido ecologista Os Verdes” e o Bloco de Esquerda. Também os autarcas de Vila Real e Bragança reclamam, pelo menos, um adiamento do início da cobrança, argumentando que a região foi a última do Interior a ter auto-estrada e não beneficiou de nenhuma das isenções que vigoraram nas antigas SCUT.

Há muito que em Portugal não se inaugurava uma obra com esta envergadura. Ao todo, a auto-estrada entre Amarante e Vila Real custou quase 398 milhões de euros, dos quais 137 milhões destinados à construção deste túnel. A obra recebeu 89 milhões de euros de fundos europeus e foi objecto de uma decisão específica da Comissão Europeia. A sua abertura mereceu, ontem mesmo, uma declaração da comissária da Política Regional, Corina Cretu, que disse esperar que aquela infra-estrutura venha “melhorar a acessibilidade e a coesão territorial na região Norte”.

Quebrar uma barreira como o Marão foi uma empreitada que não se fez sem um conjunto de vicissitudes e o projecto demorou quase oito anos a concretizar-se. A auto-estrada transmontana foi lançada em 2007, no Governo de José Sócrates. A obra era uma parceria público-privada com um consórcio constituído pelas construtoras Somague e a MSF e começou no ano seguinte. A abertura estava então prevista para 2012, mas desde cedo o processo começou a sofrer atrasos. Primeiro, os trabalhos de escavação foram suspensos por ordem judicial, por duas vezes, devido a um processo interposto por uma empresa que explorava águas na serra do Marão e que alegava que as obras punham em causa as suas captações.

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Dentro do túnel, 120 câmaras de vigilância transmitem tudo o que ali acontece para o centro de controlo Nélson Garrido

Depois disso, já no Governo de Pedro Passos Coelho, os trabalhos voltaram a parar, desta feita porque o concessionário estava em dificuldades financeiras e foi incapaz de prosseguir a obra. Na altura, faltavam escavar cerca de quatro quilómetros das duas galerias do túnel, mas os trabalhos ficaram parados durante três anos. Até que, em Junho de 2013, o Estado acabou por resgatar a concessão e entregar a empreitada à Infraestruturas de Portugal.

CRONOLOGIA EM IMAGENS: Uma obra lançada por Sócrates, resgatada por Passos e inaugurada por Costa

Na entrada do lado de Vila Real, uma pintura em jeito de graffiti recorda a cronologia da obra desde a data do resgate da concessão – em si mesmo um facto histórico, já que foi a primeira vez que o Estado tomou uma decisão dessas – até 22 de Dezembro de 2015, quando foi concluída a betonagem do túnel, o maior da Península Ibérica (ver infografia na página 7). Este é o único elemento decorativo nas paredes do túnel. Os outros pontos de cor que interrompem o cinzento da galeria têm todos alguma função de segurança.

Há luzes de led azuis a cada 105 metros, assinalando a distância de segurança que deve ser mantida entre cada veículo. A cada 400 metros, há galerias de evacuação para pessoas e veículos e megafones, de 50 em 50 metros, para dar indicações em casos de emergência.

Dentro do túnel, 120 câmaras de vigilância transmitem tudo o que ali acontece para o centro de controlo, instalado na entrada do lado de Amarante. Na sala de controlo, seis grandes ecrãs na parede transmitem o sinal de vídeo. Há quatro outros ecrãs de computadores e lugar para duas pessoas que acompanharão, 24 horas por dias, os movimentos no interior do túnel. As câmaras estão equipadas com um sensor de detecção automática de incidentes. Bastará que um veículo pare no interior do túnel ou que, por exemplo, um animal o atravesse, e automaticamente a câmara vai focar a situação e começar a transmitir o sinal vídeo num dos ecrãs. Ao todo, são 5,7 quilómetros, que fazem deste o maior túnel rodoviário da Península Ibérica (clique aqui para ver a obra numa infografia em PDF).

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Vista de um longo viaduto de acesso ao túnel Nélson Garrido