Os antiquários levam o melhor que têm à feira da Cordoaria
Há pintura flamenga e holandesa, um Bom Pastor indo-português com quase um metro e quadros de Amadeo de Souza-Cardoso. Uma das estrelas é definitivamente um álbum de desenhos de Sequeira.
Uma voz no altifalante chama os peritos para o almoço. Nos 21 stands da Feira de Arte e Antiguidades de Lisboa, na Cordoaria Nacional, já está quase tudo pronto e só faltam mesmo os últimos retoques, passar o aspirador e deixar que os especialistas nas diversas áreas passem os seus olhos pelo que vai estar à venda entre este sábado e 15 de Maio.
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Uma voz no altifalante chama os peritos para o almoço. Nos 21 stands da Feira de Arte e Antiguidades de Lisboa, na Cordoaria Nacional, já está quase tudo pronto e só faltam mesmo os últimos retoques, passar o aspirador e deixar que os especialistas nas diversas áreas passem os seus olhos pelo que vai estar à venda entre este sábado e 15 de Maio.
Cruzamo-nos com Joaquim Caetano (pintura antiga), Luís Castelo Lopes (pratas), Jorge Martins e Manuel Costa Cabral (arte contemporânea), alguns dos 24 especialistas que têm como missão sujeitar os stands a uma peritagem prévia à inauguração, que estava marcada para esta sexta-feira, às 18h, com um cocktail só para convidados. Os peritos, em último caso, podem mandar retirar uma peça, mas o mais normal é sugerirem que algumas tabelas sejam alteradas de forma a ficarem mais rigorosas.
A estrela da feira na área da pintura e do desenho vai ser o famoso Álbum do Palácio de Arroios, de Domingos Sequeira, que faz uma impressionante parede no stand de Álvaro Roquette e Pedro Aguiar-Branco. São 51 desenhos, cada um emoldurado individualmente, começados a fazer em 1796, um ano depois de o artista chegar de Roma. Desenhados a pena metálica, sépia ou negro, alguns a grafite, explica o historiador de arte Hugo Crespo, que trabalha para o antiquário, foram produzidos no Palácio de Arroios, nos salões dos condes de Linhares, daí o nome do álbum, que até há pouco tempo estava nas mãos dos descendentes da família. Num destes desenhos é possível ler que foi concebido pelo conde e executado por Sequeira.
Álvaro Roquette diz que só venderá o conjunto, avaliado em 230 mil euros, porque “é a única possibilidade”, uma vez que o álbum está protegido por lei. “Seria criminoso se começasse a vender em separado. Não se pode dispersar o que está classificado como conjunto.”
Talvez por causa da classificação, não se trata da peça mais cara que o stand tem à venda. Hugo Crespo destaca também uma salva com mosaico de madrepérola e tartaruga feita no Gujarat (Índia), com o verso pintado em Amesterdão por Dirck Barendsz, um homem que leva o maneirismo veneziano para a Holanda. Um objecto produzido na Índia, que terá chegado à Europa através de Goa, onde foi embelezado com uma representação da América por volta de 1580. Está à venda por um preço que é mais do dobro do álbum do Sequeira.
Além do Sequeira e de arte portuguesa do tempo da Expansão, a especialidade do antiquário, é também possível encontrar uma predela, a parte inferior de um retábulo, atribuída ao pintor português Garcia Fernandes, que trabalhou no início do século XVI.
Manuel Castilho, presidente da Associação Portuguesa dos Antiquários, que organiza a feira, diz que as vendas correram bem no ano passado, com 11 mil visitantes, depois de terem sido castigados pela crise nas edições anteriores. Este ano há mais quatro stands, dois estrangeiros, um deles do luso-francês Philippe Mendes - que já anunciou a doação de duas peças que traz a Lisboa (uma escultura de Barros Laborão e uma pintura de Alexandre Raulin, respectivamente ao Museu de Arte Antiga e ao Museu da Cidade) - e o outro de Barcelona, a Galeria Guilhem Montagut, especializada em arte africana primitiva.
O stand maior é o de Luís Alegria, com 120 metros quadrados, um antiquário que costuma fazer a mais importante feira de antiguidades internacional, a de Maastricht. Mais conhecido pela sua especialidade em porcelana chinesa feita para exportação, também se destaca na feira a colecção de 40 pinturas flamengas e holandesas, com preços que variam entre 15 mil e 200 mil euros. O próprio Alegria, sem se querer alongar, destaca um óleo sobre madeira de Martin van Cleve, uma pintura de género que representa uma festa de aldeia.
Já Jorge Welsh, talvez o mais conhecido antiquário português e igualmente um habitué de Maastricht, com casa aberta em Lisboa e Londres, é que não vai estar na Cordoaria, porque acabou de fazer o lançamento do catálogo de uma exposição do Metropolitan Museum, de Nova Iorque, e tem outro já de seguida em Londres.
Nem todos os antiquários estavam na Cordoaria quando visitámos o recinto na véspera da inauguração. Mário Roque, numa conversa ao telefone, explicou como costuma trabalhar a sua presença “na única feira de qualidade em Portugal”, que é certificada: “Durante todo o ano, ando à procura de peças especiais que apresento pela primeira vez na feira.” É o caso de um Bom Pastor indo-português, uma peça em marfim do século XVII, que com os seus 93,5 centímetros é o maior que já viu e cujo preço é de 600 mil euros.
O seu stand tem também duas pequenas pinturas de Amadeo de Souza-Cardoso, que estão acompanhadas dos respectivos relatórios da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, ambas com um preço que ronda os 150 mil euros. Há também duas cómodas D. José em pau-santo e muita pintura moderna e contemporânea. Era aliás lá que estavam Jorge Martins e Manuel Costa Cabral quando percorremos a feira.
Manuel Castilho, o organizador da feira, vê com bons olhos a chegada da ArcoLisboa, que abrirá no fim do mês, no mesmo local, uma feira dedicada à arte contemporânea, organizada pela ArcoMadrid. A ArcoLisboa vem apenas demonstrar que o coleccionismo tem agora uma ênfase nas coisas contemporâneas, como mostra o mercado internacional. “Sempre houve modas, como mostra a emergência do mercado oriental, nomeadamente da Índia, China e Sudoeste Asiático”, continua Manuel Castilho. E alguns dos antiquários portugueses têm, aliás, agora clientes com essa origem.
Para os negócios, ou para simples lazer, há um amplo restaurante com 72 lugares sentados, situado no final da feira, decorado com lustres e peças dos próprios antiquários. A entrada custa dez euros e no sábado a feira abre às 17h para fechar só à meia-noite.