O primeiro dia do resto da vida dos AC/DC
A banda de Highway to hell regressa a Portugal para um concerto, este sábado, no Passeio Marítimo de Algés. Um regresso histórico (por razões inesperadas). Preparemo-nos para a estreia de Axl Rose como vocalista dos australianos.
Até há um par de meses, as discussões entre os fãs estariam centradas exclusivamente no alinhamento. Que o concerto teria a inconfundível marca dos AC/DC, ou seja, uma celebração de hedonismo rock’n’roll com (muito) peso e medida (profissional) inatacáveis, isso era certo. Afinal, os AC/DC são em concerto uma máquina afinadíssima, sem falhas, tão seguros de si como a inabalável secção rítmica que lhes marca o andamento das canções. Mas isto era até há um par de meses. Porque entretanto Brian Johnson, o vocalista da banda desde 1980, foi obrigado a abandonar os palcos sob ameaça de surdez. E porque, depois disso, Axl Rose, dos Guns N’Roses, foi anunciado como seu substituto para a digressão europeia que se inicia este sábado, 7 de Maio, no Passeio Marítimo de Algés, provocando um aceso debate entre os fãs. Não, a discussão não é agora sobre o alinhamento que a banda apresentará este sábado à noite.
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Até há um par de meses, as discussões entre os fãs estariam centradas exclusivamente no alinhamento. Que o concerto teria a inconfundível marca dos AC/DC, ou seja, uma celebração de hedonismo rock’n’roll com (muito) peso e medida (profissional) inatacáveis, isso era certo. Afinal, os AC/DC são em concerto uma máquina afinadíssima, sem falhas, tão seguros de si como a inabalável secção rítmica que lhes marca o andamento das canções. Mas isto era até há um par de meses. Porque entretanto Brian Johnson, o vocalista da banda desde 1980, foi obrigado a abandonar os palcos sob ameaça de surdez. E porque, depois disso, Axl Rose, dos Guns N’Roses, foi anunciado como seu substituto para a digressão europeia que se inicia este sábado, 7 de Maio, no Passeio Marítimo de Algés, provocando um aceso debate entre os fãs. Não, a discussão não é agora sobre o alinhamento que a banda apresentará este sábado à noite.
A escolha do substituto do carismático Brian Johnson, torrente inesgotável de veterana energia, como testemunhámos na última passagem por Portugal, em 2009, no Estádio de Alvalade, nunca seria totalmente pacífica. Pouco depois de ser anunciado o abandono de Johnson, após ultimato dos médicos, que lhe previam surdez total caso continuasse a subir a palco na digressão americana que a banda cumpria, o diário australiano Sidney Morning Herald divulgou uma sondagem segundo a qual 47% dos fãs dos AC/DC consideravam o vocalista insubstituível. Ainda assim, uma coisa seria anunciar, por exemplo, Dave Evans, primeiro vocalista da banda, antes de ceder o lugar a Bon Scott – um homem da casa, portanto -, outra seria, como foi, convocar a juntar-se a Angus Young e companhia Axl Rose. Não só a banda de que é vocalista, os Guns N’Roses, recentemente reunidos com a sua formação clássica, é autora de um rock com o seu quê de barroco, nos antípodas, portanto, do ataque directo, sem desvios, que é assinatura dos AC/DC, como, e principalmente, a sua postura mediática gerou ao longo dos anos tanto ódio quanto adulação.
Não surpreendeu, portanto, a reacção visceral provocada pelo anúncio. Nas redes sociais, fãs desgostosos perguntavam se a chegada de Axl Rose era uma piada de mau gosto. Em declarações à London Free Press, Roger Daltrey, vocalista dos The Who e amigo desde há quatro décadas de Brian Johnson, não poupou na crítica: “Quer dizer, ir ver karaoke com o Axl Rose? Poupem-me”. Os próprios AC/DC, conscientes da controvérsia provocada, instruíram os promotores locais dos concertos da digressão europeia para que devolvessem o dinheiro dos bilhetes aos espectadores que o requisitassem. Na Bélgica e em Espanha terão sido devolvidos vários milhares de bilhetes – não há dados quanto a Portugal. Mas, segundo uma fonte da equipa dos AC/DC, em declarações à Billboard, as devoluções foram compensadas no imediato com novas aquisições.
Pode ser inesperado ver Axl Rose interpretar Highway to hell ou Let there be rock ao lado de Angus Young e Cliff Williams, pode ser um choque para alguns, mas é imensa a curiosidade sobre o que resultará do encontro. Não por acaso, o concerto no Passeio Marítimo de Algés (a acção começa às 19h30, com a actuação de Tyler Bryant And The Shakedown), será seguido com atenção mundo fora: a promotora Everything is New aprovou acreditações para 32 órgãos de comunicação estrangeiros, um número bastante superior ao habitual. Uma coisa é certa: independentemente do que acontecer este sábado, será um concerto histórico. E "abençoado": as previsões meteorológicas prevêem chuva e vento forte para a hora em que os AC/DC estiverem em palco.
Fazer justiça a Brian Johnson
O palco está montado e é, indiscutivelmente, um palco dos AC/DC – os cornichos que se erguem no topo não enganam. A digressão é dedicada ao álbum mais recente, Rock or Bust, mas o alinhamento, a julgar pelo último concerto da banda, no Kansas, a 28 de Fevereiro, não se demorará muito tempo nele. Um concerto dos AC/DC é sempre uma celebração, vivíssima, do legado de uma banda que é hoje uma verdadeira instituição rock’n’roll. Os clássicos, obviamente, ocuparão uma percentagem generosa do alinhamento: Highway to hell, Hell bells, Back in black, You shook all night long, T.N.T. ou Whole lotta Rosie, que os Guns N’Roses tocaram com Angus Young como convidado no festival Coachella, serão obrigatórias.
A curiosidade será perceber como lidará Axl Rose com canções tão intimamente ligadas à voz de Brian Johnson (depois de três décadas a cantá-las em palco e a registá-las em álbuns e DVD ao vivo, mesmo as gravadas originalmente por Bon Scott já são, de certa forma, também suas). Em entrevista à BBC 6 emitida esta sexta-feira, o vocalista dos Guns N’Roses, humilde, declarou que pretende “fazer justiça” a Brian Johnson. “Muito do material de Back in Black é verdadeiramente desafiante”, apontou. “Por um lado, estou feliz e entusiasmado, mas penso que seria despropositado estar a celebrar às custas de outra pessoa. Não é para isso que aqui estou. É uma situação infeliz”, afirmou.
Angus Young, por seu lado, aproveitou também para reforçar aquilo que Brian Johnson já esclarecera em comunicado, ou seja, que não foi despedido e que a saída da banda foi uma decisão sua, assente nos pareceres médicos. “Muitas pessoas pensam que o Brian foi despedido, mas não foi o que aconteceu”, disse o guitarrista num vídeo publicado na página de Facebook da banda. “O problema do Brian é principalmente a sua audição. Ele já tinha um ouvido em muito mau estado, e o ouvido bom estava a degradar-se rapidamente. Isto acontecia durante a digressão. Estava fora do nosso controlo, foi uma decisão dele”, explicou.
Axl Rose, recorde-se, é apenas o vocalista convidado para esta digressão europeia e, previsivelmente, para as datas americanas canceladas e remarcadas depois da saída de Brian Johnson. E Brian Johnson ainda não deitou a toalha ao chão. “Não me estou a reformar. Os médicos disseram-me que posso continuar a gravar em estúdio e pretendo continuar a fazê-lo. De momento, todo o meu foco está em prosseguir o tratamento médico para melhorar a minha audição”, escreveu no comunicado publicado a 19 de Abril.
No Verão, Axl Rose regressará à casa mãe, os Guns N’Roses, para prosseguir com os concertos da reunião com Slash e Duff McKagan. Quanto aos AC/DC, cumpridas as datas da digressão europeia, que termina em Aarhus, na Dinamarca, a 12 de Junho, deixarão um ponto de interrogação a pairar sobre o seu futuro.
Mas esta é a banda que sobreviveu à morte de um vocalista lendário, Bon Scott, que perdeu há dois anos um dos fundadores, o guitarrista Malcolm Young, depois de lhe ter sido diagnosticada demência (foi substituído pelo sobrinho Stevie Young), e que ultrapassou a saída do baterista Paul Rudd, a braços com a justiça australiana, com o regresso de Chris Slade, que havia sido tocado na banda entre 1989 e 1994. Se decidirem continuar a carreira iniciada em Sidney em 1973, continuarão como sempre. “Let there be rock”, dizem os AC/DC. E o rock acontece.