Deve o Estado financiar as escolas particulares?
Esta falsa questão é uma subtileza para fazer implodir o princípio da responsabilidade pública no que toca ao ensino.
1. A retoma do discurso sobre a liberdade de aprender e ensinar, para combater a recente decisão do ministro da Educação sobre o financiamento do ensino privado, obriga-me, também, a retomar o que repetidas vezes aqui tenho escrito. Porque não é essa liberdade que está em causa, mas sim saber se deve o Estado financiar as escolas particulares, cuja criação e funcionamento são livres, como mostra a circunstância de 20% da rede de escolas do país ser privada.
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1. A retoma do discurso sobre a liberdade de aprender e ensinar, para combater a recente decisão do ministro da Educação sobre o financiamento do ensino privado, obriga-me, também, a retomar o que repetidas vezes aqui tenho escrito. Porque não é essa liberdade que está em causa, mas sim saber se deve o Estado financiar as escolas particulares, cuja criação e funcionamento são livres, como mostra a circunstância de 20% da rede de escolas do país ser privada.
Esta falsa questão é uma subtileza para fazer implodir o princípio da responsabilidade pública no que toca ao ensino porque, constitucionalmente, a escola pública é uma obrigação do Estado, enquanto a privada é uma liberdade dos particulares.
É manifesto que muitos “contratos de associação” só se têm mantido por cedência dos governos à pressão do lobby do ensino privado. É manifesto que só devem persistir os que correspondam a falhas da rede pública, se é que ainda existem. É isso que faz o Despacho Normativo 1 H/2016, que respeita integralmente a lei e os compromissos anteriormente assumidos, sem interrupção de ciclos lectivos iniciados e sem sequer impedir que outros se iniciem, desde que necessários. Posto isto, apenas lamento a inabilidade e a imaturidade política com que o problema foi tratado. A triste cena da Mealhada não augura futuro fácil.
2. Alguns leitores escreveram-me a apoiar a iniciativa ministerial sobre a constituição das turmas com alunos com necessidades educativas especiais, por mim repudiada no meu último artigo. Descreveram mesmo, como fundamento, “abusos” que conhecem. Permitam-me, pois, que clarifique o que penso.
Integrar uma criança deficiente (eu sei que há quem evite o termo, mas os problemas não se resolvem mudando os nomes) supõe, sempre, tentar superar-lhe as dificuldades para que a integração seja possível. Há casos onde será sempre impossível, por melhores que sejam as ajudas específicas, conseguir que essa criança fique capaz de acompanhar os outros em todas as actividades. Sem rodeios, nesses casos, a integração será, simplesmente, uma falácia.
Na relação de uma turma regular com um aluno deficiente, o equilíbrio que uma sociedade avançada (e humanizada) deve procurar é proporcionar ao deficiente as vantagens, muitas, que para ele resultam da relação com os outros. Mas, para os outros (que também devem beneficiar do contacto com o colega, particularmente nos planos afectivo, moral e cívico) o equilíbrio citado significa que tudo se faça sem prejudicar o direito de progredirem ao seu ritmo. Ora isto só se consegue com medidas especiais de apoio durante as fases de integração, de que a redução do número de alunos é parte fundamental.
Poderá ser questionável o modo como se conjugam as duas coisas. Certamente que haverá erros, relaxamentos e, eventualmente, abusos. Mas qualquer iniciativa que reduza situações, sempre particulares, a quotas gerais só pode vir de quem não tem a mínima noção do que significa “ensino integrado”, muitos menos dos problemas que se colocam a um professor do ensino regular, quando tem em sala alunos com necessidades educativas especiais. Dizer que quotas cegas forçam a integração é ignorância. Se não for ignorância, é sadismo. Ambas as hipóteses são inaceitáveis num ministro da Educação. Aliás, o recurso a quotas impróprias começa a fazer escola no ministério de Tiago Brandão Rodrigues. Também a mobilidade por doença está agora sujeita a rácios vergonhosos, que nem sequer consideram a dimensão dos agrupamentos.
3. Sob o título “O que faz uma boa escola”, veio a público mais um estudo sobre a educação dos nossos jovens. O estudo foi produzido no âmbito do projecto “aQueduto”, uma iniciativa conjunta da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Conselho Nacional de Educação (CNE). O estudo analisa o que mudou entre nós, com base nos resultados e inquéritos do PISA, e conclui que a dimensão das turmas não influencia o desempenho dos alunos. Curiosamente, o CNE, num outro estudo, exactamente sobre a dimensão das turmas, concluiu haver uma relação entre essa dimensão e o tempo dedicado só ao ensino, o que, obviamente, tem forte impacto no desempenho dos alunos.
Cada vez há mais estudos a estabelecer relações entre as diversas variáveis presentes no processo de ensino e os respectivos resultados. A credibilidade desses estudos é grosseiramente ferida pelos mesmos erros (estabelecimento de conclusões ilegítimas, confundindo hipóteses com conclusões) e pelas mesmas estranhas coincidências (aparecem sempre por altura da vinda a público de teses politicamente apresentadas como correctas). Quando os analisamos em detalhe é fácil verificar que outras variáveis possíveis (concepção e desenvolvimento curricular, recursos disponíveis, autonomia e gestão das escolas, por exemplo), que não interessam a uma conclusão preordenada para sustentar determinada tese, não são consideradas.
Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)