A semana santa é entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio
E pergunta a miúda “É festa pai?”, eu anuo com um sorrisinho pulha: “É pois... é o farnel para quando Abril voltar a passar!”
Sento-me no fundo da sala, vez após vez, faço-me discreto em salas cheias de velhinhos, o que é mais fácil do que seria de esperar primeiro porque também estou meio acabado (gordo e grisalho), e depois porque eles estão demasiados ocupados com discussões com cinquenta anos para notarem os meus olhinhos atentos na penúltima fila, óptimo!
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Sento-me no fundo da sala, vez após vez, faço-me discreto em salas cheias de velhinhos, o que é mais fácil do que seria de esperar primeiro porque também estou meio acabado (gordo e grisalho), e depois porque eles estão demasiados ocupados com discussões com cinquenta anos para notarem os meus olhinhos atentos na penúltima fila, óptimo!
Estamos entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio, é a nossa semana santa, a nossa Primavera anual, a vermelhagem toda à solta, orgulhosos cravos vermelhos ao peito (que somos melhores que o funâmbulo do Marcelo e não temos vergonha da Liberdade). Eles debatem entre eles sem nunca acertar contas, discordam e discutem e às vezes rangem os dentes como os miúdos a dormir e carregam o cenho e levantam-se para exclamar “Não posso concordar com o amigo..”. Mas já não se zangam, já não confundem a seriedade dos assuntos com a das suas pessoas: Temos ainda demasiado a aprender com os "kotas", penso da penúltima fila.
E a minha mulher faz o número académico a partir do alto da mesa, voz melíflua de menina bem comportada mas pim pam pum: as cabecinhas dos pregos todas enfiadas firme e fundo. As velhas camaradas hão-de me agarrar o braço depois e sussurrar: “Tens cá uma mulher...” eu sei, mas não se lhe pode dizer, que quem a atura sou eu.
Tiro os óculos, esfrego os olhos, no meio destes velhinhos normais. Quem olhar da porta do auditório da biblioteca não vê nada de especial, velhinhos a discutir história contemporânea... Mas tudo isto é profundamente raro cá no jardim à beira mar plantado; estes são os que disseram NÃO, assim: tudo em maiúsculas, como quem grita baixinho, por escrito. Disseram não quando recusar significava arriscar tudo, posição, liberdade, exílio e o corpinho, o coiro e o cabelo e uma visita aos curros do Aljube!
E cinquenta anos depois os adolescentes magníficos de outrora continuam a mexer, sem acusar o peso do passado e da semente, com menos certezas e mais humor próprio (o que só os torna mais magníficos digo eu), mas ainda preocupados com um futuro que a cada momento que passa lhes deveria interessar menos. E a Ordem da Liberdade espetada na peitaça do João Lobo Antunes... é só rir, saíste-me melhor que o papa Francisco, ó Marcelo!
Saltamos para domingo e do Algarve para a Almirante Reis: somos milhares a escorrer lentos avenida acima, está sol e sorrimos, temos cravos ao peito e nas mãos e as bonitas entalam-nos nas madeixas, temos megafones e bombos (de Lavacolhos?) e gaitas e nós Precários (precários nos querem, rebeldes nos terão!) um D.J. em cima da carrinha com uma caixa de ritmos e um disco do Variações, temos velhinhas sentadas à beira da rua em banquinhos de abrir e papelinhos dos Pioneiros de Portugal e os moços da CGTP de coletes reflectores a ajudar os polícias e amigos que mandam flores das janelas e outros a quem damos abraços e beijos e cumprimentos, temos a estranheza da garota em se poder andar sossegado no meio da estrada e a gargalhada dos veteranos quando ela repete “O Povo unido..”. Temos, mais do que tudo, um sentimento de casa, um recarregar da bateria da esperança.
E pergunta a miúda “É festa pai?”, eu anuo com um sorrisinho pulha: “É pois... é o farnel para quando Abril voltar a passar!”.