Marcelo, o político que não conseguimos odiar

Marcelo é o político que funciona como antídoto para os políticos, uma espécie de Obama menos bronzeado, embora não muito, em modo low-cost e com aspirações intelectuais

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Se Andy Warhol ainda vivesse, a par dos retratos que faria de Donald Trump e Chiquita, haveria um de Cavaco Silva cujo resultado não poderia ser outro senão Marcelo Rebelo de Sousa. Porque é isso que Marcelo é um Cavaco em modo pop.

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Se Andy Warhol ainda vivesse, a par dos retratos que faria de Donald Trump e Chiquita, haveria um de Cavaco Silva cujo resultado não poderia ser outro senão Marcelo Rebelo de Sousa. Porque é isso que Marcelo é um Cavaco em modo pop.

Onde o primeiro era puro formalismo com perfume déspota, o segundo exala um charme e uma jovialidade a que ninguém fica indiferente, transformando-nos em sopeiras molhadas cada vez que a língua de Marcelo sibila num dos seus S ou quando, qual serpente, sorve a saliva a meio das frases.

Marcelo é o político que funciona como antídoto para os políticos, uma espécie de Obama menos bronzeado, embora não muito, em modo "low-cost" e com aspirações intelectuais. Ele é para cada um de nós, admiradores voluntários e admiradores contrariados, a “girl next door” da política portuguesa: tanto é aquele gajo com quem bebemos uma mini e comemos uma sandes como o senhor doutor a quem pedimos aconselhamento financeiro, tanto nos recomenda o que devemos ler a seguir como fala do jogo de ontem. É ao mesmo tempo o nosso confidente que por acaso é Presidente da República e o nosso mentor, como se fossemos o aluno preferido do professor mais porreiro da escola.

É por isso que a sua simpatia é perigosa, porque camufla tudo o que está por baixo, fazendo com que cada um dos potenciais críticos baixe a guarda, aceitando passivamente decisões que não aceitariam de outro modo, porque no fundo Marcelo é Cavaco com o aspecto daquela miúda gira que dá bola e por isso faz de nós gato-sapato sem termos a mínima noção. E os portugueses, mal tratados, desprezados e inferiorizados pelos governos anteriores não conseguem deixar de se sentir sexy ou não fossemos nós o tipo de povo que fica descansado a ver afundar a nação, enquanto se congratula porque ao menos o tempo está bom e come-se bem.

Na verdade, é difícil encontrar uma brecha na fachada de adolescente de meia idade suprapartidário que Marcelo ergueu, mesmo para quem há anos desconfia que em vez de ler todos os livros que aconselha, se limita a consultar aqueles cadernos amarelos de apontamentos. É tão fácil esquecer que ele é membro daquela classe que normalmente é apelidada de corja de biltres, especialmente quando nos convida a todos para a festa da sua tomada de posse versão arraial de Verão. Perante isto quem se lembra ainda que o seu pai era membro do Governo de Marcelo Caetano, que foi inclusivamente padrinho do seu casamento? Ou que a sua primeira namorada era neta do médico que operou Salazar quando caiu da cadeira? Pura coincidência, todas estas ligações ao Estado Novo, tal como no caso de Cavaco.

Não é então de estranhar que pequenas falhas como conduzir sem cinto ou estacionar num lugar reservado o tornem ainda mais humano aos nossos olhos, sobretudo quando comparado com o seu antecessor, cujas falhas incluíam relações manhosas com o BPN ou ser informador da PIDE. Isto já para não falar de nunca se enganar e raramente ter dúvidas. Além disso, é preciso não esquecer que Marcelo ganhou as eleições porque a sua campanha eleitoral durava há vários anos no horário nobre das estações de televisão de sinal aberto, daí a predisposição do eleitorado para o ver como membro da família, qual Cristiano Ronaldo ou Herman José.

Assim, por muito que admiremos o trabalho de Warhol, convém não deixar ter presente que a pop-art era um género esteticamente atraente mas não passava de uma alegre reprodução da mesma realidade de sempre.