Lúcifer e a ovelha demoníaca: o risco de Ted Cruz revelar a sua vice-presidente
O candidato à nomeação pelo Partido Republicano nos EUA apresentou Carly Fiorina antes do tempo numa jogada para travar Donald Trump. Entre os democratas há quem sonhe com uma equipa feminina: Hillary Clinton e Elizabeth Warren.
A meio da semana passada, entre mais uma série vitoriosa de Donald Trump nas eleições do Partido Republicano e a importante votação de terça-feira no estado do Indiana, o senador Ted Cruz fez uma jogada que já não se via por aquelas bandas há 40 anos.
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A meio da semana passada, entre mais uma série vitoriosa de Donald Trump nas eleições do Partido Republicano e a importante votação de terça-feira no estado do Indiana, o senador Ted Cruz fez uma jogada que já não se via por aquelas bandas há 40 anos.
Ainda antes de ser escolhido como candidato oficial do partido à Presidência dos EUA, o principal adversário do polémico magnata nova-iorquino apresentou ao mundo a pessoa que levará consigo para a Casa Branca se concretizar o seu sonho: Carly Fiorina, uma antiga presidente executiva da Hewlett-Packard que chegou a concorrer à nomeação nestas eleições, mas que desistiu pouco depois do início das primárias, em Fevereiro.
Os nomes dos candidatos a vice-presidente dos EUA não costumam surgir tão cedo na corrida à Casa Branca, mas na posição em que o senador Ted Cruz se encontra, tudo o que possa criar barulho nos jornais, nas televisões e nas redes sociais dificilmente poderá tornar-lhe a vida ainda mais difícil.
Nesta fase, tudo o que o senador do Texas pode fazer é servir um menu político com apenas dois pratos: um com cheiro a falta de alternativas e outro com sabor a desespero. Com pouco mais de metade dos delegados já conquistados por Donald Trump, Cruz precisa desesperadamente de vencer as primárias no Indiana, esta terça-feira, para manter viva a esperança de arrastar a luta pela nomeação até Julho, na convenção nacional do Partido Republicano – se Trump vencer no Indiana, deverá bastar-lhe uma vitória na Califórnia, a 7 de Junho, para assegurar os 1237 delegados necessários para garantir a nomeação sem contestação possível.
Assim se pode explicar a jogada de Ted Cruz, uma jogada que nas últimas décadas só tinha sido tentada por Ronald Reagan na sua primeira tentativa de ser a cara do Partido Republicano na corrida à Casa Branca – em 1976, no auge de uma luta renhida no interior do partido com Gerald Ford, Reagan antecipou-se e apresentou o republicano moderado Richard Schweiker, então senador da Pensilvânia, como seu candidato a vice-presidente.
A estratégia tinha dois objectivos – por um lado, Schweiker servia para equilibrar as credenciais de Reagan, que na altura eram vistas como ultraconservadoras; por outro lado, era um estimado senador da Pensilvânia, um estado importante no caminho para a Casa Branca nas eleições gerais contra o candidato do Partido Democrata. Tal como em muitas outras coisas que acontecem na vida, tudo aquilo fazia muito sentido, mas tudo aquilo falhou: Gerald Ford foi nomeado candidato pelo Partido Republicano, acabando por ser derrotado pelo candidato do Partido Democrata nas eleições gerais, Jimmy Carter.
Fuga para a frente
Há várias razões para que um candidato a candidato não revele o nome da pessoa que quer ver na vice-presidência antes de garantir a nomeação no seu partido, e o exemplo do falhanço de Ronald Reagan em 1976 é o menos importante.
Em primeiro lugar, se um candidato incomoda muita gente, dois candidatos incomodam muito mais. E quando um desses dois candidatos é Ted Cruz, começam a faltar expressões populares para descrever o risco da jogada.
Apesar de não ser uma candidata moderada, Carly Fiorina foi escolhida sensivelmente pelas mesmas razões que levaram Ronald Reagan a escolher Richard Schweiker – se este poderia aumentar as hipóteses de vitória na importante Pensilvânia nas eleições gerais de 1976, Fiorina pode ajudar Ted Cruz este ano nas primárias na importante Califórnia, onde foi candidata a senadora em 2010; se Schweiker estava lá para cortejar os mais moderados, Fiorina está aqui para cortejar o eleitorado feminino.
Mas Ted Cruz é um candidato com muitos anticorpos tanto fora como dentro do seu partido, e a tentativa de equilibrismo na sua escolha para a vice-presidência pode muito facilmente revelar-se um tiro no pé.
Para além de ser ultraconservador mesmo para os padrões conservadores de Ronald Reagan, Cruz foi comparado a Lúcifer pelo antigo líder da maioria do seu próprio partido na Câmara dos Representantes e é alvo de uma bizarra teoria da conspiração – a sua imagem é tão negativa em alguns círculos que Cruz é acusado, de forma sarcástica, de ser o "assassino do Zodíaco", que entre finais das décadas de 1960 e inícios da década de 1970 matou várias pessoas na Califórnia. O facto de Cruz ter nascido em 1970 apenas reforça o sarcasmo da teoria da conspiração, mas sublinha também a ideia de que ele é um alvo fácil para Donald Trump nas primárias do Partido Republicano e será também um alvo fácil para Hillary Clinton ou Bernie Sanders nas eleições gerais.
Neste contexto, apresentar Carly Fiorina como sua companheira de corrida dá mais um alvo aos seus adversários, que poderão explorar mais cedo do que esperavam as fraquezas da candidata: apesar de ter recebido cerca de quatro milhões de votos em 2010 na Califórnia, Fiorina perdeu a corrida ao Senado para a representante do Partido Democrata, Barbara Boxer, por dez pontos de diferença.
Antes disso, tinha batido na corrida à nomeação o republicano Tom Campbell, e um dos seus anúncios de ataque ganhou atenção nacional ao apresentar o antigo congressista como uma "ovelha demoníaca", numa jogada que se virou contra ela – basta imaginar o que humoristas e campanhas presidenciais podem criar com uma dupla constituída por Lúcifer e uma ovelha demoníaca para perceber um dos muitos riscos da estratégia de Ted Cruz.
A primeira dupla feminina?
Mas a verdade é que o anúncio extemporâneo de Ted Cruz deu origem a inúmeros artigos e entrevistas sobre os possíveis candidatos à vice-presidência dos outros candidatos a Presidente. Ou a quase todos, já que poucos contam com o terceiro elemento nas primárias do Partido Republicano, John Kasich, que ainda está na corrida mas tem menos delegados conquistados do que Marco Rubio, que suspendeu a sua campanha em meados de Março; e com Bernie Sanders, o candidato do Partido Democrata que tem feito uma campanha surpreendente mas que tem poucas hipóteses de impedir a nomeação de Hillary Clinton.
Ficam a faltar dois: Donald Trump no Partido Republicano e Hillary Clinton no Partido Democrata.
Se alguém disser que faz a mínima ideia sobre quem será o candidato a vice-presidente de cada um deles, estará certamente a competir com os poderes de análise política reconhecidos à astrologia. Mas entrar nesse jogo é inevitável – basta passar os olhos pelas notícias nos principais sites norte-americanos e lá estão eles: nomes para todos os gostos.
Pelo lado de Hillary Clinton, o jogo foi alimentado pelo próprio responsável da campanha, quando admitiu que a favorita no Partido Democrata pode fazer algo inédito: um "ticket" com duas mulheres, o que abre a porta à escolha da senadora Elizabeth Warren.
No papel seria uma equipa de sonho para um partido dividido entre os mais progressistas, que se revêem em Bernie Sanders, e os mais cautelosos, apoiantes de Clinton – durante meses a fio, muito antes de Sanders ter sido apresentado ao mundo, a ala mais à esquerda tentou empurrar Warren para a frente, precisamente contra a ala mais moderada.
Mas a tentação de uma histórica equipa feminina – ainda por cima com fortes hipóteses de vencer as eleições gerais – é esfriada pela dura realidade: Warren seria tudo menos uma vice-presidente que se limitaria a sorrir para as fotografias e a visitar os países que a Presidente não teria tempo para visitar.
Em alternativa, Clinton pode escolher o senador Sherrod Brown, também progressista, e que poderia ajudar a candidata a vencer no importante estado do Ohio. Se o exercício de escolha tiver de preencher quase todos os requisitos políticos e demográficos, então o nome mais falado é Julian Castro, um hispânico de apenas 41 anos e actual secretário para o Desenvolvimento Urbano na Administração Obama. Mas a verdade é que este ano Clinton tem mais problemas entre a ala mais progressista do que entre minorias étnicas e mulheres.
O imprevisível Trump
Este exercício torna-se ainda mais complexo quando se fala de Donald Trump, o candidato mais imprevisível da história moderna nos EUA. Depois da dupla Ted Cruz/Carly Fiorina, muitos humoristas adorariam ver uma dupla Donald Trump/Sarah Palin, mas esse cenário parece estar afastado – o milionário já disse várias vezes que quer alguém ao seu lado com experiência política, para dar mais credibilidade à candidatura.
Nas listas que surgem um pouco por todo o lado há dois nomes que se destacam (Chris Christie e Newt Gingrich), mas se Donald Trump já habituou o eleitorado norte-americano a alguma coisa, é que o eleitorado norte-americano nunca irá habituar-se a um Donald Trump previsível – o que significa que o candidato também fará algo imprevisível se escolher um parceiro previsível.
Neste cenário, o favorito é o governador de Nova Jérsia, Chris Christie, que suspendeu a sua própria corrida à nomeação pelo Partido Republicano em Fevereiro e passou a apoiar Trump, sendo várias vezes alvo de chacota por surgir atrás do magnata com uma expressão de alheamento que já engrossou a longa fileira de memes da Internet.
Mas o grande problema de Trump é a quantidade de possíveis candidatos a vice-presidente que já disseram que vão fugir a sete pés se forem abordados. Quando o New York Times sondou uma das principais conselheiras de Jeb Bush, Sally Bradshaw, a resposta chegou por email: "Hahahahahahahahaha."
A reacção de Bush não é surpreendente, mas muitos outros nomes conhecidos, como o governador do Wisconsin, Scott Walker, também já afastaram qualquer hipótese de virem a acompanhar Trump numa possível corrida à Casa Branca, temendo ser vítimas de um destino antecipado pelo sempre espirituoso e carismático senador do Partido Republicano pela Carolina do Sul, Lindsey Graham, que descreve o magnata como o candidato menos elegível de sempre: "Isso é como comprar um bilhete para o Titanic."