Será 2016 um ano Santareno?

Há algo de Ano Santareno neste 2016 em que a reedição de um livro, uma exposição documental e dois projectos de teatro tocam o universo denso, tenso, e trágico, da obra do dramaturgo fundeada na sua experiência pessoal, enquanto médico, na Faina Maior.

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Anjo Branco estreia a 28 de Maio, em Viana. Em Ílhavo, O Lugre – 2016 estreia uns dias antes, a 18, no Museu Marítimo. Que tem patente, desde Abril, a exposição Bernardo Santareno – um médico na Frota Branca

Não há um aniversário redondo passaram 57 anos desde a primeira edição de Nos Mares do Fim do Mundo nem uma efeméride marcante relacionada com a vida ou a morte do seu autor, que nasceu em 1920 e morreu em 1980. Portugal já não é sequer um país de bacalhoeiros ainda os há, mas agora somos, quase, apenas consumidores de bacalhau mas há algo de Ano Santareno neste 2016 em que a reedição de um livro, uma exposição documental e dois projectos de teatro tocam - um mais que o outro o universo denso, tenso, e trágico, da obra do dramaturgo fundeada na sua experiência pessoal, enquanto médico, na Faina Maior.   

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Não há um aniversário redondo passaram 57 anos desde a primeira edição de Nos Mares do Fim do Mundo nem uma efeméride marcante relacionada com a vida ou a morte do seu autor, que nasceu em 1920 e morreu em 1980. Portugal já não é sequer um país de bacalhoeiros ainda os há, mas agora somos, quase, apenas consumidores de bacalhau mas há algo de Ano Santareno neste 2016 em que a reedição de um livro, uma exposição documental e dois projectos de teatro tocam - um mais que o outro o universo denso, tenso, e trágico, da obra do dramaturgo fundeada na sua experiência pessoal, enquanto médico, na Faina Maior.   

A explicação é simples. Num país que tem um guardião da memória da grande pesca, como o Museu Marítimo de Ílhavo (MMI), obras como esta  e outras, como A Campanha do Argus, do australiano Allan Villiers, de 1951, reeditada em 2005 pela Cavalo de Ferro, ou Heróis do Mar, de Jorge Simões (Caleidoscópio/MMI) acabam por assomar, de novo, à superfície. O desafio do historiador Álvaro Garrido, autor de uma bibliografia extensa sobre o tema e actual consultor do museu, era antigo, e a recém-fundada editora E-Primatur acabou por recuperar este ano o livro de crónicas escrito a partir das duas primeiras viagens de António Martinho do Rosário na frota bacalhoeira portuguesa, em 1957 e 1958.

Também com o impulso do MMI, nos últimos meses o encenador Graeme Pulleyn, co-fundador do Teatro do Montemuro, tem estado a trabalhar num projecto comunitário a partir de O Lugre, desenvolvido nos espaços do museu, numa adaptação, para o século XXI, de vários quadros da peça escrita a partir das crónicas de Nos Mares do Fim do Mundo. “Estamos a usar uma parte desse texto do Bernardo Santareno, que é muito denso, muito grande. Parece-me que hoje não faz muito sentido trabalhá-lo tal e qual como ele foi apresentado nos anos 50, em que a sua estreia foi uma chapada na cara da propaganda salazarista, ao retratar uma realidade na qual a morte, o sofrimento, a pulsão sexual e a violência estavam muito presentes. Mas estes temas continuam a fazer parte da experiência de quem trabalha no mar, hoje. Nas entrevistas que fiz, os momentos mais marcantes de cada viagem passam, quase sempre, por esse contacto com a morte”, explica o inglês, que vai já no seu terceiro projecto comunitário com o MMI, sempre em torno dos temas marítimos.

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Tal como Santareno no seu teatro, Pulleyn tenta procurar o universalismo nesta dramaturgia centrada numa sucessão de acontecimentos trágicos passados, exclusivamente, num navio da pesca à linha, em que os homens assumem que a sua condição os obriga a nunca se mostrarem frágeis perante a mais forte de todas as personagens, o mar. “Eles são do mar, e o sentido das suas vidas é lutar contra ele, mas se esquecermos que isto se passa na pesca do bacalhau e lermos o texto de forma simbólica, trata-se de uma metáfora: Ou temos medo da vida, ou vamos ela”, resume o actor, que despojado desta roupagem realista de O Lugre, põe homens e mulheres a reconstiituir um ambiente de “machos”, para usar a expressão do pescador verde Miguel, vítima desse machismo que olhava para os mais frágeis como excrecências e, até, portadores de má-sorte para o resto da companha.

Santareno, que chegou a exercer medicina no Gil Eannes, acabou por inspirar também parte do trabalho de pesquisa de um outro projecto que Graeme Pulleyn vem desenvolvendo, já desde Setembro, com o Teatro do Noroeste, a Fundação Gil Eannes e habitantes de Viana do Castelo, entre os quais se contam ex-trabalhadores dos estaleiros locais, nos quais o navio-hospital da chamada frota branca foi construído.  Em Anjo Branco, meia centena de actores exploram, nos interstícios do agora navio-museu, temas como a construção-naval, a dureza da pesca à linha, as desigualdades sociais, bem expostas na diferença de qualidade entre a comida que era servida à proa, no rancho dos pescadores, e a ementa a que os oficiais tinham direito, à ré, e o papel social das mulheres dos bacalhoeiros.

Anjo Branco estreia a 28 de Maio, em Viana. Em Ílhavo, O Lugre 2016 estreia uns dias antes, a 18, no Museu Marítimo. Que tem patente, desde o início de Abril, a pequena exposição Bernardo Santareno um médico na Frota Branca. Uma oportunidade para ver de perto  documentos dispersos por várias instituições, entre eles o processo da Censura sobre a peça que estreou em 1959, no Teatro Nacional Dona Maria II, e um dos vários blocos de notas usados por Bernardo Santareno nessas viagem à Terra Nova e à Gronelândia. Neste caderno, o único que chegou até nós, havia duas crónicas inéditas cuja inclusão na nova edição de Nos Mares do Fim do Mundo, acabam por ajudar, também elas, a dar a este 2016 um ar de Ano Santareno.