Alepo, laboratório das dores do mundo
Alepo sintetiza hoje a maldição da guerra síria: o trovejar das bombas e uma impiedosa carnificina
Na capa do PÚBLICO de 29 de Abril, há algo de muito terrível e ao mesmo tempo de patético na imagem da mulher esbranquiçada pela poeira dos escombros e com o rosto marcado a sangue, fotografada em Alepo durante os bombardeamentos da véspera. O seu rosto é o dos largos milhares de civis encurralados entre fogos, todos eles inimigos e impiedosos, porque não hesitam perante a presença de quem não pode defender-se nem sequer fugir. E é nestes momentos, apesar de a guerra síria já se arrastar pesada e ininterruptamente há mais de cinco anos, com um vergonhoso saldo de perdas humanas, que voltamos a pôr a Síria no mapa volátil das nossas atenções. É certo que em Genebra se têm vindo a procurar saídas, compromissos, acordos, mas também é certo que tudo isso se mostra inútil e vão, enquanto, como agora, as armas redobrarem o fogo em lugar de se remeterem ao silêncio.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Na capa do PÚBLICO de 29 de Abril, há algo de muito terrível e ao mesmo tempo de patético na imagem da mulher esbranquiçada pela poeira dos escombros e com o rosto marcado a sangue, fotografada em Alepo durante os bombardeamentos da véspera. O seu rosto é o dos largos milhares de civis encurralados entre fogos, todos eles inimigos e impiedosos, porque não hesitam perante a presença de quem não pode defender-se nem sequer fugir. E é nestes momentos, apesar de a guerra síria já se arrastar pesada e ininterruptamente há mais de cinco anos, com um vergonhoso saldo de perdas humanas, que voltamos a pôr a Síria no mapa volátil das nossas atenções. É certo que em Genebra se têm vindo a procurar saídas, compromissos, acordos, mas também é certo que tudo isso se mostra inútil e vão, enquanto, como agora, as armas redobrarem o fogo em lugar de se remeterem ao silêncio.
Só nesta semana, nesta que é segunda maior cidade de Síria, Alepo, cujo centro histórico foi classificado como património da Humanidade pela UNESCO, morreram 200 pessoas vítimas dos bombardeamentos. Antes delas, muitas outras sucumbiram. Depois delas, se nada for feito entretanto, muitas outras morrerão. Parece não haver meio-termo neste jogo terrível de submissão e conquista, onde o regime ditatorial de Assad mede diariamente forças com rebeldes apoiados pelo Ocidente (bem como pela Arábia Saudita, a Turquia e o Qatar) e fanáticos ligados à Al-Qaeda e ao autodenominado estado Islâmico. Enquanto se anuncia, gongoricamente, a proximidade da “batalha decisiva” ou a “guerra das guerras”, entre os civis tais anúncios soam como uma sentença de morte: sem terem para onde ir, sujeitos à “indiferença monstruosa de todas as partes” militares em conflito (as palavras são da ONU), o seu futuro imediato dificilmente serão outro que não uma réplica das terríveis imagens difundidas já pelas agências, num duro relato visual dos últimos dias: escombros, poeira, corpos desmembrados, gente ensanguentada errando pelas ruas sem destino algum (como a mulher da foto da capa), rostos de mágoa e desalento.
Sim, na Alepo de hoje testa-se o peso das dores do mundo, já que das glórias do passado (e terão sido muitas, a julgar pela sua história) nada ali ressoa nestes tempos de cólera. Talvez em Genebra haja esperança… Haverá? Se os habitantes de Alepo, silenciosos nas fotografias, pudessem falar, sem medo, dariam talvez voz à descrença que se lhes vê nos rostos. Ali não há sinais de esperança, mas de medo e morte, e do que vai chegando das negociações pouco resta que lhes seja útil. É no terreno, e à custa de muitas das suas vidas, que se ditará o futuro de Alepo e da Síria, com Assad a fazer finalmente o que há cinco anos queria e até agora não conseguiu: esmagar a rebelião, escorar em escombros ensanguentados o regime e perpetuar a sua ditadura com uma encenação de vitória que há-de querer ver coroada. A Rússia vai-o apoiando nesse desvario e o resto do mundo, sem ideias ou estratégia que lhe valha, assistirá a isto de cabeça baixa. Perante um país devastado e pejado de cadáveres.