PBJ: um dia talvez leia aqui a cura para o cancro
E se o artigo sobre a cura para o cancro vier, um dia, publicado na Porto Biomedical Journal? Nunca ouviu falar desta revista científica? É normal. Esta sexta-feira é lançado o primeiro número.
Dizem que é aqui que a ciência encontra o conhecimento. Citam Einstein, num vídeo publicado no YouTube, para dizer que a informação não é conhecimento. É preciso partilhá-lo. Querem divulgar ciência de uma forma totalmente livre e gratuita. Na gíria científica, defendem o que se chama de Diamond Open Access, um modelo onde a ciência é encarada com um bem comum assente no livre acesso sem custos para o autor do artigo científico ou para o leitor. Pedem o que melhor se faz no Porto, em Portugal e no resto do mundo. Estão abertos a conteúdos de biomedicina, ou seja, da medicina à bioengenharia, passando pela genética e outros. Apostam na internacionalização. Para já, o que têm nas mãos é um primeiro número cheio de ambição da revista científica Porto Biomedical Journal (PBJ), que é apresentada esta sexta-feira, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
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Dizem que é aqui que a ciência encontra o conhecimento. Citam Einstein, num vídeo publicado no YouTube, para dizer que a informação não é conhecimento. É preciso partilhá-lo. Querem divulgar ciência de uma forma totalmente livre e gratuita. Na gíria científica, defendem o que se chama de Diamond Open Access, um modelo onde a ciência é encarada com um bem comum assente no livre acesso sem custos para o autor do artigo científico ou para o leitor. Pedem o que melhor se faz no Porto, em Portugal e no resto do mundo. Estão abertos a conteúdos de biomedicina, ou seja, da medicina à bioengenharia, passando pela genética e outros. Apostam na internacionalização. Para já, o que têm nas mãos é um primeiro número cheio de ambição da revista científica Porto Biomedical Journal (PBJ), que é apresentada esta sexta-feira, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
É demasiado cedo para adivinhar o sucesso ou fracasso da PBJ. É também excessivo e prematuro depositar aqui expectativas do tamanho imensurável de uma cura para o cancro. Mas este parece ser o tamanho de o entusiasmo de João Madureira, um dos elementos da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto que é responsável por este projecto e que, para já, arranca com o apoio da direcção desta faculdade e da administração do Centro Hospitalar de São João.
A Porto Biomedical Journal é uma revista online, bimensal, associada à célebre editora científica Elsevier, aberta a todos os investigadores da área da biomedicina, independentemente da sua origem. O único critério para a publicação de artigos é a sua qualidade, assegurada por um painel internacional de peritos de várias áreas. Excepcionalmente, o primeiro número terá uma edição impressa de 7500 exemplares, uma versão em papel que só será repetida por motivos de força maior.
Nesta “nova plataforma para partilhar ciência” só se fala e escreve em inglês. O quadro editorial tem nomes conhecidos da “praça médica e científica”, desde o actual secretário de Estado Adjunto da Saúde e médico no Hospital de São João, Fernando Araújo, até ao jovem investigador Tiago Reis Marques, a trabalhar no Reino Unido. No total são 75 editores portugueses e estrangeiros “de topo” que trabalham em 20 países. Se o mundo está representado, o país também está com peritos de várias áreas das universidades de Coimbra, Lisboa, Aveiro, Minho. E Porto, claro. O conselho consultivo tem também uma lista de personalidades de reconhecido mérito nesta comunidade, entre os quais o incontornável investigador Sobrinho Simões, a cientista Maria do Carmo Fonseca ou o epidemiologista Henrique Barros, que durante alguns anos esteve à frente da Comissão Nacional de Luta contra a Sida, entre outros.
João Madureira é o ilustre jovem desconhecido que surge no cargo de director-executivo da PBJ. Nascido em 1992, este estudante do 6.º ano de medicina vai agora ser o responsável pelo arquivo da desactualizada publicação Arquivos de Medicina, que a faculdade e o centro hospitalar publicavam desde 1987, ainda João Madureira não era gente. Aliás, esta será terceira geração de uma publicação da FMUP, tendo em conta que os Arquivos de Medicina vieram, por sua vez, substituir os Arquivos de Clínica Médica iniciados em 1925.
“O paradigma da comunicação da ciência evoluiu muito. Temos a Internet, temos acesso a revistas com edições ‘online’ de outros países, temos novas e melhoras formas de comunicar ciência e a Arquivos de Medicina não acompanhou esta evolução e estava em declínio”, constata o director-executivo, recordando que a PBJ começou a ser lançada no final de 2014. “O que temos agora é uma publicação científica de qualidade com potencial de internacionalização”, garante, argumentando que não lhe faltará matéria-prima de excelente qualidade num nível mais local (com o pólo de ciência da saúde no Porto, com o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, ou I3S, entre outros) mas também a nível nacional. E internacional, claro.
Quanto ao nome da revista, João Madureira faz questão de sublinhar que Porto é o nome de uma cidade mas também é uma palavra que remete para um local de chegada, “um porto de encontro”. No total, a equipa que assegura a PBJ conta com 12 alunos de medicina que recorreram a vários especialistas para desenhar a edição online, o grafismo da edição impressa ou para fazer o vídeo apelativo que já foi publicado no YouTube sobre a revista. Não querem ser só “mais uma revista”.
E há algumas. É difícil perceber precisamente quantas porque não existe em Portugal nenhuma base de dados oficial. “Já tentámos fazer esse trabalho e em 2012 apresentámos alguns dados, mas não sabemos quantas existem hoje”, admite Eloy Rodrigues, director dos Serviços de Documentação na Universidade do Minho. Antes de mais, Eloy Rodrigues dá as boas-vindas ao novo projecto e adivinha um percurso difícil não tanto pela “concorrência” mas mais pelo percurso que é necessário até a afirmação do projecto.
Mas vamos primeiro à concorrência: segundo Eloy Rodrigues, se tivermos em conta os números da UlrichsWeb (uma das bases de dados reconhecidas nesta área), em 2012 existiam em Portugal 45 revistas científicas ou académicas com acesso aberto e revisão científica pelos pares, uma forma de garantir a qualidade. A mesma fonte aponta para a existência nesta altura de 410 publicações sem revisão científica. O número tem vindo a crescer.
O director do Serviços de Documentação da Universidade do Minho adianta ainda que o Directory of Open Access Journals (que reúne informação de milhares de revistas de acesso aberto em todo o mundo) refere a existência de 93 publicações científicas em Portugal, dez delas na área da medicina. Uma é a conhecida Acta Médica Portuguesa, editada online pela Ordem dos Médicos (OM). “Precisamos mais ainda. Quantas mais melhor”, reage o bastonário da OM, José Manuel Silva, recusando a encarar a PBJ como concorrência. E sobre estes novos tempos que trazem novos projectos, o médico faz questão de adiantar que também a Acta Médica está a preparar algumas mudanças, devendo passar de seis edições por ano para uma periodicidade mensal e a ter uma tiragem reduzida (cerca de 5000 exemplares) em papel.
À procura de impacto
Mas há algo importante que a Acta Médica – e também a revista da Sociedade Portuguesa de Pneumologia – já tem, que é o que se chama um “factor de impacto”. E aqui entramos no campo do tal percurso de afirmação.
Para já, a PBJ não tem qualquer factor de impacto. O que é isso? De forma simples, é o “valor” atribuído a uma revista tendo em conta um cálculo feito a partir do número de citações que os artigos publicados conseguem obter noutros artigos científicos. Algo que demora anos a conseguir. A Science e a Nature, por exemplo, registaram na edição de 2014 do Journal Citation Report um factor de impacto de 33,61 e 41,456, respectivamente.
Continuando num exercício de comparação – apesar de já ter conquistado um factor de impacto, o que por si só é meritório –, a Acta Médica não chega ao 1 e a Revista Portuguesa de Pneumologia tem 1,167.
Mas afinal para que é que isso importa? Quer em termos de currículo quer mais como um meio de ter poder negocial na obtenção de financiamento, importa saber se os investigadores publicaram em revistas com um factor de impacto elevado. E, por isso, é nessas que eles querem publicar. O que necessariamente cria um circuito muito fechado e um problema de pescadinha de rabo na boca. Como então convencer um investigador a publicar um artigo importante na PBJ, que, para já, não tem qualquer factor de impacto para dar como “valor acrescentado” ao autor? E, já agora, como é que a PBJ consegue conquistar um factor de impacto se não tiver artigos relevantes e “citáveis”?
“Vamos ter de confiar no poder da estratégia do nosso valioso corpo editorial. Tal como estes especialistas foram convidados a integrar este projecto, agora eles vão convencer os seus colegas que estão envolvidos em trabalhos muito relevantes a publicar nesta revista”, acredita o editor-chefe da PBJ, André Moreira, que é professor da FMUP.
É na página do corpo editorial da revista que está o principal trunfo desta publicação, defende André Moreira, que espera, no prazo de quatro anos, chegar a um factor de impacto mensurável na ordem dos 0,5. Todos os artigos, confirma, são revistos por três editores ou revisores num processo “duplamente cego” em que o revisor não sabe quem escreveu o artigo e o autor não sabe quem faz a revisão.
Mas esta não é a única ambição da PBJ. Uma das grandes conquistas será conseguir que seja aceite a candidatura da indexação à PubMed/Medline (da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos) e à SciELO (biblioteca científica online criada no Brasil), juntando-se às que já conseguiram junto da Science Direct e da Scopus (ambas da Elsevier) e que garantem que os artigos publicados são disponibilizados e partilhados nestas bases de dados mundiais.
Além disso, André Moreira está consciente de que “ficar preso à ideia de um projecto regional do Porto” é um risco mas é também um desafio. Nem sequer querem ser apenas nacionais, o objectivo é mesmo, insiste o editor-chefe, a internacionalização. E, mais uma vez, exibe o trunfo da PBJ apontando para o quadro editorial da revista com representantes de várias áreas e de vários países. “Queremos que cada número seja o mais representativo possível de áreas geográficas e temas tratados”, refere.
Com o 1º número da PBJ ficamos a saber mais sobre a perigosa relação entre a infecção pela bactéria Helicobacter pylori e o cancro gástrico, sobre o uso de probióticos no controlo da obesidade, sobre o papel dos metais pesados no desenvolvimento do carcinoma renal, sobre uma variante genética associada à perda auditiva, sobre o comportamento obsessivo-compulsivo como moderador em casos de depressão e ansiedade e ainda sobre a plataforma de “software” para análise de informação médica chamada HVITAL (criada pelo Centro Hospitalar do São João) como suporte da decisão clínica e instrumento de gestão no hospital.
Entretanto, diz-nos André Moreira, já foram submetidos artigos para o segundo e terceiro número da PBJ. E, um dia quem sabe, será possível chegar tão longe que será na PBJ que vamos ler sobre a cura para o cancro? André Moreira não hesita um segundo na resposta: “É perfeitamente possível que isso aconteça.” Se a PBJ não der certo, não será por falta de ambição.