Zonas do cérebro associadas às palavras e aos seus significados
Nasceu o primeiro atlas semântico do cérebro. Para surpresa dos cientistas, os dois hemisférios parecem ter a mesma importância na atribuição de significado às palavras. Investigação pode vir a ajudar à comunicação com pessoas imobilizadas que não falam.
Com as palavras, os humanos puderam dar nomes às coisas, facilitando muito a comunicação. Mas ainda não se sabe como o cérebro associa o som “caneca” ao conceito de um recipiente cilíndrico, mais alto do que baixo, com uma asa, e que se enche de líquidos para se beber. Ou seja, como se atinge o significado das palavras – a semântica. Os cientistas deram agora um passo nessa direcção, ligando as palavras à anatomia do cérebro. Para isso, pediram a voluntários para ouvir um podcast enquanto uma máquina que obtém imagens por ressonância magnética ia medindo a sua actividade cerebral, visualizando as áreas do cérebro que se activavam para cada palavra. Os resultados, publicados nesta quinta-feira na edição da revista científica Nature, permitiram criar o primeiro atlas semântico do cérebro.
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Com as palavras, os humanos puderam dar nomes às coisas, facilitando muito a comunicação. Mas ainda não se sabe como o cérebro associa o som “caneca” ao conceito de um recipiente cilíndrico, mais alto do que baixo, com uma asa, e que se enche de líquidos para se beber. Ou seja, como se atinge o significado das palavras – a semântica. Os cientistas deram agora um passo nessa direcção, ligando as palavras à anatomia do cérebro. Para isso, pediram a voluntários para ouvir um podcast enquanto uma máquina que obtém imagens por ressonância magnética ia medindo a sua actividade cerebral, visualizando as áreas do cérebro que se activavam para cada palavra. Os resultados, publicados nesta quinta-feira na edição da revista científica Nature, permitiram criar o primeiro atlas semântico do cérebro.
“Uma das descobertas mais importantes foi que cada conceito semântico está representado em múltiplas áreas do cérebro, e que cada área do cérebro representa múltiplos conceitos semânticos”, diz ao PÚBLICO Jack Gallant, líder da equipa, da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos. “Uma das razões para que cada conceito seja representado em vários locais poderá ser que esses locais estão ligados a diferentes tipos de memórias.”
Veja-se “carro”: uma das áreas do cérebro activadas por esta palavra também se activava com as palavras “passageiro”, “milhas”, “parqueamento”, “horas” e “estrada”, conceitos ligados directamente ao universo da condução. Mas outra parte do cérebro activada pela palavra “carro” estava associada ao universo da segurança – onde este veículo pode ser um elemento importante –, sendo activada por palavras como “xerife”, “polícia”, “homens”, “prisão”, “detido” e “posto”. Uma terceira área, também activada por “carro”, estava associada às palavras “parque”, “lar”, “motel”, “hotel”, “apartamento”, “garagem”, “estrada”, “centro da cidade”, remetendo-nos para uma geografia urbana de lugares onde se chega de carro.
Não se sabe como é que este tipo de organização de conceitos surgiu no cérebro. “Terá de haver uma associação muito estreita na forma como as redes [de neurónios] se formam e a função do cérebro. Por isso, é provável que estes mapas funcionais reflictam a complexidade das redes subjacentes e da forma como a informação está organizada”, diz-nos Jack Gallant. De qualquer forma, não se pode tomar o atlas como universal. “Os mapas que vimos são incrivelmente consistentes entre os voluntários. Mas estes eram todos nativos na língua inglesa. Os mapas poderão ser diferentes para outras linguagens, ou para diferentes culturas.”
Um universo de 985 palavras
Para se chegar a este mapa, cada um dos sete voluntários ouviu um segmento de mais de duas horas do podcast The Moth Radio Hour. O programa tinha entre 3000 e 4000 palavras diferentes, mas os cientistas trabalharam com um universo mais pequeno de 985 palavras, constituído maioritariamente por substantivos e verbos.
“Usámos um estímulo de uma história porque queríamos mapear a escala completa dos conceitos semânticos num único estudo”, explicam os cientistas, num texto de perguntas e respostas disponibilizado aos jornalistas. Ao mesmo tempo que ouviam as histórias, o aparelho que obtém imagens por ressonância magnética ia medindo o aumento na oxigenação do sangue, no fluxo sanguíneo e no volume do sangue nas várias áreas do cérebro. Estas alterações estão associadas a uma maior actividade cerebral.
Depois, os cientistas associaram sons de palavras com a actividade específica de áreas do cérebro, e fizeram um modelo desta ligação. Com este modelo, a equipa tentou antecipar como iria o cérebro dos voluntários reagir quando ouvissem uma nova história com as mesmas palavras. E foram bem-sucedidos, mostrando que o modelo antecipou correctamente os lugares activados no cérebro ao longo da nova história.
Ao contrário do que se pensava, tanto o hemisfério esquerdo como o hemisfério direito do cérebro estão envolvidos na actividade de atribuir significado às palavras. Até agora, os cientistas associavam a linguagem ao hemisfério esquerdo, num processo chamado de lateralização.
Para Jack Gallant, a lateralização poderá ser importante no que diz respeito à produção de linguagem, que envolve regras específicas que a sintaxe estuda. Mas quando se está a avaliar a compreensão das palavras no cérebro, então tudo aponta para que os dois hemisférios trabalhem em conjunto.
Apesar de haver diferenças entre as respostas dos voluntários, as semelhanças entre eles eram tantas que os cientistas puderam produzir o tal mapa semântico do cérebro, usando técnicas estatísticas para simplificar os milhares de dados obtidos. O atlas pode ser consultado na página virtual http://gallantlab.org/huth2016.
Agora, além de testar se o mapa é universal para pessoas de outras línguas e de outras culturas, há outras questões que precisam de resposta. Será que se obteria o mesmo mapa semântico se os voluntários estivessem a ler as histórias em vez de as ouvir? E se ouvissem a mesma história mas noutra língua?
A equipa antecipa que esta linha de investigação poderá vir a ser usada para descodificar, a partir de imagens de ressonância magnética, o que uma pessoa está a ver, a ouvir, a ler ou até a pensar. Os avanços poderão também ser importantes na medicina, defendem os cientistas: “Um descodificador de linguagem pode ter um valor incalculável para indivíduos com problemas de comunicação como na esclerose lateral amiotrófica e na síndrome do encarceramento [em que os doentes só conseguem piscar os olhos].”