O espetáculo de Dilma

Gostamos de ver enforcamentos e pessoas queimadas em praças públicas. É o espetáculo do castigo, da justiça, da hombridade

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Ueslei Marcelino/Reuters

Amamos o teatro. As lágrimas a escorrer pelas faces, as veias palpitantes pelo esforço do discurso. Somos conquistados pela espetacularidade dos gestos e pelo volume dos gritos. Seremos arrebatados pelo fragor da desgraça e pela gargalhada da humilhação. Cai Dilma Rousseff por detrás das cortinas do palco. Cortinas espessas, de veludo, opacas e pesadas. É o fardo da derrota, da vergonha de ser rotulada como injusta, corrupta e imoral. Mas estaremos nós a refletir sobre a alegada impudicícia ou sobre a forma como o dominó foi derrubado?

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Amamos o teatro. As lágrimas a escorrer pelas faces, as veias palpitantes pelo esforço do discurso. Somos conquistados pela espetacularidade dos gestos e pelo volume dos gritos. Seremos arrebatados pelo fragor da desgraça e pela gargalhada da humilhação. Cai Dilma Rousseff por detrás das cortinas do palco. Cortinas espessas, de veludo, opacas e pesadas. É o fardo da derrota, da vergonha de ser rotulada como injusta, corrupta e imoral. Mas estaremos nós a refletir sobre a alegada impudicícia ou sobre a forma como o dominó foi derrubado?

Importa mais a forma como somos persuadidos. O "impeachment" de Dilma passou de ser um acontecimento político e histórico, com repercussões graves, para ser um episódio de um "reality show". Ouviram-se “Sim, sim, sim, sim”, ouviram-se gritos e choros a dizer “tchau, querida”, murmúrios de desespero e suspiros de alívio. Tudo filmado e transmitido em direto, ao vivo e a cores. Quem não se deixa levar por estes alvoroços? Mais do que uma crise político-social no Brasil, este caso levantou questões e ondas de revolta em várias partes do mundo. Pelo peso democrático, cultural e económico que terá mas, sobretudo, pelo espetáculo. Quem não ia ver foi obrigado a assistir, quem decidiu ignorar foi conquistado pelo "show".

Dilma Rousseff conquista agora vários minutos de fama. Mais do que os quinze do Warhol. Terá vinte e cinco, ou trinta. Mais do que isso é esticar a corda. Mais do que isso deixa de apetecer, porque a plateia gosta da renovação da polémica. Esta produção teve muito orçamento. Foi bem preparada e teve tudo a postos na hora da estreia. Os melhores cenários, os melhores protagonistas, o melhor argumento e a melhor projeção. Os figurantes brilham neste espetáculo. Dão tudo de si para transmitirem as suas ideias, as suas emoções e os seus desesperos. O nosso papel é escolher um herói e um vilão. Dilma Rousseff tornou-se uma anti-heroína. Dona da verdade ou personificação da impostura, esta é a mulher que protagoniza o espetáculo.

Chegamos a um momento em que a veracidade, a lealdade e a fidelidade dos factos pouco contam. O herói desta história será quem conquistar mais corações, quem arrancar mais lágrimas e arrasar sistemas nervosos. Ainda não sabemos quem é: estamos em processo de decisão. Faltam os próximos episódios. Mas num processo que se delinearia como jurídico, político e histórico importa menos a credibilidade do que a factualidade. Somos conquistados pelo drama. Compramos os bilhetes para o espetáculo com a reputação mais credível.

A opinião de todos foi toldado pelo drama construído e comunicado pelos media sociais. Dão voltas e voltas e transformam cem em mil. É isso que nós ansiamos, que esperamos assistir e nos debruçamos diariamente. Gostamos da desgraça dos outros, da desesperança, da tristeza e dos gritos. Numa tentativa de assimilar e analisar a situação no Brasil vale mais ver o espetáculo que vendeu mais bilhetes. A surdez e a cegueira que afetam os indivíduos em todo o mundo só levam a pensar que a condição humana regride muitas vezes à não-animalidade. Gostamos de ver enforcamentos e pessoas queimadas em praças públicas. É o espetáculo do castigo, da justiça, da hombridade. Não interessa a credibilidade quando o que queremos ver são as barracas montadas. A análise profunda, a credibilidade e a justiça passaram para segundo plano quando o espetáculo falou mais alto. Não podemos analisar calmamente este caso Rousseff quando o ruído em volta é tão grande.

A credibilidade perde-se no meio da fama, do proveito e do respeito. A verdade é relativa e a autenticidade é subjetiva. Interessa o primeiro lugar na fila. Quando Rousseff se tornou uma anti-heroína pensamos em odiá-lo ou amá-la. Triste é pensar que a veracidade é ocultada pela dramaturgia. A vida é um espetáculo e Dilma é, durante este episódio a nossa protagonista. Odiámos ou amamos, desde que nos convençam com grande teatralidade que o que interessa são as personas e nãos as pessoas. Amamos a teatralidade e deixamos que este amor nos tape o discernimento. Perda de uns e vitória de outros. Escolheremos quem melhor arrebatar a nossa razão. Ou, pelo menos deveria ser assim, mas não é. Amamos a teatralidade.