Placas toponímicas do Porto: uniformização e coerência
Em inúmeras ruas do Porto, as antigas placas envergonham frequentemente as novas em termos de legibilidade. Este não é um problema de óbvia nem rápida solução, mas antes um desafio
As placas toponímicas da cidade do Porto foram uniformizadas em 2004 pelo pintor e designer gráfico Armando Alves. Propunham-se resolver o problema da quantidade de diferentes placas históricas espalhadas pelo município, substituir as degradadas e definir um modelo que pudesse ser aplicado em novas ruas. Design é sinónimo de produção e só muito raramente de conservação. Mas conservar e eliminar também são actos de design. Um projecto de substituição de placas toponímicas de uma cidade antiga tem sempre que considerar duas dimensões: histórica e funcional. A primeira deve significar um estudo cuidadoso e detalhado do valor histórico, simbólico e formal de cada placa e respectivo local. A segunda prende-se necessariamente com legibilidade tipográfica, optimização de recursos, longevidade e sustentabilidade dos materiais utilizados. No entanto, e porque muitas placas antigas da cidade do Porto convivem hoje lado a lado com as novas, é possível perceber que as duas dimensões receberam diferente atenção.
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As placas toponímicas da cidade do Porto foram uniformizadas em 2004 pelo pintor e designer gráfico Armando Alves. Propunham-se resolver o problema da quantidade de diferentes placas históricas espalhadas pelo município, substituir as degradadas e definir um modelo que pudesse ser aplicado em novas ruas. Design é sinónimo de produção e só muito raramente de conservação. Mas conservar e eliminar também são actos de design. Um projecto de substituição de placas toponímicas de uma cidade antiga tem sempre que considerar duas dimensões: histórica e funcional. A primeira deve significar um estudo cuidadoso e detalhado do valor histórico, simbólico e formal de cada placa e respectivo local. A segunda prende-se necessariamente com legibilidade tipográfica, optimização de recursos, longevidade e sustentabilidade dos materiais utilizados. No entanto, e porque muitas placas antigas da cidade do Porto convivem hoje lado a lado com as novas, é possível perceber que as duas dimensões receberam diferente atenção.
No princípio dos anos 60, os designers britânicos Margaret Calvert e Jock Kinneir desenharam dois tipos de letra ("Transport" e "Motorway") e toda a sinalética para uma auto-estrada britânica, baseados na influente "Akzidenz Grotesk". Estes iriam ser alargados a todo o país e tornarem-se referências tipográficas incontornáveis para o mundo ocidental. Mas neste processo, Calvert e Kinneir encontraram resistência, nomeadamente à abolição de palavras em maiúsculas, em especial de nomes de cidades. Através de longos testes num parque subterrâneo no Hyde Park, experimentando vários fundos, contraste de cores e obstáculos tais como árvores, foi possível avaliar com rigor os ajustes e espaçamentos tipográficos necessários de forma a garantir a melhor legibilidade possível. O olho humano reconhece mais rapidamente a forma e especificidade da palavra através do uso de minúsculas e maiúsculas do que uma palavra exclusivamente em maiúsculas. Como foi possível comprovar ao longo das décadas, em particular para condutores com mais idade, este tipo de preocupação poupa milissegundos, ou até mesmo segundos, que são fundamentais na estrada, reduzindo assim efectivamente o risco de acidentes. Este exemplo serve para ilustrar a importância dos níveis de atenção prestados ao design tipográfico e as suas consequências.
Portugal é um país de enorme riqueza em termos de placas toponímicas, precisamente pela sua diversidade histórica e formal. Em Lisboa, por exemplo, a Assembleia Municipal fez um levantamento dos diferentes tipos de placas, estabelecendo critérios e mantendo a integridade de diferentes bairros típicos ou arruamentos da Baixa Pombalina. Excluindo exemplares únicos ou customizados, é possível distinguir presentemente sete tipologias recorrentes no município. Desde letreiros pintados directamente na parede, placas de cantaria de lioz até aos tradicionais azulejos muitas vezes decorados e com letras azuis sobre fundo branco, a coerência existe precisamente devido ao respeito pela história e pela diversidade.
Procurando resolver o caos de placas na cidade do Porto sublinhado por uma variedade de períodos históricos, a Comissão de Toponímia, presidida por Miguel Veiga e cujo projecto foi coordenado por Maria Alexandra Rodrigues, integrou importante informação história nas novas placas. Descrições das personalidades que dão nomes a ruas ou até mesmo nomes anteriores destas estão presentes nas novas placas. Estes são gestos relevantes pois alterações de nomes, como explica o historiador Hélder Pacheco, podem rapidamente eliminar séculos de história e tradição como a mudança das Escadas da Sinagoga para Escadas da Vitória durante o Estado Novo. Mas, o cuidado dado à história de toponímia portuense não teve igual atenção no design das placas. O primeiro erro, grave, foi a opção do negativo (branco sobre verde), em vez de positivo. É muito mais difícil ler sobre fundo negativo do que positivo, e num objecto de design que deve poder ser lido rapidamente esta opção é questionável. Em segundo lugar, e a adicionar ao uso exclusivo de maiúsculas em tamanho reduzido, foi escolhido um tipo de letra condensado e de forma esguia, o que torna as maiúsculas já de difícil leitura ainda mais complicadas de se lerem. Finalmente, a relevante informação histórica complementar surge em amarelo sobre fundo verde, que é ainda mais tortuosa de ler do que se fosse revelada em branco.
É por estas razões que em inúmeras ruas do Porto as antigas placas envergonham frequentemente as novas em termos de legibilidade. Este não é necessariamente um problema de óbvia nem rápida solução, mas antes um desafio. E o desafio que tem a Câmara Municipal do Porto é dissecar retrospectivamente a diferença entre uniformização e coerência. Por outras palavras, é ter a capacidade de construir uma coerência feita de diversidade histórica, sem sacrificar o funcionalismo que foi amplamente ignorado num processo que afecta diariamente a vida de habitantes e visitantes da cidade. O desafio é eliminar o novo onde apropriado e conservar ou requalificar o antigo enquanto acto de design. É analisar, questionar e testar antes de continuar a uniformizar.