Detenção de refugiados na Papuásia-Nova Guiné é inconstitucional
Requerentes de asilo e refugiados que tentam chegar à Austrália são interceptados no mar e enviados para um campo de detenção na ilha de Manus. Organizações de defesa dos direitos humanos acusam a Austrália de violar a lei internacional.
A detenção de requerentes de asilo e de refugiados na ilha de Manus, na Papuásia-Nova Guiné, foi considerada inconstitucional esta segunda-feira pelo Supremo Tribunal do país. Os cinco juízes consideraram que o encarceramento viola a liberdade individual, e nesse sentido ordenou que os governos da Papuásia-Nova Guiné e da Austrália comecem imediatamente a tomar medidas para terminar as detenções na ilha.
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A detenção de requerentes de asilo e de refugiados na ilha de Manus, na Papuásia-Nova Guiné, foi considerada inconstitucional esta segunda-feira pelo Supremo Tribunal do país. Os cinco juízes consideraram que o encarceramento viola a liberdade individual, e nesse sentido ordenou que os governos da Papuásia-Nova Guiné e da Austrália comecem imediatamente a tomar medidas para terminar as detenções na ilha.
De acordo com a controversa lei da imigração na Austrália, todos os migrantes que sejam interceptados a tentar chegar ao país de barco são enviados para os campos de detenção nas ilhas de Nauru e de Manus. Estas pessoas, maioritariamente provenientes do Médio Oriente e do Sul da Ásia, nomeadamente de países como o Afeganistão, o Sri Lanka, Iraque, Irão ou Birmânia, são excluídas da possibilidade de serem colocadas na Austrália, o que tem levado as Nações Unidas e vários grupos de defesa dos direitos humanos a criticarem a dura política de asilo australiana.
Apesar da decisão do Supremo Tribunal da Papuásia-Nova Guiné, o ministro da Imigração australiano, Peter Dutton, disse num comunicado que a política de detenção no seu país não vai mudar. “A decisão não altera as políticas de protecção de fronteira da Austrália – elas permanecem inalteradas”, afirmou. “Aqueles que estão no centro de detenção na ilha de Manus e que reúnam as condições para serem refugiados têm a possibilidade de se restabelecerem na Papuásia-Nova Guiné. Os que não reúnam essas condições devem regressar aos seus países de origem”.
Na decisão, os juízes consideraram que os requerentes de asilo não têm qualquer intenção de entrar ou permanecer na Papuásia-Nova Guiné, uma vez que o seu objectivo é chegar à Austrália. Nesse sentido, como são enviados contra a sua própria vontade para a ilha de Manus, esta detenção é considerada ilegal. “Foram os esforços conjuntos dos governos da Austrália e da Papuásia-Nova Guiné que fizeram com que os requerentes de asilo ficassem, contra a sua vontade, no centro de detenção da ilha de Manus. Estes acordos estão fora do quadro legal e constitucional da Papuásia-Nova Guiné. As chegadas e detenções forçadas dos requerentes de asilo são inconstitucionais e, como tal, ilegais”.
A Constituição da Papuásia-Nova Guiné garante a liberdade individual para todas as pessoas, excepto em casos relacionados com crime e imigração ilegal. Em 2014, o Governo do país fez uma emenda constitucional, acrescentando um parágrafo que estipula que um cidadão estrangeiro possa ser detido no âmbito de um acordo com outro país. No entanto, o Supremo Tribunal decretou que esta emenda é inconstitucional, uma vez que não respeita os “direitos e a dignidade da humanidade”. Desta forma, a situação de imigração ilegal não se aplica aos requerentes de asilo e refugiados que chegam à Papuásia-Nova Guiné, uma vez que esta é feita contra a sua vontade.
A directora da Human Rights Watch na Austrália, Elaine Pearson, considerou a decisão do tribunal uma “grande vitória”. “O Supremo Tribunal da Papuásia-Nova Guiné reconheceu que a detenção de pessoas que não cometeram nenhum crime é errada. Para essas pessoas, o seu único erro foi tentar procurar abrigo na Austrália. Estas pessoas não merecem anos no limbo, trancadas numa prisão numa ilha remota”, afirmou Pearson, citada pelo The Guardian.
O centro de detenção na ilha de Manus abriu em 2001, na sequência de um acordo estabelecido entre os governos da Austrália e da Papuásia-Nova Guiné. O centro foi formalmente encerrado em 2008, mas foi reaberto em 2012. Actualmente estão detidas cerca de 850 pessoas na ilha.
Em 2014, uma pessoa morreu e dezenas ficaram feridas na sequência de um motim que surgiu depois de um grupo de detidos ter escapado temporariamente do centro de detenção. Na sequência disso, um grupo de refugiados iniciou um protesto, que resultou em violentos confrontos entre os refugiados na ilha.
As condições nos centros de detenção nas ilhas da Papuásia-Nova Guiné têm merecido duras críticas por parte das Nações Unidas e de várias organizações internacionais, que denunciam casos de violência e de degradação dos direitos humanos, registando-se vários casos de pessoas que estão em greve de fome ou que tentam suicidar-se.
Estas organizações têm acusado a Austrália de violar a lei internacional, uma vez que depois de os barcos com migrantes serem interceptados muitos deles acabam por regressar ao seu país de origem, de onde procuraram escapar de situações de violência ou perseguição – e onde acabam por enfrentar duras punições por terem tentado fugir. Para além disso, muitas destas pessoas pagam enormes quantias de dinheiro a traficantes na sua ambição de chegar à Austrália. Muitas acabam por morrer na travessia, perante os perigos e condições vulneráveis da viagem.
Num relatório publicado em Outubro do ano passado pela Amnistia Internacional, esta organização denuncia os maus tratos que os detidos sofrem na ilha de Manus, e acusam responsáveis australianos de pagarem a contrabandistas para transportarem imigrantes em condições deploráveis.
Corrigido às 22h20 para eliminar uma gralha: o centro de detenção da ilha de Manus abriu em 2001 e não 2011.
Texto editado por Rita Siza