Mona Lisa é andrógina? Faz sentido
Nova teoria defende que Leonardo da Vinci terá baseado o mais famoso retrato da história de arte nos rostos de um homem e de uma mulher: Salai, seu discípulo e amante, e Lisa Gherardini, que os arqueólogos procuram há anos.
Não deve haver no mundo pintura mais estudada do que Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Nem mais debatida. São, por isso, comuns as teorias acerca da obra que o mestre da Renascença quis conservar consigo até ao fim. E algumas delas bem estapafúrdias.
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Não deve haver no mundo pintura mais estudada do que Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Nem mais debatida. São, por isso, comuns as teorias acerca da obra que o mestre da Renascença quis conservar consigo até ao fim. E algumas delas bem estapafúrdias.
A mais recente garante que a mulher que vemos representada na pintura é o resultado da junção de dois modelos: Lisa Gherardini, casada com o rico mercador florentino Francesco del Giocondo, e Gian Giacomo Caprotti, conhecido como Salai ou Pequeno Diabo, um dos aprendizes que o pintor terá escolhido para seu amante. Quem a defende é Silvano Vinceti, o investigador que lidera o Comité Nacional para a Promoção do Património Histórico e Cultural italiano, o homem que está também à frente de uma equipa de arqueólogos e cientistas forenses que há quatro anos escava o Convento de Santa Úrsula, em Florença, na tentativa de encontrar os restos mortais de Lisa.
A mulher de Francesco del Giocondo tem sido dada, até aqui, como a mais provável modelo do retrato de Leonardo – é o seu nome que consta, aliás, na legenda que está na parede do Museu do Louvre, a cuja colecção pertence – e também não é a primeira vez que Salai aparece a ele associado. A novidade aqui reside na combinação dos dois pretensos modelos.
Vinceti, que expôs recentemente a sua nova teoria sobre as figuras por trás de Mona Lisa, não afasta também a possibilidade de a figura feminina ser Beatrice D’Este, nobre italiana casada com Ludovico Sforza, duque de Milão e grande mecenas, em cuja corte Leonardo da Vinci (1452-1519) trabalhou no final do século XV (Beatrice é, aliás, associada a outras pinturas do mestre). É que este investigador acredita que o artista poderá ter começado a pintar o célebre retrato ainda na década de 1490 e não em 1503, como é comumente aceite.
O investigador italiano baseia estas conclusões numa análise detalhada de dados recolhidos com tecnologia de infravermelhos, que permite aceder ao que está por baixo da camada visível, a da pintura. E o que se vê nessa camada escondida, explicou Vinceti à agência de notícias Reuters, é que a mulher retratada “não está a sorrir e alegre, mas melancólica e triste”.
Com as imagens de infravermelhos - Mona Lisa parece estar constantemente a ser objecto deste tipo de estudos que, apesar de não invasivos, são muito contestados por conservadores-restauradores preocupados com a integridade da pintura – Vinceti fez uma análise comparativa com outras obras em que, acreditam alguns especialistas, Salai foi o modelo. Obras como a pintura São João Baptista (1513) e o desenho Anjo Encarnado (1513-1515). “A Mona Lisa é andrógina – meio homem, meio mulher”, disse o historiador, citado pelos jornais britânicos The Independent e The Telegraph, explicando que encontrou semelhanças surpreendentes entre estas obras e o retrato do Louvre, sobretudo no nariz, na testa e no célebre sorriso, ao qual costumam associar-se adjectivos como misterioso e enigmático.
Para pintar Mona Lisa Leonardo “usou dois modelos e acrescentou-lhes pormenores criativos vindos da sua própria imaginação”, explicou Silvano Vinceti, argumentando que este método se encaixa perfeitamente no seu “fascínio duradouro” pela androginia: “Por outras palavras, para Leonardo a pessoa perfeita era a combinação de um homem e de uma mulher.”
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Esta teoria é uma "mixórdia"
Como é natural nestes casos, Vinceti enfrenta agora outros historiadores de arte prontos a desafiar a sua teoria ou dispostos a pô-la completamente de lado, sem sequer direito a defesa. É o caso de Martin Kemp, um dos maiores especialistas na vida e obra de Leonardo. Para este professor do Trinity College, em Oxford, com vários livros e textos publicados sobre o mestre renascentista, o que o italiano defende não passa de “uma mixórdia de coisas que se sabe, coisas que se sabe mais ou menos e [coisas que são produto de] uma fantasia total”.
Para substanciar a sua aversão à ideia de Vinceti, Kemp lembra que muito pouco se conhece da verdadeira aparência do discípulo do artista e defende que “as imagens de infravermelhos nada fazem para sustentar a ideia de que Leonardo pintou, de alguma forma, uma mistura de Lisa Gherardini e Salai”.
Salai entrou para a oficina de Leonardo da Vinci como aprendiz por volta de 1490, quando tinha apenas dez anos, e nela permaneceu duas décadas, período no qual, acreditam muitos historiadores, mestre e discípulo terão sido amantes. Giorgio Vasari, biógrafo dos pintores do Renascimento e seu contemporâneo, descreve este aprendiz como um rapaz bonito de cabelo encaracolado, um tipo comum na época. Tão comum, sublinha o professor de Oxford, que aparece representado na pintura do mestre muito antes de o Pequeno Diabo entrar na sua vida. Pietro Marani, outro especialista, disse à agência noticiosa francesa, AFP, que a nova teoria simplesmente “não tem fundamento”.
Leonardo teve vários discípulos ao longo da vida e embora haja quem defenda que o protegia, desculpando-lhe até traições e roubos, Salai não estava entre os que considerava mais talentosos.
Teorias sobre Mona Lisa é o que não falta, escreve ainda o Independent, elencando apenas algumas: a que atesta que se perdeu um original em que o modelo aparecia nu, a que defende que a mulher que hoje vemos foi inicialmente representada com sobrancelhas e pestanas, a que diz que a pintura que conhecemos é apenas uma das versões que Leonardo terá pintado. Há ainda quem esteja disposto a apostar que, na realidade, se trata de um auto-retrato, de uma representação da mãe do artista ou até mesmo de uma escrava chinesa. A que combina Salai e uma nobre italiana, seja ela Lisa ou Beatrice, é apenas mais uma. E está certamente longe de ser a última.