Um 25 de Abril cheio de sol e com poucas críticas ao Governo
Muita música, muitos cravos e algumas reivindicações. Ao contrário dos anos em que o país esteve governado pela direita, as pessoas e associações que saíram à rua em Lisboa foram muito mais brandas e menos críticas em relação ao novo Governo.
No início, parecia o cenário de outros anos. As bandas, com os tambores, a misturarem-se umas com as outras. Pessoas deitadas na relva. Vendedores de cravos. A Grândola a ecoar dos altifalantes. Mas depois de a manifestação sair do Marquês de Pombal, rumo ao Rossio, num dia de sol em Lisboa, a diferença foi notória. Este ano, sem troika, sem Governo de direita, e com uma maioria parlamentar de esquerda, ouviram-se muito poucas críticas ao Executivo socialista, apoiado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. Até o novo Presidente da República escapou.
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No início, parecia o cenário de outros anos. As bandas, com os tambores, a misturarem-se umas com as outras. Pessoas deitadas na relva. Vendedores de cravos. A Grândola a ecoar dos altifalantes. Mas depois de a manifestação sair do Marquês de Pombal, rumo ao Rossio, num dia de sol em Lisboa, a diferença foi notória. Este ano, sem troika, sem Governo de direita, e com uma maioria parlamentar de esquerda, ouviram-se muito poucas críticas ao Executivo socialista, apoiado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. Até o novo Presidente da República escapou.
Em anos anteriores, durante o Governo de Passos Coelho, a tradicional manifestação do 25 de Abril, em Lisboa, enchia-se de cartazes contra a direita e de palavras de ordem como “está na hora, está na hora de o Governo ir embora”. Outra figura satirizada nos cartazes era o antigo Presidente da República, Cavaco Silva. Este ano, o tom foi diferente.
Há uma faixa da CGTP em que se pede “mudança de política”, pelo “emprego, direitos, salários, serviços públicos”. Ao lado, grita-se: “Desemprego em Portugal é vergonha nacional”. Mas a maioria das frases e palavras de ordem que se vê e ouve não expressam grande oposição ao Governo. Ouve-se “25 de Abril, fascismo nunca mais”, “Somos muitos, muitos mil para continuar Abril”. Um grupo de jovens segura uma faixa: “Contra a precariedade, exigimos estabilidade”. Há alguns cartazes contra a União Europeia, chamam-lhe “embuste”. Há gente de todas as idades. Quanto a políticos, a maioria são socialistas, comunistas, bloquistas.
Cármen Salpico, 72 anos, é militante do PCP. É claro que está “muito satisfeita” com o novo cenário político em Portugal. O país, diz, já “merecia outro 25 de Abril e outro 1.º de Maio, com a alegria que foram os primeiros”. Enfermeira reformada, não esquece que em Portalegre, onde morava em criança, muitos homens foram presos pela PIDE. E que a primeira vez que o pai calçou sapatos foi aos 16 anos: “É uma ferida que não deixa de sangrar.”
Com 23 anos, Isabel Palma está sentada com amigos no passeio. Também está contente com o novo quadro político. Ainda assim, e apesar de nunca ter enfrentado o drama do desemprego – trabalha na área da publicidade –, tem amigos que o sofrem na pele, assim como a precariedade. Por isso, diz, há sempre motivos para reivindicar um “futuro” melhor.
No Rossio, ouve-se, entre outras músicas, Os Vampiros, de Zeca Afonso, que é dedicada ao microfone, com ironia, a alguns bancos: “Eles comem tudo e não deixam nada”, diz a letra. Nuno Santa Clara Gomes, que discursou em nome da Associação 25 de Abril, recordou que “nos últimos anos e não só” os direitos dos portugueses foram “martirizados”, defendeu o papel da Constituição, “criticou os escândalos financeiros que abalaram o mundo”, referindo que “o maior entrave ao progresso é a corrupção”. E acrescentou: “Se nos últimos tempos têm surgido sinais positivos de um certo renascer de esperança, isso não nos deve levar a abandonar o empenhamento com que devem ser procuradas as saídas para a crise em que fomos mergulhados.”
No desfile, também o líder do PCP Jerónimo de Sousa reconheceu que este é um ano diferente e falou numa “janela de esperança”. Catarina Martins, porta-voz do Bloco de Esquerda, também reconheceu que há “uma maioria diferente”, mas é “preciso” ainda “muito mais”, é preciso, disse, que este “novo quadro político reclame mais de todos nós”.