Turismo: salvação e desgraça

O turismo é um factor de enriquecimento do país e uma forma de expandir a “identidade nacional” que mais que nunca está em voga. Coloca-se, no entanto, a questão: o revés da moeda, será aceitável?

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Miguel Manso

São inegáveis as mais-valias do turismo para a diminuição do quadrante de desgraça económica em que Portugal, muito importador e pouco exportador, se insere.

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São inegáveis as mais-valias do turismo para a diminuição do quadrante de desgraça económica em que Portugal, muito importador e pouco exportador, se insere.

No entanto, há registos que devemos ter em conta. Apostar no turismo, significa ter hospitalidade, capacidade de dar bem-estar a quem nos visita, manter e/ou estimular empregabilidade interna e ter, sobretudo, a consciência de que quem nos visita, fá-lo para conhecer a nossa cultura/natureza/gentes/locais e isso requer uma irrevogável relação entre direitos e deveres.

Todavia, se observarmos bem, à medida que o estímulo ao turismo nas maiores cidades portuguesas cresce, a qualidade de vida dos residentes permanentes nas mesmas diminui. Em alguns casos, como o de Lisboa e Porto, os preços “para turistas” sobrepõem-se aos que são capazes de se adequar às populações que lá habitam, usualmente com ordenados bastante mais reduzidos do que quem lá está de passagem; a programação cultural e de descoberta da cidade passa a ter como foco a internacionalização, abandonando em parte a criação de programas e públicos locais/nacionais; os espaços de habitação e descanso são abalroados pelo comércio efémero e desregulado da diversão nocturna, que, muitas das vezes, interfere no descanso e qualidade de vida dos habitantes – o que se torna uma questão de saúde pública. Quase tudo é tolerado em prol da máxima: “se estão a dar dinheiro podem fazer o que quiserem”.

Agora questiono: e quando as cidades portuguesas saírem dos tops dos destinos turísticos? Ficamos com o quê? Com cidades entregues a uma total dependência de visitas e com o rótulo de país do descontrolo? Com lojas, bares, restaurantes, serviços de transporte e vielas “fashion” fantasmas?

O que na verdade me preocupa, é que com este sublinhado nos roteiros turísticos, parece-me haver uma operação (intencional ou não) de maquilhagem sobre a pobreza e degradação do que existe.

Da turística ribeira do Porto, ponto de pobreza primordial entre o centro histórico da cidade, ao Cais do Sodré que deu lugar ao Caos do Sodré, o que fica? Provavelmente a ideia de que Portugal é bonito, por ser “barato”, descontrolado, e por permitir à efemeridade o lugar de futuro quase-pensado.

Concordo plenamente que o turismo é um vector importante para o nosso país e não retiro qualquer mérito a quem dedica a vida a esta forma de investimento. É verdadeiramente importante a interculturalidade e a expansão do nosso país de mar, mas, por favor, tenhamos em conta os prós e os contras. Por vezes, são irreparáveis os danos, sobretudo nos processos de identidade das cidades que estão a tornar-se completamente descaracterizadas.

A sustentabilidade no turismo não se deve fundamentar num tipicismo suportado pela miséria dos locais. A par com o desenvolvimento do turismo e das atractividades para turistas, deve cuidar-se de uma autêntica promoção social das zonas e residentes.