A crise da água que está a ameaçar a Índia
A seca está a atingir mais de um quarto da população. O primeiro-ministro, Narendra Modi, tem em mãos uma emergência que já está a provocar conflitos e refugiados.
Yogita Desai, de 12 anos, saiu no domingo passado de casa, no distrito de Beed, no estado indiano de Maharashtra, para ir buscar água ao poço. Durante quatro horas, desafiou o sol impiedoso que ao longo de vários dias fez subir o termómetro aos 42 graus. De volta a casa, depois de ir e vir cinco vezes, desmaiou. No hospital já não a conseguiram salvar. Morreu no dia seguinte: insolação e desidratação foi o que os médicos escreveram na autópsia. Na sexta-feira, no mesmo distrito, Sachin Kengar, de 11 anos, saiu de casa para ir buscar água ao poço. Caiu. Também não o conseguiram salvar.
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Yogita Desai, de 12 anos, saiu no domingo passado de casa, no distrito de Beed, no estado indiano de Maharashtra, para ir buscar água ao poço. Durante quatro horas, desafiou o sol impiedoso que ao longo de vários dias fez subir o termómetro aos 42 graus. De volta a casa, depois de ir e vir cinco vezes, desmaiou. No hospital já não a conseguiram salvar. Morreu no dia seguinte: insolação e desidratação foi o que os médicos escreveram na autópsia. Na sexta-feira, no mesmo distrito, Sachin Kengar, de 11 anos, saiu de casa para ir buscar água ao poço. Caiu. Também não o conseguiram salvar.
Os casos de Yogita e Sachin, contados pela imprensa, fazem parte de uma centena de mortes que foram provocadas pela seca extrema que está a abater-se sobre a Índia. O Governo estima que pelo menos 330 milhões de pessoas – mais de um quarto da população do país – estejam a ser afectadas. Várias regiões, espalhadas por dez estados, estão com falta de água.
Em Orissa, no Leste, escolas fecharam. No Maharashtra, um dos estados mais atingidos, os populares jogos de críquete da Primeira Liga tiveram de ser adiados, devido à falta de água necessária para preparar os campos. As autoridades pediram que não se enchessem piscinas. Em Bengala Ocidental, na cidade de Howrah, houve protestos na principal avenida. Em algumas zonas, as autoridades proibiram o agrupamento de mais de cinco pessoas à volta de reservatórios, para evitar conflitos. Estados como o Punjab e o Haryana estão em pé de guerra pelo controlo de rios. E acumulam-se os refugiados da água, que deixam os campos nesta altura para trabalhar nas cidades.
Há várias semanas que as temperaturas subiram no Leste, Centro e Sul da Índia mais do que o habitual. Em Orissa foi emitido um alerta para uma onda de calor por estes dias que deveria atingir os 45 graus. “Em mais de 100 anos, nunca tivemos temperaturas tão elevadas durante estes meses”, disse à AFP P.K. Mohapatra, responsável pelo auxílio aos serviços agrícolas daquele estado.
Depois de dois anos de monções com pouca chuva, e de um atraso no descongelamento da neve dos Himalaias (que contribui para 15% da água que circula no Ganges, que abastece um quarto da população indiana), o problema agravou-se. Os reservatórios de água do país estão no nível mais baixo da última década. E ainda faltam dois meses para a estação das chuvas.
Dezenas de milhares de agricultores e criadores de gado tiveram de se deslocar para campos onde lhes está a ser fornecida ração e água para os animais. Na Índia, 47,2% da população depende da agricultura, que representa 17% do PIB (a média mundial é de 4%).
Segundo o grupo de investigação Conselho para a Energia, Ambiente e Água, em 1951, pouco depois da independência, um indiano tinha em média acesso a 5200 metros cúbicos de água (a população rondava os 350 milhões); Em 2010, o número desceu para 1600 metros cúbicos; e actualmente está nos 1400, com tendência a cair nas próximas décadas.
Apesar de um ritmo de crescimento económico acelerado (de 7,6%, com a inflação mais baixa das últimas décadas), a Índia está ainda muito atrás da China na resistência aos desastres naturais, notava o Guardian esta semana, apontando para as conclusões de um estudo da empresa de análises de risco Verisk Maplecroft, onde se concluía que a população indiana é a que em todo o mundo está mais exposta aos desastres naturais. As razões são várias: “As áreas mais vulneráveis são caracterizadas por elevados níveis de pobreza e falta de acesso aos serviços públicos, deixando as pessoas sem recursos para se prepararem ou recuperarem dos desastres naturais”.
A crise da água será certamente uma preocupação para o primeiro-ministro Narendra Modi, que estava já a ter dificuldades em responder às expectativas criadas quando foi eleito há dois anos. O New York Times assinalava em finais de Fevereiro (num artigo que não estava relacionado com a seca) que “a sua promessa de abanar as coisas e criar empregos para o milhão de indianos que todos os meses entram no mercado de trabalho tem estado imersa em convulsões políticas, frequentemente provocadas por radicais do seu partido que querem impor uma agenda fundamentalista hindu.”
O Bharatiya Janata Party (BJP) de Modi está já a sofrer as consequências da sua queda de popularidade: depois de ser ultrapassado em Nova Deli por um partido anti-corrupção, em Novembro o BJP sofreu uma derrota nas eleições do Bihar, um dos maiores estados do país. Se as monções não chegarem com força para aliviar a população indiana, o descontentamento deverá vir ainda mais à superfície.
Shashi Shekhar, do ministério da Água, comentou ao Financial Times: “Nem a classe política, nem a intelligentsia, compreenderam que a crise da água nos está a acertar em cheio na cara”.