Marcelo admite segundo mandato, enquanto tenta “manter o carro ao centro”

Pelas planícies coloridas do Alentejo, o Presidente brincou com as palavras e com as gentes. Três dias intensos, cheios de metáforas políticas e muito calor humano.

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Marcelo numa estufa de morangos hidropónicos, em Beja Enric Vives-Rubio

Foi meio a brincar meio a sério, como tantas vezes faz. Numa estufa de morangos hidropónicos, em Beja (Baixo Alentejo), o Presidente da República experimentou a apanha da fruta. Vai apanhando os mais vermelhinhos e diz para os proprietários: “Ao fim dos meus cinco anos de mandato, tem de me arranjar um lugarzinho aqui”. Cinco ou dez anos, perguntam-lhe. “Para já cinco, para eu ainda ter as mãos lestas, que isto exige rapidez de mãos. Depois de dez eu temo que já esteja um bocado gasto… vamos a ver”.

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Foi meio a brincar meio a sério, como tantas vezes faz. Numa estufa de morangos hidropónicos, em Beja (Baixo Alentejo), o Presidente da República experimentou a apanha da fruta. Vai apanhando os mais vermelhinhos e diz para os proprietários: “Ao fim dos meus cinco anos de mandato, tem de me arranjar um lugarzinho aqui”. Cinco ou dez anos, perguntam-lhe. “Para já cinco, para eu ainda ter as mãos lestas, que isto exige rapidez de mãos. Depois de dez eu temo que já esteja um bocado gasto… vamos a ver”.

Marcelo Rebelo de Sousa conduz o carrinho com as caixas de morangos bons por cima, os que não prestam por baixo. O carro foge-lhe  ligeiramente: “E está o carro a virar para a esquerda, estão a ver como é que isto é! Vê o ministro e vira para a esquerda! Este carrinho está ensinado!”, brinca. Todos se riem. Ele gosta da imagem e continua: “Está o Presidente a tentar metê-lo ao centro. Não estou a conseguir, está a ir muito para a esquerda, Vou empurrá-lo para o centro e… lá vai, consegui!”

Foi em Beja, um concelho que voltou a ser da CDU depois de anos liderado pelo PS, que Marcelo acabou por responder ao anseio que tanta gente lhe foi transmitindo na rua. Na véspera, na também comunista Évora, uma senhora atirara-lhe o aviso: “Não se canse que eu não o quero lá um ano: quero-o lá dez anos”. Não ficou sem resposta: “Estou cansado mas já engordei um quilo”.

Foi à porta do hotel onde se tinha acabado de reunir com o primeiro-ministro e onde uma dúzia de populares avulsos o esperavam para o aplaudir. Em cada esquina, em cada pelourinho, a cena repetiu-se ao longo dos três dias deste primeiro capítulo do Portugal Próximo: o Alentejo vibrou com a presença do Presidente que, na Ovibeja, até foi chamado “Sem Medo”. Por contraste. Crianças, jovens, adultos e idosos, de todas as idades e cores, bateram palmas, pediram fotografias, trocavam larachas com o “professor Marcelito”.

Marcelo estava no seu elemento. O programa frenético que o levou, em três dias, a nove concelhos do interior alentejano tinha visitas a universidades e escolas, empresas de sucesso, instituições sociais de crianças deficientes, idosos, refugiados... Mas era na rua que mais brilhava, mesmo quando chovia.

Perto do Alqueva, a caminho de Moura, a comitiva fez uma pequena paragem num café de beira da estrada. Quando o Presidente saiu do carro, os queixos dos presentes caíram. Marcelo cumprimentou-os, entrou, comeu bolo caseiro com o dono do estabelecimento e seguiu viagem.

Em Reguengos de Monsaraz, na destilaria Sarish Gin, aconselhou todos os políticos a beberem um copo, porque ajuda a descontrair. Numa escola básica de Portel, abria os braços para meia dúzia de crianças de cada vez. Em Moura, demorou mais de meia hora a subir a estreitinha Segunda Rua da Mouraria, cumprimentando as moradoras à soleira das casas, ora à esquerda, ora à direita, “para não haver ciúmes”. Numa taberna, abriu o vinho e cortou presunto. No meio dos morangos suspensos da PaxBerry, deu uma entrevista aos jovens youtubers Três Tristes Tugas e enumerou as três características da mulher ideal: “Inteligente, doce e alegre”.

Ia dizendo o que lhe vinha à cabeça, sem preocupações com o politicamente correcto. Numa rua de Évora, pediu à tímida Inês, cinco anos, o seu coelho de peluche. Perante a resistência da menina, respondeu: “Não dês o teu coelhinho, os coelhinhos são animais de estimação”. Antes, aconselhara uma mulher a “pintar as raízes” do cabelo, ainda que a cor lhe ficasse bem.

Só com os jornalistas tinha mais cuidado. Nem uma palavra sobre o deteriorar das relações com Angola ou o retomar das negociações entre o BPI e o CaixaBank. Apenas um enigma: “O que eu tinha a dizer e a fazer nessa matéria já disse e já fiz”. Na véspera, os argumentos afinados, como num cante alentejano, com o primeiro-ministro sobre o Programa de Estabilidade e o parecer do Conselho de Finanças Públicas.

Três retratos e um aviso

Se Marcelo surge como um one man show nas ruas normalmente vazias do Alentejo profundo, a dura realidade das gentes veio algumas vezes à tona. No centro de Évora, uma mulher nervosa é a única entre centenas que não pede uma selfie. Ela tem uma queixa: a mãe, doente oncológica, foi deixada três dias num corredor do Hospital de Évora antes de ser transferida para o IPO, e só depois de ela “fazer barulho”. No Alvito, outra lamenta-se ao Presidente da falta de trabalho e de subsídio de desemprego. Mas a maior parte das queixas Marcelo não ouviu.

Maria Helena Serrão é dona do pequeno café ao lado da esvaziada estação de comboios de Vila Nova da Baronia, a sete quilómetros do Alvito. Está ali à porta, à espera do Presidente da República, com vizinhas e vizinhos, na maioria idosos. Explica que, desde que o Intercidades para o Algarve foi suspenso, tudo por ali esmoreceu. Agora, o caminho para o Algarve faz-se de carro – “uma hora de carro até Pinhal Novo”, a norte – ou de autocarro, a partir de Beja. Mas nem é esse o maior problema da aldeia.

Ali, quase tudo a troika levou. Nos últimos três anos, perdeu-se a escola primária, o serviço de atendimento permanente do Centro de Saúde, muita gente adulta: o desemprego é das poucas coisas que por ali cresce. “Se ele quer conhecer o Alentejo, que vá aos campos: lá tem de se andar como em África, abrindo caminho à catanada entre as ervas”, avisa José Gonçalves Chora. “Aqui não nasce ninguém nem ninguém dá trabalho”.

Que o diga Maria Carolina Reis, 64 anos, cinco desempregados em casa. Trabalham esporadicamente na terra, “nas campanhas”. Mas só quando são chamados, e ela não tem sido. Até há dois meses vivia com 36 euros do Rendimento Social de Inserção; agora “as coisas melhoraram um poucochinho”: o subsídio passou a 152 euros. “A gente come é da terra, não é das palmas”, avisava Chora às mulheres que, numa rua do Alvito, acabavam de aplaudir o Presidente só por o verem.

Manuel Ganchinho, reformado, foi pedreiro toda a vida. Toda não, que na juventude esteve na guerra colonial três anos. Não quer dizer em quem votou, que isso não se pergunta, mas saiu à rua como quase toda a vila de Moura para ver o “nosso Presidente”. E foi cumprimentá-lo porque há muito tempo que não havia um Presidente como ele, que anda na rua, vai ter com as pessoas, “para saber o que se passa”.

É preciso andar pelo país, insiste, “para quando chegarem as leis da Assembleia para ele assinar, saber o que vai fazer”. Assim é que deve ser, diz: “Não é olhar só com um olho”. Tapa o olho esquerdo com a mão. Principalmente se for o olho direito? Isso tanto faz: “Já lá esteve o olho direito e já lá esteve o olho esquerdo”, a miopia é igual. “Só viam aquele caminho, não viam mais nada”.

Manuel Ganchinho acha que agora o país está “um bocadinho melhor”, com um governo de esquerda e um Presidente assim, como Marcelo é, não pela cor. “E o primeiro-ministro também não é como o outro, que fazia tudo o que Bruxelas mandava”. Não interessa o partido, “o que é preciso é ter coragem” porque “não é Bruxelas que manda no nosso país”.

Ganchinho tem nos olhos pequeninos um brilho de esperança, daquela que Marcelo quis semear nas planícies enquanto ainda estão coloridas pela Primavera. “Eu gosto de estar com as pessoas e é bom que as pessoas gostem de estar com o Presidente”, disse Marcelo aos jornalistas no final da visita. Confessou que não esperava tanto calor humano, mas acha que isso não é tanto mérito seu: “As pessoas estavam com um certo défice de esperança. Fala-se de défice do Orçamento, não se fala de um défice de esperança que existiu durante uns anos em Portugal. É bom que esse défice seja vencido rapidamente”.