Choque, luto e perguntas – 24 horas após a morte de Prince
Um mundo parcialmente púrpura em festas dançantes e homenagens, uma autópsia iminente e o filme dos últimos dias do autor de Purple rain e Little red Corvette. “Baby, that was much too fast”.
Desde quinta-feira, o mundo pintou-se parcialmente de roxo – ou de púrpura para estarmos mais próximos do título que cristaliza a majestade criativa de Prince. A chuva não foi púrpura, mas as capas dos jornais, as t-shirts dos fãs (de Spike Lee aos anónimos) que o celebraram nas ruas e até uma imagem de uma nebulosa da NASA ou o edifício da câmara de Los Angeles puseram-se de roxo em homenagem ao autor de Purple rain. A autópsia do corpo de Prince Rogers Nelson realiza-se esta sexta-feira e os seus resultados completos demorarão dias, até semanas, a ser conhecidos. Até lá, sem respostas para os porquês, dança-se.
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Desde quinta-feira, o mundo pintou-se parcialmente de roxo – ou de púrpura para estarmos mais próximos do título que cristaliza a majestade criativa de Prince. A chuva não foi púrpura, mas as capas dos jornais, as t-shirts dos fãs (de Spike Lee aos anónimos) que o celebraram nas ruas e até uma imagem de uma nebulosa da NASA ou o edifício da câmara de Los Angeles puseram-se de roxo em homenagem ao autor de Purple rain. A autópsia do corpo de Prince Rogers Nelson realiza-se esta sexta-feira e os seus resultados completos demorarão dias, até semanas, a ser conhecidos. Até lá, sem respostas para os porquês, dança-se.
Há semanas, um fenómeno similar acometeu o mundo perante a morte súbita de David Bowie. Redes sociais em alvoroço, choque, tributos potentes de outras estrelas (as lágrimas e o piano de Stevie Wonder, as vozes da Broadway e de Jennifer Hudson na noite de quinta-feira) e maldições sortidas ao ano de 2016, que parece estar a levar tantos ídolos – esse foi, aliás, um tema desta sexta-feira de rescaldo da surpresa da perda de um ídolo que tinha tanto de hiperbólico no palco quanto de discreto fora dele. Foi só mais uma questão sem resposta precisa numa altura em que se tentam reconstituir os últimos dias do músico, seguindo o que o New York Times considerou serem “indícios da saúde em falência de Prince” para perceber o que motivou a morte do músico aos 57 anos.
É assim, entre os tributos, as memórias de uma carreira prolífica e as dúvidas sobre as circunstâncias da sua morte que se vive o day after do last day de Prince. Paul McCartney, Mick Jagger, Madonna, Barack Obama, Lionel Richie, Bono, Oprah Winfrey, entre muitos outros, reagiram com pesar à morte de Prince. O desaparecimento inesperado do cantor motivou mais de oito milhões de tweets nas primeiras horas após a confirmação da sua morte e o tema dominou muita da actualidade, gerando festas e lágrimas.
Lágrimas como a que escorria da sigla da marca 3M, em púrpura, nas redes sociais – muitas empresas, de pequenos negócios de donuts a multinacionais, assinalaram de forma mais ou menos bem conseguida a morte do cantor, uma das quais com um anúncio de página inteira no New York Times com a simples letra da canção Little red Corvette, de Prince: “Baby, that was much too fast”. A agência espacial norte-americana publicou uma imagem de uma nebulosa púrpura, a Google pôs o seu logótipo a pingar chuva roxa e vários edifícios pelo mundo se cobriram desse tom. As ruas de cidades como Washington, Nova Iorque ou Minneapolis tornaram-se pistas de dança e memoriais mais ou menos espontâneos. O realizador e fã Spike Lee juntou cerca de mil pessoas na sua rua em Brooklyn para dançar, o clube de Minneapolis onde Prince filmou cenas de Purple Rain abriu gratuitamente as portas e uma vigília na capital americana tornou-se numa pista. Em Los Angeles centenas de pessoas acenderam velas pelo músico e algumas rádios decidiram tocar só Prince durante horas a fio.
Prince por Minneapolis
Ecoam agora as suas últimas palavras públicas – "Esperem uns dias antes de desperdiçarem as vossas orações" –, proferidas na festa que Prince deu há uma semana, com venda de bilhetes e tudo, no seu complexo de estúdios de Paisley Park, nos arredores de Minneapolis. Tinha cancelado dois concertos da sua Piano & A Microphone Tour em Atlanta no dia 7, mas depois disso twittou sobre o seu novo piano (púrpura, claro) no dia 12 e voltou ao palco em Atlanta a 14 para compensar o cancelamento anterior, só ao piano. Num dos encores, tocou Heroes, em homenagem a David Bowie.
Dia 15, como reconstitui o diário local de Minneapolis Star Tribune, deu-se um dos eventos que todos estão a associar à sua morte: Prince dava entrada num hospital em Moline, no estado do Illinois, depois de uma aterragem de emergência do seu avião particular. Não se sentia bem, devido a sintomas gripais que não o deixavam há semanas, dizem os seus representantes. Horas depois da sua morte, o site especializado em mexericos sobre celebridades TMZ, que ascendeu na escada mediática desde que foi o primeiro a noticiar a morte de Michael Jackson, revelava não só a transcrição da chamada para o 911 de quem encontrou Prince inanimado num elevador em Paisley Park, mas também citava fontes de Moline sobre o que motivara a ida ao hospital. Esses relatos, ainda não confirmados oficialmente mas amplamente citados em todo o mundo, indicam que “os médicos lhe administraram uma save shot [injecção de salvação ou de neutralização, em tradução livre] que tradicionalmente é dada para contrariar os efeitos de um opiáceo" – indiciando uma overdose. E acrescentam também que Prince saiu prematuramente do hospital depois disso. Nesse mesmo dia, twittou “I am #transformed”.
Prince na cultura popular, da banheira de Pretty Womana Fargo
Uma herança de diamantes e pérolas
No dia seguinte assinalava-se nas lojas de discos de todo o mundo o Record Store Day e Prince foi às compras. De volta a Minneapolis, foi à Electric Fetus, uma das suas lojas preferidas, segundo o Star Tribune, e partilhou com os fãs as suas compras no Twitter. Foi a ouvir até casa um dos discos que escolheu: Talking Book, de Stevie Wonder. Nessa mesma noite dava a festa no seu complexo. Domingo sentia-se “rejuvenescido”, como pôs num hashtag no Twitter, embora Scott Gregoria, um fã que esteve na festa, tenha dito ao New York Times que ele parecia “um pouco mais fraco, um pouco mais pálido” do que antes, embora festivo.
Já terça-feira foi a um concerto de Lizz Wright com colegas da sua banda. Segundo o New York Times, por esses dias Prince andou de bicicleta pela zona. Não ia vestido com o seu púrpura costumeiro, assinala quem o viu na rua. Prince não gostava de telemóveis e vídeos nos seus concertos, nem de fotografias vampirizadoras das celebridades no seu dia-a-dia, mas era uma presença habitual nas ruas da sua cidade. Até às 9h45 de quinta-feira, hora a que os paramédicos foram chamados a Paisley Park na sequência de uma chamada telefónica para o 911 cujo conteúdo foi entretanto divulgado pelas autoridades. Prince era declarado morto às 10h07.
O xerife do condado de Carver, Jim Olson, detalhou em comunicado que há um inquérito em curso para determinar as circunstâncias da morte do músico. A autópsia estava agendada para esta sexta-feira, como disse à AFP uma porta-voz do gabinete de medicina legal do Midwest, Martha Weaver, precisando que os resultados preliminares devem estar disponíveis dentro de dias mas que os dados das análises, nomeadamente toxicológicas, podem demorar várias semanas.
Além das dúvidas sobre as circunstâncias da morte, outra das questões que lhe sobrevivem é o grau de controlo que se manterá sobre a propriedade intelectual de Prince, feroz defensor dos seus direitos autorais, e, como assinala a Reuters, um dos poucos músicos que detinha os direitos sobre os seus masters (gravações originais) e grande parte do seu catálogo. O destino da sua música dependerá de quem vá gerir o seu legado, dizem advogados especializados ouvidos pela agência e pela revista Hollywood Reporter – e isso, por seu turno, depende de Prince, divorciado, sem filhos e sem herdeiros evidentes para os seus bens, ter ou não um testamento válido ou um plano de sucessão para o seu legado.