Um museu que tenta responder à pergunta: “Afinal, o que é o dinheiro?”
O novo Museu do Dinheiro, em Lisboa, reúne 1200 objectos, mas os responsáveis explicam que o objectivo não é contemplar, é interagir. O visitante pode pôr a cara numa nota, numa moeda e tentar pegar numa barra de ouro que pesa quase 13 quilos.
Tudo acontece ao mesmo tempo na manhã desta terça-feira, em Lisboa. Alguns jornalistas são convidados a conhecer o novo Museu do Dinheiro, um projecto antigo do Banco de Portugal, na Baixa, enquanto outros estão precisamente a ouvir o governador Carlos Costa no Parlamento, na comissão de inquérito ao Banif. Tudo parece ter uma ponta de ironia: ao longo da visita guiada, por um museu que pretende explorar a relação do ser humano com o dinheiro, vão chegando os alertas noticiosos da audição do governador. Uma banda ensaia para a inauguração oficial, que acontece à tarde e que conta com a presença do Presidente da República e de Carlos Costa. Tocam Insensatez, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
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Tudo acontece ao mesmo tempo na manhã desta terça-feira, em Lisboa. Alguns jornalistas são convidados a conhecer o novo Museu do Dinheiro, um projecto antigo do Banco de Portugal, na Baixa, enquanto outros estão precisamente a ouvir o governador Carlos Costa no Parlamento, na comissão de inquérito ao Banif. Tudo parece ter uma ponta de ironia: ao longo da visita guiada, por um museu que pretende explorar a relação do ser humano com o dinheiro, vão chegando os alertas noticiosos da audição do governador. Uma banda ensaia para a inauguração oficial, que acontece à tarde e que conta com a presença do Presidente da República e de Carlos Costa. Tocam Insensatez, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
O museu, no edifício da antiga Igreja de S. Julião, no quarteirão pombalino, sede do Banco de Portugal, abre nesta quarta-feira ao público. Pode ser visitado de quarta a sábado, das 10h às 18h, com entrada livre. Tire tempo se quiser ver tudo ao pormenor: as moedas, as notas, se quiser usufruir de diferentes momentos interactivos. O convite feito à comunicação social durou cerca de duas horas, mas quando perguntamos a Eugénio Gaspar, director dos serviços de apoio do Banco de Portugal, quanto tempo precisará um visitante para conhecer bem o museu e a história do dinheiro, ele responde-nos a rir, mas a sério: “Um dia.” Isso se quiser passar a pente fino toda a informação de que o museu dispõe, entre objectos, painéis, sons, vídeos.
Grande parte da abordagem é histórica, repleta de pequenas curiosidades, mas houve a preocupação de recorrer a tecnologias multimédia, até para não deixar que objectos tão pequenos como moedas e notas, entre outros, fossem esmagados pela dimensão do espaço. Assim, o visitante pode ver objectos a três dimensões, pôr virtualmente a cara numa nota e numa moeda, registar esse e outros momentos no cartão de entrada, e depois ter acesso a eles em casa, através do site do museu. Para já, se quiser, pode imprimir a nota e a moeda com a sua cara em casa, mas a ideia é que no futuro o possa fazer no próprio museu.
Comecemos, porém, perto do fim. Num museu em que se aborda a relação do ser humano com o dinheiro, não podiam estar só notas, moedas e outros objectos relacionados como balanças, por exemplo. Num dos últimos núcleos, estão painéis, com depoimentos gravados em vídeos, de pessoas que falam sobre a sua relação com o dinheiro. O visitante também pode gravar o seu.
Numa época dominada por orçamentos, pelo dinheiro, ou falta dele, pelos escândalos da banca, pelos Panama Papers e offshores, pela finança, este museu, embora recheado de informação e de peças únicas, não deixa de ser pontuado por vários momentos lúdicos que parecem um tanto ou quanto distantes das sucessivas polémicas que inundam os jornais.
Mas num dos últimos núcleos, como dizíamos, há testemunhos gravados. Encostamos o ouvido a um dos painéis, é Maria Luísa quem está a falar, nasceu a 4 de Abril de 1934 e começa o relato assim: “Eu, no meu tempo, coitadinha...” E continua, contando quantas horas precisava de trabalhar para “levar 25 tostões” para casa, na “terra não se ganhava muito”. Era “preciso trabalhar e era de sol a sol e mais um bocadinho”. Desabafa que lá vai conseguindo gerir o orçamento, mas não faz “variedades nenhumas”. Também não é de “luxos” no dia-a-dia, se fosse “estava mal”. Faz contas à sua reforma e à do marido: com pouco mais de 450 euros por mês não pode poupar: paga “muitos remédios”, a casa, o telefone, a água, a luz, o gás, vestir-se, calçar-se, comer. “Tenho mesmo de me apertar, saber conduzir as mãos”.
Moedas únicas
São vários os painéis com testemunhos, ao lado, numa das paredes, vão passando frases. Alguns exemplos: “Aquele que ama o dinheiro nunca se saciará do dinheiro” (Eclesiastes); “O dinheiro não tem ideias” (Jean-Paul Sartre); “Quando se trata de dinheiro, somos todos da mesma religião” (Voltaire).
O museu, aliás, abre com um excerto, ou parte dele, da obra de Charles Dickens:
– “Papá, o que é o dinheiro?”
– “O que é o dinheiro, Paul?”, respondeu. “Dinheiro? Ouro, prata, cobre, guinéus, xelins, meios cêntimos. Estás a ver o que são?”
– “Ah, sim, eu sei o que são”, disse Paul. “Não estava a pensar nisso, papá. O que quero dizer é: afinal o que é dinheiro?”
Numa área com dois mil metros quadrados e 140 vitrinas, há 1200 objectos expostos – embora a colecção do Banco de Portugal reúna cerca de 51 mil. Eugénio Gaspar explica que escolheram os mais representativos, até porque não se trata de um museu para contemplar, mas para interagir, para descobrir. Dos objectos expostos, a peça mais valiosa é a barra de ouro que está logo à entrada. Pesa 12,6 quilos, o visitante pode tocar-lhe, tentar pegar-lhe. Deverá valer à volta de 400 mil euros. Eugénio Gaspar ressalva, no entanto, que se está a falar de um valor que não é o histórico: “Há peças no museu cujo valor é incalculável”, justifica. “A formação do acervo [do Banco de Portugal] tem 40 anos e vai continuar por mais 40 ou 400. É um trabalho que não tem fim”, disse também logo no início da visita.
No museu, um projecto que levou mais de cinco anos a estar concluído, o visitante pode ficar a saber qual foi a primeira nota e a primeira moeda conhecidas no Ocidente e no Oriente. Pode ver uma moeda única no mundo: o morabitino de D. Sancho II. Ou um dos quatro exemplares de uma moeda com o busto de D. Beatriz: “É raríssima”, diz Sara Barriga, coordenadora do núcleo do museu.
Pode ver notas de todo o mundo, observá-las do ponto de vista gráfico, da ilustração, perceber de que forma se representam nelas diferentes culturas. Pode ver instrumentos de fabrico do dinheiro, a colecção mais completa em Portugal sobre moeda visigótica, taças, leques e pendentes que mostram o uso da moeda nas artes decorativas. Pode ver a primeira nota emitida pelo Banco de Portugal, em 1846, de 20 mil réis, desenhada por Domingos Sequeira. Hoje valeria cinco cêntimos. No final, pode também descer à cripta da antiga igreja e ver o troço da muralha de D. Dinis – esta parte já estava, porém, aberta ao público.
Ao longo do percurso, há jogos de perguntas e respostas, em painéis, que remetem para o que se foi vendo. Logo no início, há uma peça escultórica que representa Hermes, o deus grego do comércio e das trocas, e que, uma vez inserido nele o cartão de entrada, dialoga com o visitante e o incita à troca directa de bens. Já mais perto do fim, há um poço dos desejos, tudo é virtual: o visitante movimenta a mão, como quem atira moedas, e elas aparecem lá no fundo. Ouve-se o barulho que fazem ao caírem na água: ploc!
O que não é virtual e se ouve apenas no início da visita são algumas marteladas. Os últimos retoques num projecto que resulta da recuperação da antiga Igreja de S. Julião e que foi pensado, a partir de 2006, no âmbito de um projecto de reabilitação da Baixa/Chiado. Em 2010, as obras de reabilitação e restauro começaram sob o programa arquitectónico de Gonçalo Byrne e João Pedro Falcão e, em 2011, o atelier Francisco Providência Design inicia o projecto de instalação do museu. A partir desta quarta-feira, está de portas abertas.