O lado de lá da moda

A directora para os novos mercados e desenvolvimento da Primark diz que a roupa é barata graças a políticas de produção eficientes e de grandes volumes, com uma boa relação qualidade/preço. E o que escondem estas políticas?

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Unsplash/Pixabay

A Primark, do grupo Associated British Foods, ultrapassou a Zara, do grupo Inditex, e é agora número um em Portugal. Ser campeão de vendas num país onde o salário mínimo é de 530 euros não devia ser motivo de orgulho porque consumidores com pouco poder de compra são fáceis de conquistar, já que ganha a regra do mais barato.

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A Primark, do grupo Associated British Foods, ultrapassou a Zara, do grupo Inditex, e é agora número um em Portugal. Ser campeão de vendas num país onde o salário mínimo é de 530 euros não devia ser motivo de orgulho porque consumidores com pouco poder de compra são fáceis de conquistar, já que ganha a regra do mais barato.

A directora para os novos mercados e desenvolvimento da Primark diz que a roupa é barata graças a políticas de produção eficientes e de grandes volumes, com uma boa relação qualidade/preço. E o que escondem estas políticas?

Em 2012, um incêndio na fábrica Tazreen, no Bangladesh, matou 117 trabalhadoras e trabalhadores, deixando mais de 200 vítimas. Estas pessoas morreram a produzir roupa para ser vendida no Ocidente. Morreram porque o responsável da fábrica, cedendo à pressão imposta pelos retalhistas, decidiu trancar as portas e obrigar as trabalhadoras e trabalhadores a continuarem a produzir sem limite de horas. Isto porque existia um prazo a cumprir e um volume a atingir. No ano seguinte, o colapso da fábrica Rana Plaza causou 1121 mortes e deixou mais de 2000 vítimas. Ainda há indemnizações por pagar.

A Primark diz que passou a fazer auditorias às fábricas dos fornecedores e até tem projectos na Índia e no Bangladesh com milhares de mulheres produtoras de algodão, a quem estão a tentar convencer a usar menos fertilizantes, a ter mais eficiência e a produzir mais por metro quadrado. E o que tem isto a ver com certificarem-se de que quem lhes produz a riqueza tem condições de trabalho dignas?

São cerca de 700 mil pessoas exploradas por várias marcas ocidentais e que nem estão a produzir para o seu próprio país mas sim para o consumo ocidental, numa lógica comercial que de lógica tem muito pouco. Mas ainda bem que podem contar com os salvadores ocidentais para lhes dar trabalho. Os mesmos que os colonizaram (até meio do século XX) e os deixaram com o rótulo de “países em desenvolvimento”. Porque não foram os baixos custos de produção e a falta de regulação que os motivaram a procurar fornecedores asiáticos; nem a influência colonizadora que ainda se faz sentir por lá ajudou. Nada disso.

As condições de trabalho têm melhorado, sim, mas não graças à preocupação ocidental. A consciência social de que ganhavam por mês o equivalente à venda de apenas uma peça de roupa levou a que se organizassem em sindicatos para criarem a pressão política necessária para conquistar melhores e mais direitos. O salário mínimo passou de 9 para 68 dólares, em países onde as rendas das casas rondam os 15/20 dólares mensais.

Estas multinacionais, cujos lucros rondam os milhares de milhões de euros por ano, e que têm implementado a cultura do consumo frenético e desmedido, também vieram salvar Portugal com as suas lojas. O sector do textil e vestuário português é conhecido pelos baixos salários, por isso restam dúvidas sobre as suas boas intenções. Mas e quem cá trabalha neste sector, está satisfeito/a?