Os casos de desamor entre o governador e o Governo
A acusação de "falha grave" na actuação do Banco de Portugal foi pela primeira vez utilizada pelo secretário de estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, em declarações ao PÚBLICO. Mas os casos de desamor entre o supervisor do sistema bancário e o Governo não começaram agora.
O primeiro-ministro forçou esta nomeação, aparentemente até contra a vontade de vários membros do Governo. A ausência de auscultação [a outros partidos] torna a nomeação partidarizada
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O primeiro-ministro forçou esta nomeação, aparentemente até contra a vontade de vários membros do Governo. A ausência de auscultação [a outros partidos] torna a nomeação partidarizada
Pedro Nuno Santos, Maio de 2015
Depois de o Governo de Pedro Passos Coelho ter aprovado, em Conselho de Ministros, a recondução de Carlos Costa, ainda em 2015, o PS (já liderado por António Costa) mostrou o seu incómodo com estrondo. "O primeiro-ministro forçou esta nomeação", acusou o então deputado Pedro Nuno Santos. “É a mais partidarizada nos últimos anos em Portugal". O governador estava no cargo desde 2010.
Se acha que isso [a não protecção de capital que estaria à partida protegido] foi um bom contributo para a confiança, pois está enganado, porque foi um péssimo contributo
António Costa, Janeiro de 2016
No que toca ao BES, as desavenças são antigas. Em plena campanha para as eleições presidenciais, em Janeiro, António Costa disse num debate quinzenal que a decisão do Banco de Portugal de transferir obrigacionistas seniores do BES, do Novo Banco para o 'BES mau', era um "péssimo contributo" para a confiança dos investidores.
Há uma realidade que os portugueses vivem de alguma falta de confiança, ou pelo menos de uma avaliação frágil, quer dos depositantes, quer dos utilizadores do sistema bancário, em relação ao regulador, o Banco de Portugal.
Carlos César, Fevereiro de 2016
Primeiro foi António Costa a criticar a “lentidão” do Banco de Portugal no caso dos lesados do BES a partir de Bruxelas. A seguir, antes das jornadas parlamentares do PS, foi Carlos César, presidente do partido. Mesmo sem pedirem a substituição do governador, os socialistas defenderam mudanças no regulador bancário para que assim “se resolvessem os problemas que estão pendentes”.
Seria curioso que qualquer pequeno incidente determinasse uma perda de vontade de alcançar os objectivos que tenho prosseguir.
Carlos Costa, Fevereiro de 2016
Em resposta às críticas de António Costa e do PS, Carlos Costa deixou, numa entrevista ao Expresso, em 27 de Fevereiro, a sua recusa em abandonar o cargo. “Não há nenhuma razão” para não cumprir o mandato até ao fim, afirmou. Isso seria, aliás, “uma forma de não cumprir com o que está previsto nos tratados”. Quanto às críticas, desvalorizou-as: “Seria curioso que qualquer pequeno incidente determinasse uma perda de vontade de alcançar os objectivos que tenho prosseguir (…) Muito do que hoje se avalia sobre esta instituição há-de ser revisto quando o tempo permitir”.
O modelo tem mostrado deficiências. Todos estamos cansados de ver bancos a cair e a regulação a lamentar de não ter conseguido evitar
Assunção Cristas, Março de 2016
No último congresso do CDS, acabada de ser eleita líder do partido, Assunção Cristas não perdeu a oportunidade de criticar o governador do Banco de Portugal. Aproveitou para propor uma revisão constitucional que permitisse novas regras de nomeação daquele cargo, assim como um novo modelo de regulação. Já Paulo Portas acusou Carlos Costa de “falhas significativas na área da supervisão". "É bom que cada um saiba perguntar-se a si próprio se é parte da solução ou se é parte do problema", disse.
Confio que as senhoras e os senhores deputados possam vir a apurar se houve ou não falhas graves de condução política e/ou falhas graves de supervisão
Mário Centeno, Abril de 2016
A primeira ida do ministro das Finanças à Comissão Parlamentar de Inquérito ao processo do Banif não poupou nem o anterior Governo, nem o Banco de Portugal. “Parece claro que a situação do Banif foi sendo arrastada ao longo dos últimos três anos pelos diferentes intervenientes com responsabilidades políticas e de supervisão. Além disso, Centeno também registou a “especial indulgência das autoridades europeias".
Espero que o Banco de Portugal tenha uma justificação para esta proposta. É uma falha de informação grave
Ricardo Mourinho Félix, Abril de 2016
O secretário de Estado Adjunto e das Finanças reagia assim a uma pergunta do PÚBLICO, sobre a actuação de Carlos Costa numa reunião do BCE que ditou a limitação de acesso do Banif aos fundos do euro-sistema. A revelação surgiu esta semana, através de uma acta que chegou ao Parlamento, e demonstrava que tinha sido o governador a propor ao BCE que não aumentasse o financiamento disponível ao Banif, quando o banco se debatia com uma crise de liquidez. Como se vê pela surpresa do governante, Carlos Costa não informou o Executivo português desta sua iniciativa.