Chamar a isto “crónica” é sexista
Mal posso esperar que o Bloque de Esquerde assuma a sua neutralidade total de género e provoque um espírito de renovação imenso e extraordinário na linguagem nacional
Acho muito bem que se mude o nome do cartão de cidadão para cartão de cidadania. É inadmissível que vivamos no século XXI e os substantivos masculinos continuem a dominar na sua opressão mais vil sobre todos aqueles que lutam pela igualdade de género. Por isso, o Bloco de Esquerda está de parabéns por usar o seu tempo e os seus recursos intelectuais da melhor maneira no combate às perversidades linguísticas. Contudo, em como qualquer teoria, há buracos a tapar.
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Acho muito bem que se mude o nome do cartão de cidadão para cartão de cidadania. É inadmissível que vivamos no século XXI e os substantivos masculinos continuem a dominar na sua opressão mais vil sobre todos aqueles que lutam pela igualdade de género. Por isso, o Bloco de Esquerda está de parabéns por usar o seu tempo e os seus recursos intelectuais da melhor maneira no combate às perversidades linguísticas. Contudo, em como qualquer teoria, há buracos a tapar.
O primeiro problema prende-se com o termo “Bloco de Esquerda” em si mesmo. Percebe-se que há ali uma preocupação em juntar masculino e feminino no mesmo espaço, mas, na verdade, Bloco de Esquerda representa uma clara preferência pelo masculino e, em simultâneo, pelo feminino. Creio, assim, que o primeiro passo para abater este sexismo da linguagem é, na verdade, mudar o nome do partido. Poderíamos optar pela inversão e passar a chamar ao partido Bloca de Esquerdo, mas o problema manter-se-ia. Como tal, eis a minha proposta: abolir para sempre as vogais "a" e "o" na terminação do substantivo. Assim não há chatices para ninguém. Sim, porque a palavra cidadania, em substituição da palavra cidadão, também representa o género feminino, e não demoraria muito até que os homens se sentissem discriminados por esta preferência sexista. Pois, que esta história das marias capazes é muito gira, mas então e nós, os homens?, a quem já ninguém presta atenção porque agora é sempre, ai coitadinhas das mulheres, coitadinhas das mulheres. Não pode ser. Igualdade é igualdade e, nesse sentido, a ideologia partidária também precisa de umas certas afinações. Mas vá, adiante na reformulação linguística.
Estou brutalmente ansioso pelo som revolucionário da mudança no nosso vocabulário quotidiano. Mal posso esperar que o Bloque de Esquerde assuma a sua neutralidade total de género e provoque um espírito de renovação imenso e extraordinário na linguagem nacional, não vá alguém ficar ofendidinho com determinados trejeitos linguísticos que demonstram com clareza que o masculino manda nisto tudo - e também que o Bloque não tem muito que fazer.
Para dar uma ajuda ao Bloque, eis uma exemplificação do que será a nossa nova forma de comunicar, à qual Orwell chamaria novilíngua, mas que o Bloque de Esquerde transformaria em novilíngue: em polítique, o que importa é ocuparmo-nos de tarefes que não possuam ponta de relevâncie para o pove, o que importa é que o pove goste de ideies estapafúrdies e nós continuemos a perder tempe, dinheire e vide com problemes que realmente interessam a ninguém em parte alguma. Seria mais ou menos isto. Iste.
Bloque, bem sei que pareceremos algarvies acasalando com gajes de Alfama a falar, mas valerá a pene. Espero que esta crónique tenha servido o propósite.
Ah, e não admito que digam que este texto está cheio de ironia. Porque ironia é sexista: diz-se ironie.