Avaliador já tinha alertado para riscos neurológicos no ensaio da Bial em França

Relatório da agência francesa do medicamento revela que, antes da morte de um voluntário, já tinha havido alertas para eventuais efeitos neurológicos.

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O ensaio clínico que provocou a morte de uma pessoa saudável e a hospitalização de mais quatro voluntários em Rennes (França), em Janeiro passado, volta a ser notícia. O laboratório Biotrial – que conduziu o ensaio de uma nova molécula para a farmacêutica portuguesa Bial  -  está mais uma vez envolto em polémica, depois de o jornal francês Le Figaro ter tido acesso ao relatório confidencial do inquérito efectuado pela agência francesa do medicamento.

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O ensaio clínico que provocou a morte de uma pessoa saudável e a hospitalização de mais quatro voluntários em Rennes (França), em Janeiro passado, volta a ser notícia. O laboratório Biotrial – que conduziu o ensaio de uma nova molécula para a farmacêutica portuguesa Bial  -  está mais uma vez envolto em polémica, depois de o jornal francês Le Figaro ter tido acesso ao relatório confidencial do inquérito efectuado pela agência francesa do medicamento.

No protocolo do ensaio, a substância testada era apresentada como um “inibidor reversível”, o que explica o facto de ter sido considerada “uma molécula sem grande perigo”.  Mas o relatório do inquérito interno da Agência Nacional de Segurança do Medicamento (ANSM) revela que o "avaliador não clínico do ensaio" já tinha alertado para eventuais efeitos secundários neurológicos, tendo em conta as lesões observadas durante a fase de testes em animais. Um alerta que não impediu "o avaliador clínico" da ANSM de concluir que a segurança dos voluntários estava “assegurada neste estudo”, sublinha o Le Figaro numa notícia publicada quarta-feira.

Os problemas começaram a 10 de Janeiro, quando Guillaume Molinet, de 49 anos, deu entrada na urgência do centro hospitalar de Rennes em coma. Com idades compreendidas entre os 28 e os 49 anos, Guillaume e outros cinco voluntários, que testavam uma nova molécula desenvolvida pela Bial com actuação ao nível do sistema nervoso central, foram hospitalizados. Guillaume acabou por morrer. Foi um dos mais graves incidentes com ensaios clínicos de fase I (testes em pessoas saudáveis) na Europa.

O relatório da inspecção de saúde francesa já tinha assinalado várias falhas administrativas e a ministra da Saúde, Marisol Touraine, fez mesmo uma crítica explícita à forma como os voluntários foram escolhidos para este ensaio clínico, sublinhando a necessidade de clarificação dos critérios de selecção, nomeadamente quanto ao consumo de substâncias psicoactivas. 

Outro ponto destacado no relatório do inquérito interno confidencial da ANSM, ultimado a 18 de Janeiro, prende-se com o facto de terem também sido detectados efeitos secundários em voluntários que ingeriram doses menos elevadas do que as que Guillaume tomou (50 mg). E estes efeitos secundários, como a visão dupla, foram realçados na altura pelo comité científico especializado temporário, um grupo de especialistas mandatado pela ANSM. Voluntários que ingeriram 10 mg e 20 mg da molécula queixaram-se de visão dupla e de dores de cabeça várias horas após a ingestão da nova substância, mas estes problemas não foram levados em conta pela Biotrial, escreve o jornal francês.

Outro aspecto questionado por outro grupo, o comité de protecção de pessoas (encarregado de assegurar que os projectos de pesquisa biomédica sobre seres humanos respeitam as regras), tem que ver com a inclusão de consumidores de cannabis ou de marijuana, no limite de dois cigarros por dia, nos seis meses que antecederam o ensaio. “Isso poderia ser um factor de confusão, mas não era forçosamente perigoso", considerou Danielle Piomelli, professor de neurobiologia e especialista em farmacologia e química na Universidade de Californie ouvido pelo Le Figaro, que põe em causa sim a passagem para doses mais elevadas.

Este projecto de investigação teve início em 2005 e os estudos com este composto (um inibidor da enzima FAAH) remontam a 2009. Os resultados obtidos nos estudos pré-clínicos, segundo informou na altura do incidente a farmacêutica portuguesa, terão demonstrado um perfil de segurança e tolerabilidade que permitiu, em Junho de 2015, a aprovação do ensaio de fase I com voluntários saudáveis.