A selva em festa
A nova versão em imagem real das histórias de Rudyard Kipling é um entretenimento bem recomendável dobrado de proeza técnica.
A ideia de passar a imagem real a adaptação do Livro da Selva de Rudyard Kipling que é um dos “clássicos” da animação da Disney podia ter corrido muito mal. As experiências anteriores (a variação sobre Branca de Neve Maléfica e uma opulenta mas esvaziada Cinderela) não fizeram esquecer os originais; um estúdio que se limita a “reciclar” os greatest hits não é grande cartão de visita para a mentalidade Hollywoodiana contemporânea. É por isso que o filme do actor e realizador Jon Favreau (Homem de Ferro 1 e 2, Cowboys e Aliens) é uma pequena surpresa que transcende a mera proeza técnica que representa.
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A ideia de passar a imagem real a adaptação do Livro da Selva de Rudyard Kipling que é um dos “clássicos” da animação da Disney podia ter corrido muito mal. As experiências anteriores (a variação sobre Branca de Neve Maléfica e uma opulenta mas esvaziada Cinderela) não fizeram esquecer os originais; um estúdio que se limita a “reciclar” os greatest hits não é grande cartão de visita para a mentalidade Hollywoodiana contemporânea. É por isso que o filme do actor e realizador Jon Favreau (Homem de Ferro 1 e 2, Cowboys e Aliens) é uma pequena surpresa que transcende a mera proeza técnica que representa.
A mais recente iteração do “cinema digital”, este Livro da Selva tem um único actor de carne e osso – Neel Sethi no papel de Mogli, o menino criado por lobos numa selva indiana mítica – evoluindo em paisagens fotorrealistas e interagindo com animais que são puras criações digitais. Mas, para lá da necessária antropomorfização inerente à atribuição de linguagem aos animais (estamos, afinal, no reino dos contos tradicionais e das crenças locais), tudo é estritamente realista: Shere Khan, o tigre, Casca, a piton, Balu, o urso, ou Baguera, a pantera, são animais que evoluem no seu habitat natural e se comportam como tal. O primeiro mérito do filme de Favreau é criar a “suspensão de descrença” que permite ao espectador retomar o olhar maravilhado sobre as possibilidades do cinema enquanto simples contar de histórias com imagens e sons. O segundo mérito reside na recusa generalizada de actualizações ou anacronismos – este Livro da Selva não inventa nem moderniza nada, e apesar de algumas piadas demasiado a resvalar para a estética sitcom nova-iorquina, respeita a intemporalidade da escrita do vitoriano Kipling, percebendo que o material é suficientemente forte para não necessitar de “muletas”.
O terceiro mérito – e talvez o maior trunfo - do filme está no casting das vozes, que incluem Scarlett Johansson, Christopher Walken ou Idris Elba, e sobretudo na dupla improvável composta por Bill Murray no urso Balu e Ben Kingsley na pantera Baguera. Favreau aproveita as imagens de marca dos próprios actores para emprestar espessura às personagens, com o efeito de reconhecimento a amplificar mais do que anular ou afogar a sua natureza. Não é um filme sem defeitos – a introdução em jeito de reprise/homenagem de duas das canções do Livro da Selva animado é um erro que “pára” desnecessariamente o filme, e faz pensar o pior sobre as verdadeiras intenções do estúdio – mas tem a humildade de perceber a história que quer contar e, sabendo que é uma boa história, de pôr a técnica ao seu serviço. Parecendo que não, hoje isso é qualquer coisa, e faz deste Livro da Selva um entretenimento mais do que recomendável.