Zika já estava a atacar o Rio de Janeiro no início de 2015
Primeiros casos na cidade maravilhosa são de Janeiro de 2015, meses antes de o vírus ter sido identificado no Nordeste do Brasil. Vírus poderá causar um novo problema no sistema nervoso
Uma nova investigação revela que os primeiros casos do vírus Zika, no Brasil, datam de Janeiro de 2015 e são do Rio de Janeiro. Apesar de um estudo genético recente ter estimado que a presença do vírus no país é mais antiga, de 2014, até agora os primeiros casos identificados de pessoas infectadas com o vírus datavam de Abril de 2015, e eram do Nordeste do país. Por isso, o novo trabalho adianta, sem reservas, a data de chegada do agente patogénico ao Brasil, conclui um artigo publicado na terça-feira na revista PLOS Neglected Tropical Diseases.
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Uma nova investigação revela que os primeiros casos do vírus Zika, no Brasil, datam de Janeiro de 2015 e são do Rio de Janeiro. Apesar de um estudo genético recente ter estimado que a presença do vírus no país é mais antiga, de 2014, até agora os primeiros casos identificados de pessoas infectadas com o vírus datavam de Abril de 2015, e eram do Nordeste do país. Por isso, o novo trabalho adianta, sem reservas, a data de chegada do agente patogénico ao Brasil, conclui um artigo publicado na terça-feira na revista PLOS Neglected Tropical Diseases.
O Zika pertence ao género dos Flavivirus, tal como o famoso vírus da febre de dengue. Ambos são transmitidos aos humanos em picadas de mosquitos Aedes aegypti infectados com o vírus, que vivem nos países com clima tropical. Até 2007, a distribuição do vírus Zika (original da África) apenas alcançava o Sudeste da Ásia. Depois, em menos de uma década, atravessou os arquipélagos do oceano Pacífico e atingiu as Américas, já tendo sido identificado em 33 países deste continente, de acordo com o último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“A emergência do vírus Zika como um novo organismo patogénico no Brasil em 2015 sublinha a facilidade com que os vírus viajam entre continentes”, lê-se no novo estudo liderado por Patrícia Brasil, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, no Rio de Janeiro.
A equipa obteve os dados graças a amostras de sangue de indivíduos doentes que visitaram, entre Janeiro e Julho de 2015, o Centro de Investigação da Dengue da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e que tinham sintomas que não encaixavam bem nos da febre de dengue. A maioria tinha erupções cutâneas pelo corpo e comichão, além de dores de cabeça, prostração e dores nas articulações. Mas a febre, um sintoma prevalente na dengue, só surgiu em cerca de um terço dos doentes.
De qualquer forma, este estudo só foi iniciado após o Zika se alastrar no país. Os investigadores analisaram o sangue de 262 doentes. Nestes, detectaram material genético do Zika em 119. “Onze por cento dos casos confirmados foram diagnosticados nos meses antes da transmissão do vírus Zika ter sido detectada pela primeira vez no Nordeste do Brasil [em Abril de 2015], desafiando a noção de que o vírus entrou no Brasil pelo Nordeste e se espalhou dali para o resto do país”, segundo o comunicado da “PLOS” sobre o estudo.
Uma estimativa baseada nas mutações genéticas do vírus Zika de vários locais do mundo, por uma equipa coordenada pelo investigador português Nuno Faria, da Universidade de Oxford (Reino Unido), tinha mostrado que o Zika chegou ao Brasil bastante mais cedo, ainda em 2013. Mas por enquanto, este trabalho agora no Rio de Janeiro é a prova mais antiga do início da epidemia, baseada em vestígios do vírus em doentes.
Um dado interessante é a semelhança entre o aparecimento do Zika e o aparecimento da febre de dengue, em 1986, naquela cidade. Os primeiros casos das duas epidemias foram no bairro de Manguinhos, “um bairro empobrecido” do Rio de Janeiro, adiantam os autores. “É provável que isto esteja associado com uma densidade populacional humana alta, abundância de populações de ‘Aedes aegypti’, uma situação socioeconómica precária e falta de infra-estruturas”, explica-se no artigo.
O pico das infecções naquela população foi em Maio e Junho de 2015. Entre os 119 doentes, quatro eram mulheres grávidas. Três delas tiveram bebés saudáveis, mas a quarta sofreu um aborto espontâneo semanas após a infecção. Não se sabe se o caso está relacionado com a microcefalia de bebés recém-nascidos. Vários estudos científicos apontam para o vírus Zika ser responsável pelo aumento de casos de microcefalia em bebés no Brasil, na Colômbia e Polinésia Francesa, entre outros países. Segundo a OMS, no Brasil há 1046 casos de microcefalia potencialmente associados ao Zika.
Um pouco mais assustador
Um dos 119 doentes foi hospitalizado por estar com problemas no sistema nervoso periférico. O Zika está também associado à síndrome de Guillain-Barré (SGB), na qual os doentes têm problemas em se movimentarem devido à dificuldade na transmissão dos sinais nervosos aos músculos. Só no Brasil, houve 1708 casos desta síndrome em 2015, mais 19% do que em 2014.
No entanto, o Zika pode ser ainda responsável por outro problema neurológico. Uma equipa do Hospital da Restauração, no Recife, analisou seis doentes com Zika que desenvolveram problemas neurológicos, entre 151 pessoas infectadas pelo vírus. Quatro doentes foram diagnosticados com SGB, mas os outros dois desenvolveram encefalomielite aguda disseminada, identificada por imagens do cérebro.
Esta doença auto-imune é caracterizada pelo inchaço e inflamação súbita do cérebro e da espinal medula, e pela destruição de mielina – uma camada de lípidos que envolve os neurónios, dando-lhes a cor branca, e que permite que a informação neuronal corra rapidamente. Esta doença caracteriza-se por sintomas semelhantes à esclerose múltipla: fraqueza, dormência, perda de equilíbrio e da visão. Normalmente, as pessoas recuperam ao fim de seis meses.
“Embora o estudo seja pequeno, pode fornecer provas de que neste caso o vírus tem efeitos diferentes do que os identificados nos trabalhos feitos até agora”, explica Maria Lúcia Ferreira, autora do estudo sobre o Zika e a encefalomielite aguda disseminada, que vai apresentá-lo no Encontro Anual da Academia Americana de Neurologia, em Vancouver (Canadá), que se inicia na sexta-feira, citada num comunicado da academia. A ligação do Zika a problemas do sistema nervoso, seja a microcefalia nos recém-nascidos, sejam a SGB e a encefalomielite aguda disseminada, é uma das questões que mais suscita o interesse dos cientistas que querem entender o comportamento deste vírus.
Na segunda-feira, Na segunda-feira, Anteontem, as autoridades de saúde dos Estados Unidos pressionaram o Congresso, de maioria Republicana, para aprovar 1670 milhões de euros para o país se preparar para a possível chegada do Zika, um montante pedido pelo Presidente Barack Obama em Fevereiro. “Tudo o que vimos neste vírus indica-nos que é um pouco mais assustador do que inicialmente pensámos”, disse Anne Schuchat, subdirectora dos Centros para a Prevenção e Controlo das Doenças dos EUA, citada pela agência Reuters. “Apesar de esperarmos que não haja uma transmissão do vírus nos EUA, precisamos que os estados estejam prontos para isso.”