Dilma diz que relatório do impeachment é “a maior fraude da História” do Brasil

O Governo minimizou o resultado da votação da comissão parlamentar do impeachment, mas ele revela uma tendência de perda de apoio no Congresso que coloca a Presidente em risco.

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Dilma Rousseff acusou o vice-presidente de "traição à pátria" AFP/EVARISTO SA

A Presidente brasileira Dilma Rousseff sofreu uma derrota no Congresso na segunda-feira à noite, quando uma maioria de deputados de uma comissão especial aprovou um relatório que recomenda a instauração de um processo de impeachment que poderá levar ao afastamento de Rousseff do cargo. Uma maioria de 38 deputados – mais cinco do que o mínimo necessário – votou a favor do relatório, que segue agora para o plenário da Câmara dos Deputados, onde a votação deverá acontecer já este domingo.

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A Presidente brasileira Dilma Rousseff sofreu uma derrota no Congresso na segunda-feira à noite, quando uma maioria de deputados de uma comissão especial aprovou um relatório que recomenda a instauração de um processo de impeachment que poderá levar ao afastamento de Rousseff do cargo. Uma maioria de 38 deputados – mais cinco do que o mínimo necessário – votou a favor do relatório, que segue agora para o plenário da Câmara dos Deputados, onde a votação deverá acontecer já este domingo.

Dilma reagiu na terça de manhã, dizendo que o relatório aprovado é a “maior fraude jurídica e política” da História brasileira. “O relatório é tão frágil, sem fundamento, que chega a confessar que não há provas suficientes das irregularidades que me tentam atribuir", declarou a Presidente durante um evento com educadores no Palácio do Planalto.

A votação na comissão especial é uma formalidade, uma espécie de pré-aquecimento para a votação mais decisiva, no plenário da câmara baixa do Congresso, onde o resultado irá determinar o futuro de Dilma – e do país, que se encontra num impasse político praticamente desde a reeleição da Presidente, em Outubro de 2014. O resultado da votação – 38 votos a favor da instauração de um processo de impeachment e 27 contra – não permite antecipar o que acontecerá no domingo. Como disse na segunda-feira o presidente da comissão especial, Rogério Rosso, do Partido Social Democrático (PSD), que votou a favor do impeachment, “qualquer previsão de resultado é futurologia”. Em 1992, durante o processo que acabou por afastar o então Presidente Fernando Collor de Mello, não houve divisão: apenas um deputado votou contra o impeachment na comissão especial.

O Governo já contava com uma derrota na segunda e procurou minimizar o resultado. O chefe de gabinete de Dilma, Jaques Wagner, disse que o resultado estava "dentro das expectativas" do Palácio do Planalto e que a Presidente reagiu com “tranquilidade”. Num evento contra o impeachment convocado por artistas e intelectuais que juntou milhares de pessoas no Rio de Janeiro na segunda-feira à noite, o ex-Presidente Lula da Silva afirmou: “A comissão acabou de derrotar a gente, mas isso não quer dizer nada. Domingo é que nós temos que ter clareza”. Reconhecido como um dotado articulador político, Lula – que foi impedido, por ordem judicial, de tomar posse como ministro da Casa Civil de Dilma até que o Supremo Tribunal Federal analise e decida sobre o caso – tem estado a ajudar o Governo nos bastidores do Congresso para tentar garantir um número suficiente de votos contra o impeachment no próximo domingo. A Presidente precisa de um terço da Câmara dos Deputados – 172 votos – para travar o processo de impeachment. Não que o processo termine, definitivamente, aí: mesmo que seja desaprovado pela Câmara, o Senado será chamado a votar. Mas, seja qual for o resultado na Câmara dos Deputados, falta ao Senado condições políticas para confrontar ou sobrepor-se a ele, numa altura em que está visivelmente fragilizado porque só aparece nas notícias por causa do envolvimento dos seus membros no esquema de corrupção da Petrobras.

A julgar pela contagem de cabeças que a imprensa brasileira mantém diariamente, nenhum dos lados, oposição e Governo, tem votos suficientes para ganhar a votação. Mas a margem da oposição tem vindo a aumentar: segundo uma projecção do Estado de S. Paulo, são 299 os deputados que já declararam que vão votar a favor do impeachment, e 123 contra.

O Governo procurou fazer uma leitura optimista do resultado na comissão especial, notando que conseguiu mais de um terço dos votos, proporção que seria suficiente para derrotar o impeachment na Câmara dos Deputados. Mas a diferença de 11 votos entre o “sim” e o “não” foi maior do que o esperado pelo Planalto, sinalizando uma tendência de perda de apoio que coloca Dilma em risco. Sem margem para subtilezas após a saída do seu principal aliado e maior partido no Congresso, o PMDB, da coligação do Governo, o Planalto tem intensificado negociações com outros partidos da sua base aliada – através da promessa de contrapartidas, como cargos e dotação financeira de propostas legislativas, em troca do voto contra o impeachment, segundo a imprensa brasileira.

Mas a votação da comissão revelou um clima mais volátil do que o desejado pelo Governo: alguns desses partidos, que tinham prometido apoiar a Presidente em bloco, dividiram o seu voto entre o “sim” e o “não”. O Partido Progressista (PP), que é o maior aliado do Governo no Congresso depois da ruptura do PMDB, já admitiu que está a reavaliar a sua posição em relação ao impeachment.

Os “chefes da conspiração”

Na terça de manhã, Dilma atacou duramente o vice-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, ambos do PMDB. Sem nunca mencionar os seus nomes, a Presidente descreveu-os como “chefes da conspiração”. Cunha accionou o processo de impeachment no Congresso como um acto de vingança, quando o partido de Dilma, o PT, recusou apoiá-lo no inquérito parlamentar de que ele próprio é alvo por causa da revelação de que tem contas secretas na Suíça que poderão ter sido abastecidas pelo esquema de corrupção que existiu na Petrobras.

O vice-presidente Temer será o substituto de Dilma em caso de impeachment e, sabe-se desde segunda-feira que está a preparar-se para o fazer. Enquanto a comissão especial discutia a votação, a imprensa brasileira tornou pública uma gravação de 14 minutos do vice-presidente em que ele discursa como se o impeachment já tivesse sido aprovado na Câmara dos Deputados e como se estivesse prestes a assumir a chefia do Governo. O caso foi noticiado primeiro como uma gaffe embaraçosa: Temer e os seus assessores explicaram que a gravação áudio foi enviada “sem querer” para um grupo de WhatsApp de parlamentares do PMDB, quando o vice-presidente queria na verdade enviá-la a um amigo. Mas o Palácio do Planalto acredita que a “fuga” foi propositada, para influenciar o sentido de voto no próximo domingo. Alguns analistas brasileiros contrastaram a clareza do discurso de Temer com a oratória “obtusa” da Presidente. Na gravação, Temer apresenta-se como um conciliador que quer reunificar um país dividido, propondo um “governo de salvação nacional”.

“Se ainda havia alguma dúvida sobre o golpe, a traição à pátria em curso, não há mais”, disse Dilma, que se declarou “chocada” com a divulgação do discurso de Temer.

“Não sei direito qual é o chefe e qual é o vice-chefe da conspiração. Um deles [Cunha] é a mão, não tão invisível assim, deste processo de impeachment, que conduz com desvio de poder e abusos inimagináveis. O outro [Temer] esfrega as mãos e ensaia a farsa da fuga de um pretenso discurso de posse", afirmou.

Um deles é a mão, não tão invisível assim, que conduz com desvios de poder. O outro esfrega as mãos e ensaia a farsa de um pretenso discurso de posse. Cai a máscara dos conspiradores, o Brasil e a democracia não merecem tamanha farsa.