Têm uma mutação no gene mas não têm a doença. São super-heróis genéticos?
Estudo analisou o genoma de mais de meio milhão de pessoas e encontrou 13 casos especiais ainda inexplicáveis.
Cientistas norte-americanos analisaram o genoma de quase 600 mil pessoas e encontraram 13 “super-heróis” que tinham uma mutação num gene que os devia afectar mas que, afinal, são saudáveis.
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Cientistas norte-americanos analisaram o genoma de quase 600 mil pessoas e encontraram 13 “super-heróis” que tinham uma mutação num gene que os devia afectar mas que, afinal, são saudáveis.
E, de repente, dois mais dois já não são quatro. Ou, neste caso, uma pessoa com uma mutação num gene que causa uma doença pode afinal ser saudável. Foi isso que aconteceu numa investigação levada a cabo por cientistas norte-americanos que analisaram o genoma de 589.306 pessoas. Neste vasto grupo, que será o maior até agora realizado para doenças ligadas a mutações num único gene, foram encontradas 13 pessoas especiais que, apesar de terem uma mutação associada a uma doença, não apresentavam qualquer sintoma. No artigo publicado na edição desta semana da Nature Biotechonology, os investigadores chamam-lhes “super-heróis genéticos” e querem estudar estes casos para saber mais sobre este estranho poder. Mas, para isso, vai ser preciso primeiro encontrar estas pessoas.
A equipa de investigadores, liderada pelo Departamento de Genética da Escola de Medicina Icahn do Hospital do Monte Sinai, em Nova Iorque (EUA), e pela empresa Sage Bionetworks, em Washington, analisou o genoma de mais de meio milhão de pessoas adultas num estudo sobre doenças mendelianas (doenças que são hereditárias e causadas pela mutação de um só gene, como a fibrose quística, por exemplo).
Recorrendo a 12 bases de dados diferentes e apontando para a investigação de 874 genes associados a 584 doenças distintas, tratava-se do maior estudo genético conhecido até à data sobre estes casos. A equipa queria encontrar casos de resiliência a estas doenças mendelianas que se manifestam na infância, num trabalho chamado Resilience Project, lançado em 2014. A investigação começou por reduzir para 16 mil os casos prováveis de pessoas resilientes a doenças. Porém, mais de 75% destes participantes foram eliminados por falta de fiabilidade ou erros na informação recolhida.
Por fim, os investigadores chegaram a 13 super-heróis genéticos com mutações associadas a oito doenças diferentes mas que estavam saudáveis (além da fibrose quística, as outras doenças são a síndrome de Smith-Lemli-Opitz, a disautonomia familiar, a epidermólise bolhosa simples, a síndrome de Pfeiffer, a síndrome de poliendocrinopatia auto-imune, a displasia campomélica e a atelosteogénese). São 13 adultos resistentes a doenças graves.
Porquê? Quais são as razões biológicas que explicam estes casos? O que é que estas pessoas têm que as defende e impede que a doença se desenvolva? Ninguém sabe ainda. Os investigadores perceberam que há algo que as protege mas não sabem o quê. Quando o superpoder for desvendado, talvez possa servir para ajudar outras pessoas doentes. Até agora, o que se sabia era que uma mutação em determinado gene significava uma doença. Porém, os estudos genéticos, admite o comunicado da Nature, são sobretudo centrados em pessoas que manifestam os sintomas destas doenças e nas suas famílias. Ou seja, estas mutações podem existir em indivíduos saudáveis e terem passado despercebidas.
Os investigadores acreditam que este grupo de 13 pessoas pode ter a chave para identificar outros factores que interferem na manifestação da doença e para desenvolver terapias com alvos precisos. Mas, avisam, é preciso encontrar mais super-heróis genéticos no mundo. Ou, pelo menos, para já identificar estes 13 casos e estudá-los mais e melhor. Tendo recorrido a outras bases de dados, os investigadores ainda não terão conseguido contactar estas pessoas até porque, em alguns casos, faltam os documentos do consentimento informado dos participantes.
“Dadas as limitações dos formulários dos consentimentos informados, não foi possível contactar nenhum dos 13 candidatos finais para lhes colocar algumas questões. Será impossível afirmar que estas pessoas são verdadeiramente resistentes sem obter informação adicional”, assume o comunicado oficial da equipa do Hospital do Monte Sinai.
“Há aqui uma importante lição para os geneticistas de todo o mundo: o valor de qualquer projecto aumenta exponencialmente quando as políticas de consentimento permitem que outros cientistas consigam entrar em contacto com os participantes”, avisa Stephen Friend, presidente da Sage Bionetworks e professor de genética na Escola de Medicina Icahn. “Se pudéssemos contactar estas 13 pessoas, estaríamos ainda mais perto de descobrir quais serão as protecções naturais para estas doenças”, lamenta.