O que Portugal pode aprender com os “bancos maus” de Espanha, Irlanda e Itália
No caso mais recente, Bruxelas apenas aceitou que fossem concedidas garantias públicas que ajudam os bancos a livrarem-se dos seus activos problemáticos.
Desde a criação de um veículo com participação pública que compra aos bancos os seus activos tóxicos, como aconteceu em Espanha e na Irlanda, até à concessão de garantias públicas sobre esses activos para que a banca mais facilmente se livre deles, como se prepara para fazer a Itália, são vários os modelos seguidos na Europa para a resolução do problema das imparidades e do crédito malparado do sistema financeiro. Um objectivo que agora o Governo português também quer atingir.
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Desde a criação de um veículo com participação pública que compra aos bancos os seus activos tóxicos, como aconteceu em Espanha e na Irlanda, até à concessão de garantias públicas sobre esses activos para que a banca mais facilmente se livre deles, como se prepara para fazer a Itália, são vários os modelos seguidos na Europa para a resolução do problema das imparidades e do crédito malparado do sistema financeiro. Um objectivo que agora o Governo português também quer atingir.
No domingo, numa entrevista à TSF e ao Diário de Notícias, António Costa defendeu que seria "útil para o país encontrar um veículo de resolução do crédito malparado, de forma a libertar o sistema financeiro de um ónus que dificulta uma participação mais activa nas necessidades de financiamento das empresas portuguesas". Contudo, o primeiro-ministro não deu qualquer detalhe sobre a forma como actuaria esse veículo, quem seriam os seus accionistas e qual seria o papel a desempenhar pelo Estado. Apenas foi dito que o executivo iria debater estas questões com os bancos e com as entidades que regulam o sector.
Na Europa, há vários exemplos de governos que decidiram avançar para uma solução que reduza o peso dos activos tóxicos nas contas dos bancos. Há casos já com várias décadas, como o da Suécia, mas em três países, Irlanda, Espanha e Itália, as medidas tomadas surgiram já no decorrer desta crise. Olhar para elas pode dar pistas sobre aquilo que poderá vir a acontecer em Portugal.
Na Irlanda, que no rescaldo da crise financeira internacional viu os seus bancos ficarem com largos volumes de activos tóxicos nos balanços, o governo agiu logo em 2009, criando a Agência Nacional de Gestão de Activos (NAMA – National Asset Management Agency).
Usando fundos públicos, esta entidade foi criada com o objectivo de libertar os cinco bancos participantes da incerteza de terem nos seus balanços activos considerados problemáticos, nomeadamente o crédito malparado no sector imobiliário. Isto é, assumiu o papel daquilo a que habitualmente se chama um “banco mau”.
A NAMA comprou esses activos com um determinado desconto e os bancos assumiram em definitivo as perdas. A compra da dívida malparada – que tinha um valor nominal nos balanços de 74 mil milhões de euros - foi feita por 31,6 mil milhões, o que representa um desconto médio de 57% (um valor negociado também com as autoridades europeias). Desde aí, a tarefa da NAMA passou a ser a de tentar retirar desses créditos o máximo de proveito possível, até que eles se esgotem por completo. Estão em causa empréstimos concedidos a 850 entidades e relativos a 16.000 propriedades.
A Espanha também tem o seu “banco mau” para a globalidade do sector financeiro. A solução surgiu em Novembro de 2012 e foi imposta a Madrid pela troika quando negociou com o país o apoio concedido ao sector financeiro. Neste caso, a entidade criada chama-se Sociedade de Gestão de Activos Provenientes da Reestruturação Bancária (SAREB).
Mais uma vez, o objectivo era libertar o sector bancário dos activos problemáticos relacionados com o sector imobiliário. A SAREB comprou aos bancos cerca de 200 mil activos – desde crédito malparado até bens imobiliários que já estavam na posse dos bancos – por um valor superior a 50 mil milhões de euros, tendo sido praticado um desconto médio de 54%.
Por venderem esses activos, os bancos foram reembolsados em títulos de dívida, que depois puderam entregar como garantia junto do BCE para obterem empréstimos da autoridade monetária.
Também aqui, a tarefa do SAREB é tentar fazer render estes activos o máximo possível. No caso espanhol, o capital da entidade é detido em 55% pelo sector privado, ficando 45% nas mãos do Fundo de Resolução Bancária.
Garantias em Itália
Em Itália, assiste-se ao caso mais recente e, portanto, àquele que poderá dar mais pistas em relação ao que poderá acontecer em Portugal. No início, o Governo de Matteo Renzi pretendia, à semelhança do que aconteceu na Irlanda e Espanha, avançar para a criação de um “banco mau” que comprasse os activos tóxicos dos bancos, pagando-lhes em títulos de dívida.
No entanto, depois de uma longa e difícil negociação com as autoridades europeias, o acordo a que se chegou no início deste ano apontou numa direcção diferente. A Comissão Europeia não aceitou a proposta italiana por defender que poderia estar em causa uma ajuda estatal não permitida pelas regras europeias.
A alternativa encontrada foi assim outra. Os bancos juntam os activos problemáticos em pacotes, que tentam vender depois a fundos e outras entidades. Para tornar esses activos mais atractivos, o Estado ajuda, emitindo garantias estatais, pelas quais os bancos têm de pagar um determinado preço ao erário público.
Para além disso, o Governo está neste momento a tentar organizar a constituição de um veículo privado para adquirir os activos problemáticos, com a participação dos próprios bancos, incluindo um público, e de fundos de investimento. A solução ainda não passou à prática.
Para Portugal, a escolha do modelo vai depender, não só das características próprias do sector bancário nacional, mas principalmente dos limites impostos pelas autoridades europeias e do impacto orçamental potencial das medidas. Enquanto uma solução em que o veículo é considerado público teria um efeito negativo significativo ao nível do défice, uma solução do tipo da que se está a preparar em Itália poderia evitar esse tipo de custo no imediato.
Na semana passada, o governador do Banco de Portugal, que tem defendido a necessidade de avançar no país para uma solução que liberte a banca dos seus activos tóxicos e a capitalize, foi questionado no Parlamento sobre esta matéria, assinalando precisamente o obstáculo que existe no impacto orçamental. “Eu gostaria muito de ter tido a possibilidade de criar um NAMA ou um SAREB em Portugal se eu tivesse finanças públicas capazes de suportar o financiamento de um NAMA ou de um SAREB", afirmou.
Nesta segunda-feira, a Associação Portuguesa de Bancos revelou que, em 2011, propôs ao Governo de Passos Coelho a criação de um veículo de resolução do crédito malparado. Citada pela Lusa, fonte da entidade liderada por Fernando Faria de Oliveira disse ver "com agrado que se reflicta e se discutam soluções que contribuam para acelerar a recuperação ou a venda dos créditos em mora, promovendo o fortalecimento do sistema bancário europeu".