Até quando?
O que é lamentável é que há mais de vinte anos andamos com a mesma conversa.
O caso dos Panama Papers coloca uma questão que assume uma relevância máxima, a de existir uma elite política mundial que acumulou meios de fortuna sobre os quais acha que tem o direito a estar isenta de pagar impostos. A mesma classe política que legisla e decreta o pagamento de impostos pelo comum dos cidadãos, em especial pelos trabalhadores por conta de outrem. Impostos que estão na base do funcionamento das sociedades e dos Estados que as enquadram e que são essenciais para o bom funcionamento das mesmas. Mas há uma elite de poder que se sente acima dos outros, num remake orwelliano de uma casta que se se supõe para além da lei, que ela mesma elabora para ser obedecida apenas pelos outros, os que não têm direito, ou melhor, “esperteza” para integrarem a casta.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O caso dos Panama Papers coloca uma questão que assume uma relevância máxima, a de existir uma elite política mundial que acumulou meios de fortuna sobre os quais acha que tem o direito a estar isenta de pagar impostos. A mesma classe política que legisla e decreta o pagamento de impostos pelo comum dos cidadãos, em especial pelos trabalhadores por conta de outrem. Impostos que estão na base do funcionamento das sociedades e dos Estados que as enquadram e que são essenciais para o bom funcionamento das mesmas. Mas há uma elite de poder que se sente acima dos outros, num remake orwelliano de uma casta que se se supõe para além da lei, que ela mesma elabora para ser obedecida apenas pelos outros, os que não têm direito, ou melhor, “esperteza” para integrarem a casta.
É certo que nem todas pessoas que estão implicadas neste caso dos Panama Papers e que recorrem a offshores em geral conseguiram o seu dinheiro por meios ilegais, assim como também haverá quem não adquiriu esse dinheiro por meios antiéticos ou imorais; comungam apenas todos da presunção de que podem ser imunes aos princípios das sociedades em que vivem. Mas o facto é que quem recorre a este tipo de expedientes está a fugir a impostos, os quais nas sociedades de hoje são uma obrigação básica. E ao fugir a impostos está já a fugir a responsabilidades sociais óbvias.
Por outro lado, a divulgação deste caso veio adensar a ideia de que há uma casta de poderosos, muitos dos quais políticos, que usam os cargos de poder, o destaque que têm, para tirar benefícios do poder que detêm através de expedientes que não são legais, nem éticos, nem morais. E que o fazem servindo-se da política para chegar ao poder para benefício próprio e não por convicção ideológico--política, um sentimento que alastra nas sociedades actuais e que contribui de forma determinante para aumentar o fosso da descrença dos cidadãos nos seus representantes políticos.
A monumentalidade da teia de interesses difusos e corruptos que o caso Panama Papers assume aumenta este fosso, tanto mais que não é filho único, embora seja imenso. Ele junta-se a outros casos de corrupção que têm sido noticiados quer noutros países, como no Brasil o caso do “mensalão” ou o do Lava-Jato, ou como em Portugal os casos Face Oculta, operação Marquês e vistos gold. Uma nuvem que não tem fronteiras e que corrói a autoridade dos Estados, corrói o interesse público, corrói o bem-estar social, já que rouba recursos que deveriam integrar o que é a redistribuição social de bens.
Com o Panama Papers como pano de fundo, o Parlamento português, abriu mais uma vez a discussão sobre a revisão das leis que regem a actividade e o comportamento públicos e privados dos que exercem ou exerceram cargos políticos. Mais uma vez, o Parlamento português, desta vez com projectos do PS, do BE e do PCP, regressa a um assunto que tem várias portas de entrada, mas em que a saída vai sempre dar à possibilidade de serem assumidos comportamentos e práticas que podem desaguar em corrupção. Seja as incompatibilidades e a promiscuidade que o seu desrespeito gera, seja o enriquecimento ilícito, seja outro tipo de regras enquadradoras.
O que é lamentável é que há mais de 20 anos que andamos com a mesma conversa. Desde que, por pressão das críticas do CDS de Manuel Monteiro, o PSD de Fernando Nogueira apresentou o primeiro “pacote legislativo sobre transparência” na Assembleia da República, que assim que entrou em vigor, em Outubro de 1995, começou a ser alterado e a receber excepções, como as que foram aprovadas pelo então presidente da Assembleia, António de Almeida Santos no Estatuto dos Deputados em relação aos advogados.
Mas, embora se vão tomando algumas medidas fiscalizadoras e preventivas a favor da transparência da vida pública e política, esta conversa volta recorrentemente ao de cima no debate político. Como foi há dez anos, quando o então deputado do PS João Cravinho entregou no Parlamento o primeiro pacote de projectos anti-corrupção no qual constava já um projecto de lei que propunha o controlo do enriquecimento ilícito, leis essas que foram cilindradas pela direcção do partido liderado então por José Sócrates.
A imagem que passa é que a tendência é a de abafar e calar os que tentam apertar as regras e a fiscalização, mantendo-se um sistema que, por mais que seja mudado, continua a ser um passador furado. Como é o caso da apresentação de contas à Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos. Até quando é possível o país assistir ao comportamento de uma classe política que empurra com a barriga a regulação real e séria das suas actividades e cria regras realmente funcionais que previnam e combatam a promiscuidade política, o tráfico de influências e outras formas de corrupção?