Cameron admite não ter tido "uma grande semana"
Primeiro-ministro afirma que deveria ter gerido melhor informação sobre a sua ligação ao caso dos Panama Papers e promete divulgar em breve declarações de impostos
O primeiro-ministro britânico reconheceu neste sábado que deveria “ter gerido melhor” a reacção às informações que ligavam a sua família ao caso dos Panama Papers – foram precisos quatro comunicados e cinco dias para que David Cameron reconhecesse que teve, entre 1997 e 2010, uma participação num fundo offshore criado pelo pai, na década de 1980.
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O primeiro-ministro britânico reconheceu neste sábado que deveria “ter gerido melhor” a reacção às informações que ligavam a sua família ao caso dos Panama Papers – foram precisos quatro comunicados e cinco dias para que David Cameron reconhecesse que teve, entre 1997 e 2010, uma participação num fundo offshore criado pelo pai, na década de 1980.
“Bem, não foi uma grande semana”, admitiu Cameron na conferência de Primavera do Partido Conservador, na mesma altura em que às portas de Downing Street centenas de manifestantes – alguns de chapéus panamá na cabeça e camisas havaianas – exigiam a sua demissão. Em cortejo, seguiram depois para o local da conferência, no bairro londrino de Convent Garden, empunhando cartazes com o rosto do primeiro-ministro e uma palavra de ordem: "Ele tem de se ir embora".
“Podia ter gerido isto melhor. Sei que há lições que precisam de ser tiradas e vou aprender com elas. Não culpem Downing Street ou conselheiros anónimos [pela gestão do caso], culpem-me a mim”, pediu o líder conservador, no arranque de uma reunião que deveria ter servido para lançar a campanha do partido às eleições locais de Maio e que acabou sequestrada pelo caso.
O primeiro-ministro britânico, que depressa se tornou figura central nas reacções à gigantesca fuga de informação, insistiu que não cometeu qualquer ilegalidade e pagou todos os impostos que lhe eram devidos. Garantiu também que, depois de anos a prometê-lo, vai divulgar finalmente as declarações de impostos referentes a anos anteriores. “Quero ser completamente transparente e aberto sobre estas questões. Serei o primeiro primeiro-ministro, o primeiro líder de um grande partido a fazê-lo, não só por isso, mas também penso que esta é a coisa certa a fazer.”
Foi só na quinta-feira à noite, cinco dias depois de o jornal Guardian e a BBC – parceiros do Consórcio de jornalistas que teve acesso aos 11,5 milhões de documentos da sociedade panamiana Mossack Fonseca – terem divulgado as primeiras informações sobre o caso que Cameron admitiu ter beneficiado do fundo de investimento offshore, criado pelo pai, Ian Cameron, e sediado nas Bahamas. Em trinta anos de actividade o Blairmore Investment Trust nunca pagou qualquer imposto no Reino Unido. Só nesse dia, o primeiro-ministro revelou que tinha comprado cinco mil unidades de participação no fundo, que venderia em Janeiro de 2010 (quatro meses antes de ser eleito) por 31.500 libras (cerca de 38 mil euros), obtendo um lucro de cerca de 19 mil libras (23.500 euros). Dois dias antes assegurara que não possuía "acções, nem trusts offshore, nem fundos offshore", omitindo que essa não era a realidade ainda há seis anos.
Apesar de não haver indícios de ilegalidade em qualquer das práticas a que Ian Cameron recorreu para garantir que o fundo não era taxado no Reino Unido, a ligação do primeiro-ministro a este tipo de fundos é politicamente danosa – não só para o chefe de Governo que várias vezes criticou “as práticas agressivas de evasão fiscal” das empresas e das grandes fortunas, mas também para um líder que várias vezes disse estar na dianteira dos que querem impor um maior controlo sobre os paraísos fiscais.
“É agora claro que o primeiro-ministro enganou o público sobre o seu envolvimento pessoal nos esquemas de evasão fiscal offshore”, afirmou Jeremy Corbyn, o líder do Partido Trabalhista, acusando o primeiro-ministro de hipocrisia: “Depois de ter passado anos a falar de transparência fiscal e de ter dito que as práticas dos offshores para fugir aos impostos são 'moralmente erradas' vem agora a saber-se que ele beneficiou pessoalmente desses mesmos investimentos offshore.”
A semana que Cameron admite não lhe ter corrido de feição – um eufemismo para um caso que desencadeou as primeiras, ainda que tímidas, sugestões para a sua demissão – terminou com a divulgação de uma sondagem do instituto YouGov e que coloca a taxa de aprovação do primeiro-ministro ao nível mais baixo desde Julho de 2013, ficando pela primeira vez atrás de Corbyn. Entre os inquiridos, apenas 34% dão nota positiva à governação de Cameron, contra 58% dos que classificam de negativa a sua governação. Já o líder trabalhista obtém o elogio de 30% dos inquiridos, enquanto 52% lhe dão nota negativa.
Uma notícia que é má para o líder conservador, reeleito há menos de um ano com maioria absoluta, mas também para a campanha a favor da permanência do Reino Unido na União Europeia, que ele lidera. E o caso não poderá terminar por aqui: o jornal Guardian adianta que Cameron continua sem responder às suas questões sobre se familiares directos, incluindo a mãe, mantêm dinheiro em fundos de investimento offshore ou se as 300 mil libras que recebeu de herança do pai em 2010 resultam de investimentos em paraísos fiscais.