Referendo holandês anima antieuropeístas a dois meses do Brexit

Mais do que o acordo UE-Ucrânia, o que está em causa é o "descontentamento" de parte do eleitorado com Bruxelas.

Foto
O líder do Partido da Liberdade, Geert Wilders, fala no "início do fim da UE" Michael Kooren/Reuters

Um referendo não vinculativo que contou com a participação de um terço dos eleitores acabou por se transformar na mais recente bandeira dos movimentos que olham de lado para a União Europeia. A meio da semana, os holandeses disseram ao seu Governo que não aprovam o acordo de associação com a Ucrânia e atiraram mais um problema para cima da mesa europeia.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Um referendo não vinculativo que contou com a participação de um terço dos eleitores acabou por se transformar na mais recente bandeira dos movimentos que olham de lado para a União Europeia. A meio da semana, os holandeses disseram ao seu Governo que não aprovam o acordo de associação com a Ucrânia e atiraram mais um problema para cima da mesa europeia.

Em reacção ao resultado do referendo, o político xenófobo Geert Wilders disse que o "não" holandês marca "o início do fim da União Europeia" e o populista britânico Nigel Farage foi menos catastrofista mas mais expressivo: "Hooray!"

Em causa está o acordo de associação entre a União Europeia (UE) e a Ucrânia, que foi assinado em 2014 e posto em prática de forma provisória em Janeiro deste ano.

Em poucos meses, 27 dos 28 países da UE aprovaram e ratificaram o documento, cuja ideia principal é a de abrir as portas europeias ao comércio ucraniano em troca de profundas reformas políticas, anticorrupção e de controlo de qualidade de produtos e serviços – em Portugal, o acordo foi aprovado e ratificado entre Março e Abril de 2015.

Faltava apenas a Holanda, onde o processo foi travado em Outubro do ano passado, já depois de o Parlamento e o rei terem aprovado e promulgado o acordo com a Ucrânia. Mas a ratificação – um passo essencial para a entrada em vigor do acordo – acabou por ser adiada porque um grupo de cidadãos conseguiu recolher mais de 300 mil assinaturas para convocar um referendo.

Essa consulta popular aconteceu quarta-feira, e por pouco não foi declarada inválida. Para que os resultados fossem reconhecidos, pelo menos 30% dos eleitores teriam de votar, e foi isso mesmo que aconteceu – de acordo com os resultados finais, dos 32,2% dos holandeses que votaram, 61,59% disseram "não" ao acordo com a Ucrânia e 38,41% disseram "sim". Pondo estas percentagens em perspectiva, votaram pouco mais de quatro milhões de eleitores num universo de quase 13 milhões – e o "não" foi dito por dois milhões e meio.

O resultado foi um duro golpe para o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, que fez campanha pelo "sim", e foi também mais uma machadada na coesão europeia, num momento de profundas divisões sobre a questão dos refugiados, a crise monetária e financeira e a proximidade do referendo no Reino Unido, em que os britânicos vão dizer se querem permanecer na UE ou se preferem sair do grupo.

Apesar de não estar obrigado a recuar na sua decisão, o chefe do Governo já disse que vai levar em conta o rotundo "não" do referendo. O cenário mais provável é que a Holanda tente negociar alterações pontuais ao acordo, mas essa estratégia – que pode demorar "dias ou semanas", segundo o próprio primeiro-ministro – tem potencial para agravar ainda mais o cenário, principalmente do ponto de vista da Ucrânia, que precisa de começar a ver resultados palpáveis desta aproximação à UE: uma nova formulação do acordo pode levar outros países a terem de reiniciar todo o processo, e não é certo que os antieuropeístas se satisfaçam com quaisquer alterações.

"O referendo era sobre a Ucrânia – mas os defensores do 'não' nunca se preocuparam com os meandros do acordo comercial. O principal impulsionador [do referendo] gabou-se de que nem sequer leu o acordo de associação", frisou a correspondente da BBC em Haia, Anna Holligan. Mais do que uma consulta sobre a Ucrânia, "este exercício de democracia directa foi apresentado como uma oportunidade para o eleitorado expressar o seu descontentamento com o que muitos consideram ser um indesejável expansionismo e uma falta de responsabilidade democrática no interior da UE."

Num artigo publicado no jornal britânico The Guardian, o jornalista e escritor holandês Joris Luyendijk sublinha que este "não" foi dito por uma minoria, mas não há forma de negar que "é um problema para a Europa" – algo que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, também já tinha dito várias vezes quando foi posto perante a possibilidade da vitória do "não".

"É revelador que ninguém na Holanda tenha dito que o resultado do referendo é uma chamada de atenção para os líderes da UE ou para os partidos pró-europeístas. Se eles não ficaram atentos depois da crise financeira e do desastre dos refugiados, então é porque devem estar em coma", escreveu Joris Luyendijk. Apesar de descrever os organizadores do referendo como "um grupo heterogéneo constituído por pessoas com necessidade de atenção", Luyendijk termina o artigo com uma pergunta que terá uma resposta mais clara no dia 23 de Junho, quando os britânicos votarem no seu referendo: "De que forma se pode defender uma organização que nos últimos anos provou não ser capaz de controlar nem as suas fronteiras nem o seu sistema monetário?"