A difícil escolha de um ministro da Cultura
Em geral os primeiros-ministros, pela forma como são recrutados, não percebem a singularidade e a importância da “cultura”. Parecem pensar que tudo se resume a manter apaziguado um grupo de malfeitores que vive à custa do orçamento. Ou que é coisa de cereja em cima do bolo.
Olhando para os desempenhos das pessoas que nos governos portugueses, ao longo dos anos, tiveram a responsabilidade da “política cultural”, põe-se-me a questão: porque é tão difícil escolher pessoas competentes? Porque é que há tantos tão maus desempenhos?
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Olhando para os desempenhos das pessoas que nos governos portugueses, ao longo dos anos, tiveram a responsabilidade da “política cultural”, põe-se-me a questão: porque é tão difícil escolher pessoas competentes? Porque é que há tantos tão maus desempenhos?
Só posso tentar uma resposta provisória.
Algumas vezes se acha que o recrutamento deve ser feito de entre as pessoas do chamado “meio cultural”. O próprio “meio” reivindica essa espécie de prerrogativa. O problema é que constitui um campo muito restrito de recrutamento. Só excecionalmente poderá nalgum personagem coincidir o conhecimento dos problemas com a forma política de os resolver. Acresce que o “meio” é propício à vaidade. E a vaidade é incompatível com a gestão serena, refletida e aberta à opinião dos outros.
A “cultura” é coisa complexa, difícil de apreender na sua totalidade e em todas as suas implicações. É um campo muito amplo, de fronteiras indefinidas, com uma enorme variedade de implicações. A sua área de atuação é o imaterial, mas carece de materialidade.
Ao contrário de outras pastas, não basta aos seus responsáveis serem bons políticos. Têm que ter inteligência, sensibilidade, humildade, gosto pelas coisas do espírito. Tudo isso na mesma pessoa é raro.
Capacidade de aprender e de saber escolher os seus colaboradores é necessária em qualquer posto governativo. Mas na “cultura” é ainda mais necessário dada a variedade que já referi.
Em geral os primeiros-ministros, pela forma como são recrutados, não percebem a singularidade e a importância da “cultura”. Parecem pensar que tudo se resume a manter apaziguado um grupo de malfeitores que vive à custa do orçamento. Ou que é coisa de cereja em cima do bolo. Dá jeito, mas não é imprescindível.
A população não pensa de maneira muito diferente. Se uma instituição cultural é destruída, por exemplo, pouca gente se incomoda. Não lhe vão ao bolso. Esta forma de entender que a “cultura” é um luxo supérfluo ou uma rosa na lapela não ajuda a escolher os melhores.
Os instrumentos para a realização das políticas culturais foram com frequência construídos de forma amadora e sem se verificar a sua eficácia. Governa-se a olho. O que leva a achar que quem tem um olho é rei. Ou que é possível um relativo amadorismo na gestão da política cultural. Escolha feita com esse sentimento não pode dar bom resultado.
Poderia continuar. Falando destas dificuldades falo, indiretamente, do que acho deverem ser as características especiais de um ministro da Cultura. Além das que ficam insinuadas, há todas as outras, comuns a qualquer responsável político: ética, seriedade, gostar de servir os outros, paciência e resistência física para cumprir um sem número de rituais, capacidade de encaixar as críticas mesmo que injustas, capacidades tribunícias… Enfim, se é difícil ser ministro, mais difícil ainda é, como a vida me tem mostrado, ser ministro da Cultura.