Estrume ajuda a desvendar o enigma da rota de Aníbal pelos Alpes há mais de 2000 anos

Um grupo de cientistas encontrou as primeiras provas da passagem do general cartaginês e do seu exército com soldados, elefantes e cavalos pelos Alpes, em 218 a.C. Está-se cada vez mais perto de traçar a rota completa de Aníbal e desvendar um antigo enigma.

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Reza a história que quando confrontaram Aníbal com a impossibilidade da viagem que queria fazer, terá respondido: “Ou encontramos um caminho, ou abrimos um.” Foi há mais de 2000 anos que o general cartaginês Aníbal Barca e o seu exército, com elefantes e cavalos, atravessou os Alpes e invadiu a Península Itálica, derrotando as forças romanas. Um dos maiores enigmas da história é a rota escolhida em 218 a.C. para a difícil travessia dos Alpes. Afinal, que caminho seguiu Aníbal? Um grupo de investigadores de vários países e várias áreas científicas anunciou esta semana uma descoberta que ajuda a responder a esta questão. Tão surpreendente (ou até mais) quanto a conclusão é a forma como conseguiram chegar até ela: foi através da análise do chão, onde se encontraram sinais dos dejectos dos milhares de animais que Aníbal levava com o seu exército, que se chegou ao rasto do general cartaginês nos Alpes. São as primeiras provas apresentadas e que apontam para uma rota a sul.

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Reza a história que quando confrontaram Aníbal com a impossibilidade da viagem que queria fazer, terá respondido: “Ou encontramos um caminho, ou abrimos um.” Foi há mais de 2000 anos que o general cartaginês Aníbal Barca e o seu exército, com elefantes e cavalos, atravessou os Alpes e invadiu a Península Itálica, derrotando as forças romanas. Um dos maiores enigmas da história é a rota escolhida em 218 a.C. para a difícil travessia dos Alpes. Afinal, que caminho seguiu Aníbal? Um grupo de investigadores de vários países e várias áreas científicas anunciou esta semana uma descoberta que ajuda a responder a esta questão. Tão surpreendente (ou até mais) quanto a conclusão é a forma como conseguiram chegar até ela: foi através da análise do chão, onde se encontraram sinais dos dejectos dos milhares de animais que Aníbal levava com o seu exército, que se chegou ao rasto do general cartaginês nos Alpes. São as primeiras provas apresentadas e que apontam para uma rota a sul.

A história é apaixonante. Um romance épico comparável a David e Golias, consideram os mais entusiastas. E resume-se assim: Há muitos, muitos anos, um corajoso general cartaginês chamado Aníbal Barca iniciou uma difícil viagem que alguns diziam ser impossível. Com o seu exército de 30.000 soldados e com 15.000 cavalos e 37 elefantes partiu da Hispânia (nome dado pelos romanos à Península Ibérica) decidido a invadir a Itália. Pelo meio, havia a “impossível” travessia dos Alpes. Para não nos perdermos em mais detalhes, vamos ao desfecho da aventura: Aníbal não só conseguiu atravessar os Alpes como entrou em Itália e conseguiu que a invencível força de Roma caísse derrotada a seus pés. E assim se fez História.

Porém, já se sabe, os investigadores nunca estão satisfeitos e querem também o impossível: ter todas as respostas, para todas as perguntas. Com eles, a história nunca acaba. Um dos maiores enigmas desta história é a rota que Aníbal escolheu por entre os Alpes. É imperioso saber isso, argumentam os investigadores, para identificar locais de interesse arqueológico e para os estudar. E, claro, para desvendar esse enigma. O desafio.

Três possíveis rotas

A travessia de Aníbal remonta a 218 a.C., altura da Segunda Guerra Púnica. Cartago, na actual Tunísia, era o principal rival militar de Roma. Passados mais de 2000 anos, os historiadores, geólogos, arqueólogos e outros investigadores terão chegado a um consenso sobre três possíveis caminhos escolhidos por Aníbal. Agora, uma equipa de investigadores de vários países (incluindo o geólogo português Pedro Costa) encontrou provas que apontam para uma das rotas (a que está situada mais a sul) como a mais provável. Que provas?

Estes investigadores, que publicaram dois artigos científicos na revista Archeometry, analisaram o chão de uma zona já considerada “suspeita”, um pântano numa planície próxima da Passagem da Traversette (Col de la Traversette, em francês) e relativamente perto do Monte Viso.

O local desta pequena depressão que acumula água foi escolhido por garantir que estaria preservado, não teria sido vítima de derrocadas de pedras nem tinha sofrido grande alteração ao longo do tempo. A cerca de 3000 metros acima do nível do mar, os investigadores escavaram naquele. Camada por camada, foram usando a datação por radiocarbono para dar “uma idade” a cada fatia do chão. Chegaram à camada que correspondia a uma datação de há 2200 anos. Era um pedaço de terra mais escuro, mais denso. Analisaram. Tinha sinais de contaminação e vestígios de dejectos de animais, muito superiores aos que é provável encontrar num “chão normal”. Em vez de um limite máximo de 5% dos vestígios do ADN de um grupo de bactérias anaeróbicas (Clostridia) que é característica do estrume de cavalo, encontrou-se ali (e só naquela densa fatia de terra) mais do dobro, cerca de 12 %. Acima ou abaixo daquela camada, a presença de Clostridia caía significativamente. Mais: outros elementos da equipa olharam para química dos sedimentos e detectaram outros biomarcadores fecais (a molécula epicoprostanol, por exemplo) relativamente bem preservados que atingiam um máximo na fatia de terra com a data da travessia de Aníbal.

“Os resultados aqui apresentados constituem a primeira prova química e biológica da passagem de uma elevado número de mamíferos, possivelmente indicando a rota do exército de Aníbal nesta altura”, refere o artigo publicado este mês.

Está desvendado o enigma da rota de Aníbal? Não, ainda não. Falta saber o resto do caminho que fez. Aparentemente, esta descoberta descarta a hipótese de uma das rotas, situada mais a norte dos Alpes. Porém, não afasta totalmente um outro caminho que passaria algures pelo meio. “Só” aponta para uma mais provável escolha de Aníbal pela rota mais a sul, proposta há meio século pelo biólogo britânico Gavin de Beer. Esta rota, aliás, era a aposta já conhecida do principal investigador desta equipa. William Mahaney, investigador do Departamento de Geografia da Universidade de York (em Toronto, no Canadá), é o primeiro autor dos dois artigos do grupo internacional de investigadores e já escreveu vários artigos científicos e até romances científicos sobre o assunto.

Não é preciso ser cientista para concluir que é um dos maiores fãs desta história épica. Aliás, Pedro Costa, do Centro de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, confidencia ao PÚBLICO que Mahaney está fascinado pelo tema desde o tempo das aulas de latim do secundário. Mahaney, explica Pedro Costa, é o motor desta aventura sobre a aventura de Aníbal. “Ele é um visionário nesta área da geomorfologia”, refere o investigador português que começou a trabalhar com o especialista em 2008.

Pedro Costa, especialista na análise de areias de tsunamis, participou na campanha liderada por Mahaney no Verão de 2011 colaborando na parte da análise de sedimentos e estratigráfica. Os dois artigos publicados por esta equipa completam-se, com um primeiro trabalho mais virado para o lado da geologia e história e um segundo dedicado à bioestratigrafia, com a análise biológica e química dos materiais, extraindo o ADN dos sedimentos e procurando matéria orgânica e biomarcadores fecais. “A contribuição que faço neste trabalho é na identificação do nível que corresponde à data da passagem de Aníbal”, conta.

A história ainda não acabou

Os artigos agora publicados colocam Mahaney e a equipa mais perto de um final feliz mas… a história ainda não acabou. Para já, adianta Pedro Costa, Mahaney e alguns elementos da sua equipa terão sido desafiados a tentar fazer a mesma rota de Aníbal em 2017, acompanhados por uma equipa de uma cadeia de televisão. “Ainda estamos a negociar isso. Ainda não sabemos se será feita ou não”, diz o investigador português, que antecipa uma viagem difícil tendo em conta as campanhas já realizadas no território do Alpes. Porém, antes de pensar em fazer algum tipo de documentário, vão avançar os próximos passos desta investigação.

Falta agora fazer análises mais detalhadas aos sedimentos encontrados na camada do chão que guarda o rasto de Aníbal para poder dizer, com a maior certeza possível, que se trata de dejectos equinos e não humanos, diz ao PÚBLICO o microbiólogo Chris Allen, um dos principais autores dos artigos publicados e que pertence à Universidade Queens, em Belfast (Irlanda do Norte). Falta também, adianta Allen, encontrar e caracterizar geneticamente os ovos de parasitas naquela fatia de terra para obter muita informação. Provavelmente, será possível não só confirmar que estes ovos vieram dos cavalos mas perceber de onde (geograficamente) vieram. “Para já, só encontrámos um ovo, mas estamos à procura de mais”, diz Allen por telefone ao PÚBLICO. “Na ciência nunca se chega ao fim. Estamos sempre a tentar aumentar a força da nossa hipótese. Temos novas perguntas”, conclui o investigador, que não disfarça o entusiasmo com este trabalho.

Chris Allen é um dos que consideram que a odisseia de Aníbal é comparável ao confronto entre David e Golias. “Esta é uma maravilhosa história romântica. É a história de um tipo que, contra todas as probabilidades, derrotou um exército muito maior do que o dele. Ninguém espera que este tipo ganhe e ele faz algo de impressionante. Pega no seu exército, atravessa os Alpes, deixa o exército romano de joelhos: ele nem sequer queria derrotá-los, só os queria dividir. Passou 16 anos a lançar a confusão no que é hoje a Itália. É uma história fantástica e que moldou o futuro da Europa. E é por isso que tanta gente a adora.”

E o que aconteceu a Aníbal? Dizem que acabou, vários anos mais tarde, por ser traído e envenenado por um dos seus companheiros da histórica viagem e vitória. Afinal, o maior perigo para Aníbal não estava numa impossível travessia pelos Alpes, com elefantes e cavalos, nem na invencível força dos romanos.