Os emails da Comissão que forçaram a resolução do Banif e a venda ao Santander
Governo e Banco de Portugal não tiveram margem para avançar com o seu plano de integrar o Banif na Caixa Geral de Depósitos
Há uma frase que resume o jogo de sombras. “Em última instância, cabe às autoridades portuguesas (BdP) seleccionar a melhor oferta.” Acaba assim um email, enviado por Astrid Cousin, do gabinete da comissária da Concorrência, Margrethe Vestager, ao Governo português, às duas horas e quarenta e dois minutos da tarde de sábado, 19 de Dezembro, véspera da resolução do Banif e da venda do banco ao Santander.
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Há uma frase que resume o jogo de sombras. “Em última instância, cabe às autoridades portuguesas (BdP) seleccionar a melhor oferta.” Acaba assim um email, enviado por Astrid Cousin, do gabinete da comissária da Concorrência, Margrethe Vestager, ao Governo português, às duas horas e quarenta e dois minutos da tarde de sábado, 19 de Dezembro, véspera da resolução do Banif e da venda do banco ao Santander.
A posição da comissária surge, desta forma, após dois outros altos dirigentes da Direcção-geral da Concorrência de Bruxelas terem dado ao Governo português uma indicação clara. “A proposta do Santander parece financeiramente mais atractiva”, escreveu Gert-Jan Koopman, vice-director-geral da Concorrência e responsável pelo dossiê das ajudas estatais. “Em relação ao Santander temos uma boa expectativa sobre as discussões técnicas”, afirmou Karl Soukup, director do departamento de Ajuda Estatal, daquela direcção-geral.
O contexto é simples. O Governo enviou para Bruxelas, às 11h56 o nome dos quatro candidatos à compra do Banif: Santander, Banco Popular, J.C. Flowers e Apollo. “Na curta conversa que tivemos esta manhã percebi que, de acordo com a DG Comp, apenas o Banco Santander preenche os requerimentos. Por isso gostaria que me respondessem a este email com uma curta avaliação sobre cada oferta e a sua compatibilidade com os requisitos”, escreveu o secretário de Estado Adjunto, do Tesouro e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix.
Poucos minutos depois, às 12h12, chegou a primeira resposta, de Koopman. Às 12h44 chegou a resposta de Soukup. Em menos de uma hora, a Comissão respondeu ao Governo, afastando as ofertas do Banco Popular, da Apollo e da J.C. Flowers. E dando nota positiva, ou esperançosa, à proposta do Santander.
O Governo pediu, então, a estes responsáveis da Comissão que enviassem “uma resposta mais estruturada” para que pudesse ser “formalmente partilhada” com o Banco de Portugal (BdP). E foi então que chegou o email de Astrid Cousin: “Penso que a resposta do Karl deverá ser suficiente. Como sabem, é legalmente difícil da nossa parte escrever mais dado que, em última instância, cabe às autoridades portuguesas (BdP) seleccionar a melhor oferta.”
O eufemismo “legalmente difícil” é interessante. A Comissão não tem qualquer problema em fazer saber ao Governo que considera “problemática” ou “inaceitável” a proposta do Popular, ou em fazer avaliações legais sobre a admissibilidade das propostas da Apollo e da JC Flowers. Mas, formalmente, insiste em dizer que a decisão sobre “a melhor oferta” não lhe cabe, antes é da responsabilidade do Banco de Portugal.
A acção das autoridades europeias, como resulta claro da leitura desta troca de correspondência, a que o PÚBLICO teve acesso, afunilou todas as decisões importantes das autoridades portuguesas sobre o Banif. Como todos os responsáveis têm afirmado, perante os deputados que investigam o fim do Banif, no final, a 20 de Dezembro último, restavam poucas alternativas.
Governo pede a Comissão "posição mais aberta"
Cinco dias depois de tomar posse, o actual Governo começou a pôr em marcha o seu plano A: integrar o Banif na Caixa Geral de Depósitos (CGD). Desde o dia 30 de Novembro até à resolução, em 20 de Dezembro, as reuniões foram diárias. O projecto CGD+Banif foi apresentado à DG Comp no dia 3 de Dezembro. No dia seguinte houve uma reunião com Carlos Costa, governador do Banco de Portugal. O regulador já conhecia a proposta, através de José Ramalho, vice-governador responsável pelo Fundo de Resolução, desde, pelo menos, o dia 1.
Mesmo assim, Carlos Costa insistia noutra solução: “O Banco de Portugal entende que a solução que melhor permite lidar com a situação de crise financeira grave que o Banif enfrenta e que melhor garante a estabilidade financeira é a realização de uma operação de capitalização obrigatória com recurso ao investimento público", escreveu, num memorando dirigido a Mário Centeno, no dia 4 de Dezembro.
A Comissão não aceitou nenhuma das duas hipóteses. A recapitalização sugerida pelo BdP não chegou a tomar muito tempo neste debate. Foi rejeitada liminarmente por não ser considerada legal. A proposta do Governo – integrar o Banif na CGD - originou um longo email de Gert-Jan Koopman, do dia 8 de Dezembro, dirigido a Mário Centeno, Ricardo Mourinho Félix e José Ramalho, do BdP.
Os argumentos são vários. Por ter recebido ajuda estatal, o Banif não pode ser negociado fora de um “processo de venda aberto e transparente”. A Comissão adianta mesmo que se a decisão fosse “oferecer” o Banif, seria contestada em tribunal. Por outro lado, a própria CGD encontra-se em “reestruturação”, adianta a Comissão, e por isso impedida de comprar bancos. Por não ter cumprido o seu plano de pagamento do empréstimo que recebeu do Estado (900 milhões de euros através de capital contingente, ou CoCos), a CGD mostra, segundo a Comissão, “a sua fraqueza de capital”. Para mais, o banco público, escreve a Comissão, nem num processo de venda aberto seria considerado como melhor comprador.
Pior ainda, acrescenta a Comissão, como “o Banif não é viável”, a CGD necessitaria de uma injecção de capital, e isso seria uma ajuda pública. Por isso, a CGD devia, nesse caso, “entrar em resolução”. E o sub-director-geral ironiza: “Não estou certo de que Portugal queira elaborar nesse cenário.”
A mensagem continua com uma impossibilidade final: “Mesmo que Portugal decida prosseguir a fusão com a CGD, apesar das acima mencionadas preocupações, Portugal ainda não apresentou qualquer plano para este efeito, o que torna impossível a avaliação de uma transacção tão complexa em 2015.”
O Governo respondeu. No caso de a venda em curso falhar, escreveu Ricardo Mourinho Félix, a integração do Banif na CGD “é a melhor solução alternativa para proteger a estabilidade financeira, o dinheiro dos contribuintes e o sistema bancário”. O governante pede à DG Comp que adopte “uma posição mais aberta”. Mourinho questiona então os juízos de Koopman sobre a situação da CGD. E apresenta esta como uma “oportunidade para reestruturar o sector bancário público, reforçando a confiança”.
Mário Centeno, em paralelo, nesse mesmo dia 8, telefonou à comissária Vestsager e ao vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovkis. Sem êxito. A porta estava completamente fechada. Restavam depois duas hipóteses: a liquidação do Banif, que ninguém queria, ou a resolução, e a venda posterior ao Santander, que foi feita 12 dias depois, com elevados custos para os contribuintes, mas que não obteve qualquer objecção da Comissão.